sexta-feira, 17 de julho de 2009

Flashbacks da FLIP 2009 (2)

















































A 7ª Festa Literária Internacional de Paraty terminou, todos sabem.
Mesmo assim, os resultados da apresentação de tantos trabalhos, publicações, intercâmbios e contactos perdurarão por mais tempo. Quero hoje comentar a concorrida mesa que participaram Mario Bellatin e Cristovão Tezza. Estes premiados autores tendo como mote principal o papel da experiência pessoal na literatura, com posições divergentes e inquietadoras, permitiram aos presentes fomentar polêmicas e conhecer mais das suas idéias e escritos. Ficarão de fora destes comentários dezoito mesas de trabalho, com nomes expressivos e de alta relevância, entre elas, a esperada mesa dez intitulada Seqüências Brasileiras, com a presença de Chico Buarque de Holanda. Enfim, a escolha recai pelo que o debate instiga a pensar sobre o tema proposto: O eu profundo e os outros eus.
Mario Bellatin por si constitui um personagem de impacto. Considerado em fóruns literários um romancista de prosa contundente e seca, chega às livrarias brasileiras com o livro Flores, publicado originalmente em 2001. Este trabalho recebeu o prêmio Xavier Villaurrutia e sua publicação recente pela Cosac Naify. O universo bellatino versa sobre personagens ambíguos que se adentra por desconcertantes histórias, entre elas, a do cientista que descobre um fármaco que causa deformações físicas, a história do escritor e das suas pesquisas sobre sexualidade, a história do nome das flores, histórias cujos personagens provocam e desafiam o leitor. O universo lúdico entre realidade e ficção parece ser o desafio do escritor que defende o poder da obra dispensar os portos de segurança comumente sustentáveis nas referências bibliográficas (1). Questionado sobre a Escola Dinâmica de Escritores, Bellatin afirma que seguem produzindo, escrevendo para criar. Irreverente nas diferentes formas de criação, Mario Ballatin, parece querer também provocar quando posa na sessão de autógrafos deixando-se mirar aos flipianos em sua prótese fálica(2)
Cristovão Tezza e seus premiados livros vêm ocupando um lugar de prestígio na literatura brasileira como costuma propagar a imprensa midiática (3). Em 2007, a consagração com a publicação de O filho eterno, romance que aborda com originalidade o tema do nascimento de um filho com síndrome de Down, é merecedor de vários prêmios, entre eles, o Prêmio Portugal Telecom, Prêmio São Paulo de Literatura de Melhor Livro do Ano, Prêmio Jabuti de Melhor Romance de 2008, Prêmio Bravo de 2008 e Prêmio APPCA, 2007. Embora se defina como um professor tardio, a prosa de Cristovão Tezza expõe com estilo emocional e tocante de um tema vivo e real das dificuldades inúmeras e das pequenas vitórias de conviver com uma criança que o ocupará pelo resto da sua vida, uma criança desejada, mas diferente. Como expositor, o escritor demonstra que o real e a ficção reordenam sua própria vida, o eu profundo e os outros eus mesclam-se com precisão literária encadeando idéias e experiências de vida que vão conferir a expressão que ouvi muitas vezes ao longo do evento: “É um livraço”! Quanto ao escritor, um professor que não exita em falar de suas experiências, das suas descobertas e se tornar personagem de sua própria obra. Falando sobre seu livro quando da época de lançamento, ele comenta que sente o livro forte e que escrever é uma atividade sem volta.

Os eus tão presentes parecem configurar uma era do esmaecimento da fôrça dos processos coletivos, em que as subjetividades parecem querer expressar outras formas de construção das identidades ( idéia a ser melhor desenvolvida mais adiante).

Notas: (1) Como avisei aos navegantes, conheci o Mario Bellatin recentemente. Antes, porém, tive o cuidado de, pelo menos, interessar-me em ler sua biografia, uma vez que o livro adquirido ainda não saiu do lugar que encontrou na fila da estante.

(2) Hijo de padres peruanos, Bellatin vivió en Perú, donde estudió Teología durante dos años en el seminario Santo Toribio de Mogrovejo y, después, Ciencias de la Comunicación en la Universidad de Lima. En 1987 viajó a Cuba becado para estudiar guión cinematográfico en la Escuela Internacional de Cine Latinoamericano de San Antonio de los Baños. Sus primeras novelas las publicó en Perú.A su regreso a México fue director del Área de Literatura y Humanidades de la Universidad del Claustro de Sor Juana y miembro del Sistema Nacional de Creadores de México de 1999 a 2005.Actualmente es director de la Escuela Dinámica de Escritores en la Ciudad de México. La escuela propone un metódo de preparación literaria alternativo a los espacios académicos y a los talleres literarios tradicionales. La primera regla de la Escuela Dinámica de Escritores es no escribir para la escuela, sino escribir para crear. Los métodos aplicados por Bellatin enfatizan la relación que guardan entre sí las distintas formas de arte, señalando el origen común de todas ellas. Para Bellatin toda obra de arte debe poseer una retórica propia que permita alejarla de su autor con facilidad.Su preparación académica fue una influencia decisiva para el desarrollo de su escritura. Su experiencia cinematográfica le llevó a concluir que la realidad puede estar encapsulada en un fragmento de tiempo pequeño y sin embargo ser capaz provocar sensaciones importantes en el espectador. De ahí se desprende el caracter fragmentario de su escritura, que sólo ofrece los datos precisos de la realidad que compone en sus novelas.Su obra, de gran difusión, ha sido traducida al inglés, alemán y francés. Mario Bellatin es considerado uno de los escritores contemporáneos latinoamericanos experimentales, en cuyas novelas se plantea un juego lúdico entre realidad y ficción, matizado con protocolos apócrifos, crónicas, biografías o documentos científicos, provocando así situaciones inverosímiles e incluso graciosas. Su obra no contiene referencias biográficas, pues el autor cree que el texto debe sostenerse por sí mismo y que la literatura se desarrolla de mejor manera con la menor intervención posible de parte del autor. http://es.wikipedia.org/wiki/Mario_Bellatin
(3) Cristovão Tezza (Lages, Santa Catarina, 1952) é um romancista brasileiro. Nasceu em Lages mas mudou-se para Curitiba (Paraná) com dez anos. Esta última cidade é cenário de boa parte de sua literatura, pela qual seus personagens visitam ruas e pontos turísticos.Quando mais jovem fez teatro, foi da marinha mercante, trabalhador ilegal na Europa e ainda relojoeiro. Tinha enorme paixão pela profissão, mas percebeu que os consertos de relógio não sustentariam suas ambições literárias. Já era escritor bem jovem, e aos 13 anos fez seu primeiro livro, designado por ele mesmo “muito ruim”. Já publicou dez romances. Uma das marcas de seu texto é a presença de mais de um narrador: em Trapo, vemos a história do ponto de vista do professor Manoel, que estuda o poeta Trapo, e paralelamente do ponto de vista do poeta, através de seus poemas. Em 2003, publicou um ensaio sobre Mikhail Bakhtin, que era, na verdade, sua tese de doutorado. É doutor em Literatura Brasileira e professor de Lingüística na Universidade Federal do Paraná. Em algumas declarações afirma que “só uns quatro ou cinco escritores brasileiros poderiam viver só dos livros”, e por esse motivo é professor. Ganhou o prêmio da Academia Brasileira de Letras de melhor romance brasileiro de 2004, pelo seu livro “O fotógrafo”. http://pt.wikipedia.org/wiki/Cristóvão_Tezza
(4) As fotos tiradas na Tenda dos Autógrafos não revela, mas havia um caracol de curiosos, tímidos, exibidos, excêntricos e espantosos escritores e leitores, todos amantes dos livros. Na primeira vê-se Cristovão Tezza, na segunda e terceira Mario Bellatin.

sábado, 11 de julho de 2009

Flashbacks da FLIP 2009(1)


































O evento do início do mês de julho levou a Paraty-RJ 35.200 pessoas que, segundo dados dos jornais que circularam e foram distribuídos durante a grande festa, compõe-se de 34 autores convidados, dos quais 15 estrangeiros procedentes de 09 países, mediadores para as 19 mesas organizadas em ampla diversidade temática, participação de oito editoras, além da ocorrência de eventos paralelos na Casa da Cultura e na Casa Azul, da FLIPINHA e da FLIP ZONA. Para esta mega-estrutura Paraty prepara-se numa mega-montagem de Tenda de Autores, Tenda do Telão, Tenda de Autógrafos, Tendas da Flipinha, Tendas da FlipZona, serviços de atendimento aos participantes, sugestão de hospedagens e outros serviços. Diz-se que há um retorno de cinco milhões para a economia da região.

Os ingressos para a Tenda dos Autores esgotam-se antes mesmo que o evento se inicie, criando-se a chance de se dirigir à Tenda do Telão ou, caso não se consiga, sentar-se às margens dos telões, nas suas beiradas, desta vez sob céu aberto com direito a chuva fina ou mesmo a intensa neblina durante quase duas horas que perduram as apresentações das mesas. Ainda tem-se a chance de desistências e venda de ingressos de última hora. Poucas, mas acontece. Tudo por amor às letras e à arte.

O homenageado desta vez é o grande poeta Manoel Bandeira. E para abrir a conferência, Davi Arriguci Jr, crítico literário e professor aposentado de Teoria Literária e Literatura Comparada da USP, com várias obras publicadas, entre elas, às dedicadas ao poeta, Humildade, Paixão e Morte (1990) e O cacto e as ruínas (1997). Há uma tradição de ler nos primeiros momentos da fala trechos ou pontos de destaque do texto que versará o teor da conversa, animada pela fácil comunicação que o convidado rapidamente desenvolve com sua atenta e silenciosa platéia.
Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus — ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não. Os versos de Manoel Bandeira ecoam e reverberam na animada prosa do conferencista que mais houvesse tempo, além das duas horas que lhe são facultadas, permaneceria entusiasmado a falar da simplicidade e leveza do poeta. Manoel Bandeira estava atento ao povo, sua poesia fala do chão, dos que estavam nas margens (2).

Notas:
1.Para atender a Mary e a Jonga que dizem sempre que preciso postar com mais freqüência, estou iniciando um relato meio apressado, sem muito criproco. Logo mais, passo a passo, recomeço a contar a lenda, no próximo post.
2.Duas fotos, a tenda do autor e a tenda do telão, numa delas vê-se a projeção da conferência do Davi Arriguci Jr. Vale a pena re-ouvir a exposição.

sábado, 27 de junho de 2009

















O visual é essencialmente pornográfico, isto é, sua finalidade é a fascinação irracional, o arrebatamento; nessa ótica, pensar seus atributos transforma-se em algo complementar se não houver disposição de trair o objeto; os filmes mais austeros, por sua vez, extraem por força sua energia da tentativa de reprimir os próprios excessos (em vez de tirá-la do esforço mais ingrato de disciplinar o espectador). Assim, filmes pornográficos são apenas a potencialização de uma característica comum a todos os filmes, que nos convidam a contemplar o mundo como se fosse um corpo nu.

Certamente sabemos disso com maior clareza hoje, porque nossa sociedade começou a nos apresentar o mundo-agora, em grande parte, um conjunto de produtos de nossa própria criação- exatamente como um corpo, que se pode possuir com os olhos e de que se podem colecionar as imagens. Se ainda fosse possível uma ontologia desse universo do visual, do ser como algo acima de tudo visível, com os outros sentidos derivando dele; todas as lutas de poder e de desejo têm de acontecer aqui, entre o domínio do olhar e a riqueza ilimitada do objeto visual; é irônico que o estágio mais elevado da civilização (até agora) tenha transformado a natureza humana nesse único sentido multiforme, o qual, com toda certeza, nem mesmo o moralismo pode ainda querer restringir. Este livro defenderá a idéia de que a única maneira de pensar o visual, de inteirar-se de uma situação em que a visualidade é uma tendência cada vez mais abrangente, generalizada e difundida é compreender sua emergência histórica. Outros tipos de pensamento precisam substituir o ato de ver por outra coisa; apenas a história, entretanto, pode imitar o aprofundamento ou a dissolução do olhar ( 1).

Tudo isso para dizer que filmes são uma experiência física e como tal são lembrados, armazenados em sinapses corpóreas que escapam a mente racional. Baudelaire e Proust mostraram-nos como as memórias são na verdade parte do corpo, mais próximas do odor ou do paladar que da combinação das categorias de Kant; ou talvez fosse melhor dizer que memórias são, acima de tudo, recordações dos sentidos, pois são os sentidos que lembram, e não a “pessoa” ou a identidade pessoal. Isso pode acontecer com livros, se as palavras forem suficientemente sensórias; mas sempre se dá com filmes, quando já vimos muitos e, inesperadamente, revemos um. A única coisa que consigo me lembrar sobre uma ida ao Exeter Theater em Boston, há mais de vinte anos, para assistir a um filme soviético, é de um desapontamento consciente; quando o vi novamente na semana passada, afloraram gestos nítidos, que me haviam acompanhado todo esse tempo sem que eu soubesse; meu primeiro pensamento-como pude esquecê-los?-é seguido pela conclusão proustiniana de que eles tiveram de ficar ignorados ou esquecidos para que assim pudessem ser lembrados.

Mas a mesma coisa se dá com o tempo real, na passagem de um dia para outro; as imagens do filme da noite anterior marcam a manhã, impregnando-a de lembranças semiconscientes, de modo a despertar um alarme moralizador; como o visual de que é parte, mas também essência e concentração, um emblema e todo um programa, o cinema é um vício que deixa suas marcas no próprio corpo. Assim, é inconcebível que uma atividade que ocupa uma parte tão grande em nossas vidas se restrinja a uma disciplina especializada, bem como que se pretenda alguma vez escrever sobre ela sem uma grande dose de auto-indulgência.

Texto de Fredric Jameson. Introdução in Marcas do Visível. Rio de Janeiro: Graal, 1995.

Notas:
(1)O arrebatamento, a fascinação, a contemplação, o possuir com os olhos, eis algumas das ações que Fredric Jameson assinala na introdução deste livro que trata do universo visual, centrando na idéia de que para pensar sobre a visualidade hoje como tendência abrangente na sociedade contemporânea, requer percebê-la na sua emergência histórica. Neste sentido, a memória dos filmes que assistimos durante toda a nossa vida é um legado que trazemos, por vezes até ocultos, mas que florescem ocasionalmente acompanhando-nos semiesqueçidos, pois diz êle, o cinema é um vício que deixa suas marcas no próprio corpo.

(2)A foto do post foi-me enviada por um amigo que passeando a trabalho pelo continente europeu e sabendo do meu interesse pela filmografia de Pedro Almodóvar, quis me dizer o quanto seus filmes são assistidos e admirados. Neste cinema observa-se o cartaz do filme Volver.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Mostra Marguerite Dura: Impressões























Em período de festas juninas regionais a Sala Walter da Silveira ousa apresentar a Mostra Marguerite Duras e a Mostra Hans-Jürgen Syberberg, entre outros destaques, a merecer atenção dos amantes da sétima arte (1).

Assistindo O homem atlântico (L’ homme atlantique, Fra, 1981) e As crianças (Les enfants, Fra, 1984) quando da presença do estudioso da filmografia de Marguerite Duras, Professor Maurício Ayer, várias perguntas vão tecendo e provocando conhecimento e interesse pela obra escrita e pelas inéditas películas daquela que escreveu as imagens de dezenove filmes, nove dos quais incluídos na mostra. A programação completa da mostra encontra-se, também, no Setaro’s Blog. Inexplicavelmente, não encontramos na imprensa local a devida cobertura merecida. Enigmas baianos?

Neófita nesta filmografia, porém, atenta a sua itinerância na terra, considero pertinente ater-me ao filme que será exibido hoje:
India Song (Fra, 1974, 120 min). Eis a sinopse pela própria autora.

As pessoas às vezes dizem que minha obra é feita como a música é feita. Se eu posso ter uma opinião, eu acho que é verdade. Pelo menos para India Song é verdade. Marguerite Duras.

É a história de um amor, vivido nas Índias, nos anos 30, numa cidade superpopulosa às margens do Ganges. Dois dias dessa história de amor são evocados. A estação é a da monção de verão. Quatro Vozes – sem rosto – falam dessa história.
As Vozes não se dirigem ao espectador ou ao leitor. Elas são de uma total autonomia, falam entre si. Não sabem que são ouvidas. As Vozes conheceram, leram, a história desse amor há muito tempo. Algumas se lembram melhor que outras. Mas nenhuma se lembra completamente, e, tampouco, nenhuma a esqueceu por completo. Não se sabe em nenhum momento quem são as Vozes. No entanto, pela maneira que cada uma tem de se esquecer ou de se lembrar, elas se fazem conhecer mais do que por sua identidade.
O enredo é uma história de amor imobilizada na culminância da paixão. Emtorno dela, uma outra história, a do horror – fome e lepra mescladas na umidade pestilenta da monção – imobilizada também num paroxismo cotidiano.
A mulher, Anne-Marie Stretter, esposa de um embaixador da França nas Índias, agora morta – seu túmulo está no cemitério inglês de Calcutá –, como que nasceu desse horror. Ela fica em meio a isso com uma graça onde tudo se abisma, num inesgotável silêncio. Uma graça que as Vozes precisamente tentam rever, porosa, perigosa, e perigosa também para algumas das Vozes.
Ao lado dessa mulher, na mesma cidade, um homem, o Vice-cônsul da França em Lahore, em desgraça em Calcutá. No seu caso, é por sua cólera e pelo assassinato que ele se une ao horror indiano. Uma recepção na Embaixada da França terá lugar – durante a qual o Vice-cônsul maldito gritará seu amor por Anne-Marie Stretter. Isto, diante dos olhos da Índia branca. Depois da recepção, ela irá às ilhas da foz do Ganges pelas estradas do Delta.

Notas: (1). A programação completa encontra-se em www.dimas.ba.gov.br e a curadoria da mostra em Salvador-Bahia está sob a responsabilidade de Adolfo Gomes, estudioso cineclubista, dedicado e conhecedor do ofício.

(2) Maurício Ayer. Filmografia Comentada de Marguerite Duras. In: Marguerite Duras Escrever Imagens, Rio de janeiro, 2009. A foto que ilustra o post encontra-se no catálogo da mostra.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Mostra Claude Santos (2)

Como uma imagem pode dar idéias? Steinberg as dá. Ou melhor, coisa mais valiosa, dá vontade de idéias. Esta frase de Roland Barthes, compilada em seus inéditos publicados recentemente, é atual e decifradora. A seguir quatro imagens de Claude Santos. Na sequência imagens dos audiovisuais comentados nos textos anteriores: Um bêbado no Bar Colon, Calasans Neto, Carybé e Agnaldo Siri.





domingo, 17 de maio de 2009

Mostra Claude Santos (1)

Folheando os títulos da Coleção de Inéditos de Roland Barthes encontramos várias comunicações, notas, resenhas e inquietações deste que foi, além de um especialista da linguagem, um interessado e curioso pela linguagem visual. A certa altura dos seus ensaios, especificamente numa conferência internacional sobre a informação visual, em meados dos anos sessenta, Barthes afirma que apesar de vivermos cercados e impregnados de imagens quase nada sabemos delas.

O que é, o que significa, como age, como comunica, quais os seus efeitos prováveis e imagináveis, quase nada sabemos, diz êle. De sessenta pra cá, produziu-se muito neste âmbito. Permanece, porém, a descoberta de que, no dizer de Barthes, tanto a imagem como a palavra, são formas de dizer de imediato alguma coisa. Nada posso fazer, sou obrigada a ir ao sentido, pelo menos a um sentido que se impõe diante de dada realidade.

As fotografias de Claude Santos falam. Dizem da condição humana,
da solidão, da leveza, da beleza, da poesia e de tantas outras dimensões humanas. Como beleza se mostra, não se diz, adverte-nos Barthes, Claude nos apresenta a seguir, imagens dos audiovisuais comentados no texto anterior.
Nesta sequência, uma das imagens encontradas em Luzes, Cinco Retratos Esquecidos, Canudos e Noiva. Assim contemplando, respiramos melhor, bebemos o que Baudelaire chamava de ambrosia vegetal ( Cf. Roland Barthes, 1977).








segunda-feira, 4 de maio de 2009

Mostra Claude Santos













Claude Santos, fazedor de imagens(1)

As várias dimensões do artista, fotógrafo, ensaísta, diretor de fotografia, estudioso e pesquisador da iconografia histórica, espelham-se no conjunto de trabalhos que encontramos com certa dificuldade de garimpagem. Claude ainda não se submeteu aos padrões consumistas da sociedade do espetáculo, encontrar seus trabalhos reunidos para perceber trajetórias e a amplidão do seu universo requer convívio e observação do seu ofício, cercado de mistérios e vivências originais e reservadas. Portanto, trata-se, de apenas e somente apenas, buscar comentar uma destas dimensões, a que se expõe na Mostra Audiovisual Claude Santos, uma das faces do seu produtivo trabalho de excelência (2).

Nos seus ensaios, ainda a serem devidamente divulgados, percebemos a influência de Alfredo Vila-Flor, seu pai. Aos dez anos de idade, em companhia do pai, visita pela primeira vez Canudos participando do início do mapeamento e registros das imagens que constituirão base de muitos projetos audiovisuais que fundamentam suas investigações e estudos sobre a Guerra de Canudos. Em 1991, participa do Guia visual do cenário da Guerra de Canudos (1986/1997). Em 1993, percorre o interior cearense, colhendo dados sobre a vida de Antonio Vicente Maciel, o Conselheiro. Desta iniciativa resulta o ensaio As andanças de Antonio, divulgado em circuitos restritos e distantes da parafernália midiática (3).


Recentemente, em janeiro de 2009, a Sala Walter da Silveira, divulga a Mostra Audiovisual Claude Santos. Nesta Mostra, para quem teve a sorte de assistir, percebeu-se uma filmografia densa que inclui realizações nas áreas da cultura, arte, literatura e história. Com um trabalho marcado pela observação da condição humana e valorização da memória, a Mostra ofereceu um rico painel do ponto de vista da perspectiva histórica de áreas expressivas da vida da cidade e de incursões sobre a solidão humana e a arte poética (4). Vinte poemas audiovisuais, se é que podemos denominar a trilha que percorre o artista, compuseram a mostra.

Difícil escolher os mais importantes. Todos os audiovisuais são marcados por um caminho de singeleza, síntese e leveza que dão conta de temas exigentes e que requer uma construção poética que denuncia a participação do autor no seu fazer. De Visões (1982), uma mostra da solidão humana no antigo Hospital Psiquiátrico Juliano Moreira, ao mais recente, A Gravura na Bahia (2008) um histórico editado em parceria com o artista Juarez Paraíso, os audiovisuais vão tecendo um conjunto de informações sobre as várias faces dos seres humanos, em seus mundos possíveis.

Em fins de oitenta, apresenta uma incursão sobre a epopéia sertaneja, Canudos(1986) um tema permanente e recorrente na sua trajetória, eivado de laços com os fragmentos da religiosidade sertaneja, expressos no audiovisual sobre a (1999). A documentação histórica se mostra, com mais intensidade, na investigação do processo de colonização do Recôncavo, explorando as ruínas da região, em Testemunhas Silenciosas, Ruínas do Recôncavo (1999), que se expande em seguida, em Ventos (2000) abrangendo a Baía de Todos os Santos através dos relatos de viajantes, no século XVI ao XIX. Percebe-se o itinerário de construção pela consulta sistemática a arquivos e documentos iconográficos, ferramentas básicas do ofício historiografico. A paixão de Leonídia Fraga pelo Poeta Castro Alves, também, não foi esquecida. Em A Noiva (2001), Claude nos traz sua imaginação afetiva deste encontro, no tempo. Em 2003, o documentário sobre o Teatro na Bahia, apresenta depoimentos de estudiosos e protagonistas que participaram da vida cultural e das artes nesta cidade.

A abordagem da vida de Nossa Senhora (2005) através das pinturas da Catedral Basílica de Salvador revela perspectivas histórico-religiosas que acompanha seus trabalhos, marcados pela consulta aos arquivos e fontes iconográficas. Mas, é em Cinco Retratos Esquecidos (2005), retratos sobre a solidão, que a temática da condição humana ganha figurações poéticas extremas.

A vida de personagens na ambiência histórica, literária e cultural em Salvador, será trazida, freqüentemente, para seus poemas audiovisuais. Carybé (2006) em sua obra de pintor; Calasans Neto, o Príncipe de Itapuã (2006) mostrando a Bahia na sua obra de pintor e gravador; O sertão de José Calasans (2006) uma homenagem ao grande estudioso da Guerra de Canudos, são poemas que Claude Santos oferece dos seus retratados. Nesta linha, podemos incluir Moinhos de Vento (2006) um audiovisual sobre a construção poética de Mário Quintana.

Mais recentemente, Diário de um bêbado (2007) traz uma noite no bar Colon. Mais conhecido, porém, e exibido em salas alternativas do circuito de arte, Agnaldo Siri, Fazedor de Cinema (2007) representa uma síntese audiovisual da obra do documentarista. Este documentário foi exibido em outros circuitos e eventos relacionados à jornada de cinema, em Salvador.

Em 2008, os audiovisuais produzidos colocam temáticas distintas a partir de uma perspectiva histórica, expressando cada vez mais o domínio da linguagem poética na construção de diferentes realidades. Encontra-se nesta linha, Lençóis (2008) um breve histórico sobre a saga do diamante na Chapada Diamantina; Mosteiro de São Bento (2008) Introdução histórica à Ordem Beneditina na Bahia e a Gravura na Bahia (2008) histórico editado em parceria com o artista Juarez Paraíso.

Finalizo essas breves linhas sobre um intenso trabalho em construção. Cada vez que encontro Claude me surpreendo com a sua disposição em falar-me do Curso de Fotografia que realiza semestralmente em seu estúdio, das imagens que produz nas suas inúmeras viagens, dos seus inúmeros projetos de audiovisuais. Nestas imagens, a peculiaridade de um pião que se movimenta num eixo infinito (5).


Notas:
(1)A imagem e o texto ao lado que ilustra este post encontra-se no audiovisual O Sertão de José Calasans(2006) de Claude Santos. Em nota de roda pé, trecho da palestra de José Calasans durante o recebimento do Título de Cidadão da Cidade de Euclides da Cunha, em 12 de junho de 1998.
Não sei se as pessoas refletem bem sobre o primeiro contacto com certas palavras. Ainda menino, na minha Cidade de Aracajú, ouvi de uma senhora de Itabaiana, versos de Tobias Barreto. Eram estes:
Não sabes como são tristes
Os olhos de quem não chora
E como teu rosto descora
Ao calor deste sertão.
Foi, sem dúvida alguma, a primeira vez que ouvi a palavra Sertão
.

(2) Em primeiro levantamento inicial e provisório, elencamos os seguintes audiovisuais, a serem complementados, posteriormente: Visões (BRA, 1982); Canudos (BRA, 1987); Luzes, (BRA, 1990); Quintanares (BRA, 1993); Testemunhas Silenciosas, Ruínas do Recôncavo (BRA, 1999); (Bra, 1999); Ventos, a Bahia dos Viajantes (BRA, 2000); A noiva, 2001; Teatro na Bahia (BRA, 2003); Cinco Retratos Esquecidos (BRA, 2005); Nossa Senhora (BRA, 2005); O Sertão de José Calasans (BRA, 2006); Calasans Neto, Príncipe de Itapuã (BRA, 2006); Carybé (BRA, 2006); Moinhos de vento, 2006; Diário de um bêbado (BRA, 2007); Agnaldo Siri, Fazedor de Cinema, 2007; Lençóis (BRA, 2008); Mosteiro de São Bento (BRA, 2008); Desaparecidos (BRA, 2008); A Gravura na Bahia (BRA, 2008); Rascunhos de Joanna Imaginária, s/d.

(3) Para maiores informações, acessar http://editora.globo.com/epoca/edic/237/ContatoClaudeSantos.pdf

(4) A Mostra Audiovisual Claude Santos realizou-se no período de 9 a 16 de janeiro de 2009. O folder do evento, distribuído quando da sua realização, traz uma síntese de cada audiovisual e imagem da obra.

(5) Sobre o Curso de Fotografia e Linguagem Audiovisual, conferir claudesantos@hotmail.com