quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Fim de Ano: 2008






















Com a aproximação do fim do ano e as inúmeras celebrações, nas diferentes redes de comunicação, deixo este espaço para retornar no próximo ano, com fé em Deus e Oxalá.

Antes, porém, queria enviar um agradecimento especial a todos(as) que passaram por este Blog e deixaram seus comentários, críticas e opiniões e, também, os que preferiram se comunicar por e-mails e telefonemas, suas mensagens foram bem-vindas.

Para a rede familiar, a de bem perto, um abraço forte para Flávia, Chad, Telma, Ananda, Yog, Mary, Pedro, Kátia, Analu, Adélia, Zuleide, Roberta, Zazo. E, para Clarice Nunes que me enviou um lindo cartão, dizer, será que um dia você vai ler essas blo(g)blagens?

Guardo todos vocês do lado esquerdo do peito. Esqueçi não, faltou Y. Aygut, Hayat!
Stela B. de Almeida

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Convite






















É com imenso prazer que divulgo o convite recebido para assistir à inauguração do Espaço Unibanco de Cinema Glauber Rocha.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

De Münsterberg a Emigholz: uma iniciação.











Série da obra de Heinz Emigholz. A intenção da série parece ser a de propor uma experiência perceptual, de conhecimento.



Nunca tinha ouvido falar em Hugo Münsterberg. Consultando a estante de livros de cinema na Biblioteca da Universidade Federal da Bahia, há pouco tempo atrás, localizei a antologia A experiência do cinema, organizada por Ismail Xavier. Folheando numa leitura diagonal, achei que esta antologia deveria compor a pilha de livros em consulta que, pacientemente, tenho tentado percorrer, ainda que saiba uma missão ad eternum (1)

Todos os outros autores citados, Béla Balázs, Maurice Merleau-Ponty, André Bazin, Edgar Morin, Serguéi Eisntein e outros, indicados no índice desta antologia publicada em 1983, fazem parte do repertório que aos poucos tento construir sobre cinema. Estes autores embora consultados, não eram trazidos como primazia num objeto de estudo mais recentemente focado, ou seja, na compreensão da linguagem cinematográfica em suas dimensões sintática e semântica.

Considerado pioneiro, Hugo Münsterberg, psicólogo alemão, professor da Universidade de Harvard, escreveu Photoplay: a psychological study, que segundo I.Xavier, antecipa idéias que iremos encontrar em Rudolf Arnheim (em O cinema como Arte), idéias relativas à psicologia do “fotodrama” e dos princípios gerais de sua estética. Estudo que examina as ilusões de profundidade e movimento contínuo criadas a partir de projeções descontínuas de fotografias estáticas. A aparência de profundidade é aceita pelo espectador que se envolve no “como se” da ficção, mostrando que o espectador não é um elemento passivo, é alguém que usa de suas faculdades mentais para participar ativamente do jogo, preenchendo as lacunas do objeto com investimentos intelectuais e emocionais.

Diz Xavier, expandido as idéias de Münsterberg, o espectador é alguém que usa de suas faculdades mentais para participar ativamente do jogo. Esta concepção estética confere portanto uma posição privilegiada pois o mundo exterior se reveste de formas da consciência. Mais ainda, o cinema supera as formas do mundo exterior e ajusta os eventos às formas do mundo interior numa exaltação da “vitória da mente sobre a matéria”. Neste mundo interior, a atenção, a memória, a imaginação e a emoção ganham relevo especial.

As bases que fundamentam esses princípios são encontradas em Kant, também trazidas por J. Dudley Andrew em As principais teorias do cinema, este, outro livrinho que se encontra na pilha a que me referia anteriormente (2). Interessante verificar como este pioneiro que pensou o cinema indica um ponto de partida para verificarmos em que medida as relações entre a organização das imagens e o movimento da subjetividade operam. Se este princípio mantém-se ativo, ainda hoje, a despeito de uma revolução tecnológica que opera na engrenagem fílmica, é possível perceber a multiplicidade de transformações da subjetividade sob o predomínio das imagens. Ou não? Estou me referindo a uma série de filmes que tive oportunidade de assistir nos Seminários On Line, principalmente os de Heinz Emigholz (3).


Notas:
1. Há vários volumes para consulta. Cf. A experiência do cinema: antologia/Ismail Xavier org. Rio de Janeiro: Edições Graal: Embrafilmes, 1983.
2. Este livrinho trouxe-me de presente, J. Dudley Andrew. As principais teorias do cinema: uma introdução. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2002.
3. As aulas dos Seminários On Line foram reproduzidas e consultadas em 2007/2008. A aula que me refiro, especificamente, intitulada A Região Central de Movimento. Heinz Emigholz e a Imagem-Percepção fizeram parte do quinto seminário.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Sobre filmes, livros e pureza.

Neste fim de semana que passou dois episódios fizeram-me pensar mais sobre cinema. Assisti Ensaios Sobre a Cegueira e adquiri o livro de José Saramago. Além disso, tive o prazer de perceber, mais uma vez, que buscar sempre um diálogo com o Jorge Coli que nos brinda com sua coluna todo domingo, nos aproxima cada vez mais da crítica que nos adverte da miopia branca. Segue a transcrição do seu texto: Monstros da Pureza.


JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA


Oswaldo Martins, especialista em literatura erótica, é também poeta. Um ou outro de seus poemas, em livros e no blog http://osmarti.blogspot.com, contém palavras mais fortes. Alguns elaboram desejos físicos de maneira delicada e sem evidência imediata. O blog é inteligente, carregado de amor pela literatura; os poemas são bons. Essas qualidades bastaram para que a Escola Parque [no Rio], em que Oswaldo Martins lecionava português, o demitisse, como contou, no domingo passado, o Mais!. A miopia moralista da escola, dos pais, de "psicólogos e juristas" evocados no texto, miopia que desencadeou o caso, assusta pelo "obscurantismo e a certeza dos censores", na expressão do próprio professor despedido. Censura e obscurantismo, no caso, não são singulares e episódicos. Eles se inserem na mentalidade de nossos tempos regressivos, marcados por puritanismos, por fundamentalismos religiosos, pelo maniqueísmo das convicções, pelo gosto doentio em patrulhar, controlar, vigiar e punir. É bem difícil lutar contra tudo isso porque essas manifestações se fazem com parcimônia, gota a gota, disfarçadas, em nome de álibis austeros. Aqui, trata-se de proteger as crianças, que, como todos sabem, são anjinhos imateriais, feitos de etérea e cândida substância, não de carne e osso. Mas quem os protegerá, e a nós todos, do mal que existe na cabeça desses educadores, desses pais, desses psicólogos e juristas, que nunca disseram um palavrão, que estão incólumes de pulsões pecaminosas, e que, senhores da moral, transformaram-se em juízes? Quem nos protegerá dos puros?

Travessuras
Exposição toda carregada de energia, humana e sexual. Seu título é um trocadilho de tom frívolo e bem achado: "Diário de Bolsa". Está na Pinacoteca do Estado de São Paulo e reúne fotografias de Vania Toledo. A maioria é dos anos 1970, até os primeiros 1980. Há nelas uma grande atração pelas festas delirantes, pela noite agitada, pelo mundo gay, por celebridades na moda, que vão de Warhol a Ângela Maria. Todos surgem surpresos em situações inesperadas, incongruentes. São instantâneos que se dilatam no espírito de uma época. A forma das fotografias se submete a algo maior: expandir uma vitalidade nada contemplativa. Nas situações mais ambíguas ou escabrosas, nenhum sentimento de deliqüescência, nenhum voyeurismo sórdido, mas a felicidade de ser, de ter existido ali, naquele momento. O passado volta, não como vestígio em documento antigo: ele dá lições de prazer sem culpa.

Morno
Na galeria Vermelho, em São Paulo, uma exposição intitulada "É Claro Que Você Sabe do Que Estou Falando?". A apresentação explica seu ponto de partida: "Onde está o sexo, mais do que a sexualidade, na produção de uma nova geração de artistas brasileiros?". A mostra não permite descobrir. Se aquilo é sexo, algodão-doce é mais gostoso.

Fagulha
Miniconto extraído do recente "Ruídos Urbanos", de Moacyr Godoy Moreira, pela Ateliê Editorial, com ilustrações de Enio Squeff: "Vivi meses por conta de maria. Do trabalho rotineiro e de maria. Chegava e já ligava para ela, recebia ordens, ia visitá-la, jantava -raramente ia ao cinema ou ao teatro. Uma pessoa difícil. Suave e carinhosa por vezes, cruel e sanguinária por outras. Os versos de Carlos a ribombar: "A chuva me irritava. Até que um dia, descobri que maria é que chovia". Sento-me defronte à calçada, aguardo amigos que chegarão. Há tempos não chegava ninguém. E maria respinga, mas não chove mais."

jorgecoli@uol.com.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

ALMODÓVAR: Impressões




















O livro de trezentas páginas de conversas com Pedro Almodóvar, colhidas por Frederic Strauss e reunidas neste volume, proporcionaram-me maior aproximação com a obra do conhecido e admirado cineasta, ainda que as cenas de seus filmes se intercalassem à sua fala escrita, como numa complementação somatória e necessária à contemplação. A fala de Almodóvar me emocionou em diversas passagens da entrevista (1).

Utilizando como critério chave o período em que foram produzidos, o ex-redator e chefe adjunto da revista Cahiers Du Cinema, dialoga com Almodóvar provocando rememorações da sua filmografia e das condições em que foram produzidas, detendo-se no seu processo criativo e inspirador.

Parece que Almodóvar impregnou-se das marcas fortes de uma cultura edificada por uma família madrilena sem ostentações na qual se imprimiu um perfil inquieto e inventivo do realizador de cinema. Há uma referência sempre evidente ao papel preponderante dos traços matriarcais, a figura da mãe está sempre presente na sua obra, ainda que se faça prevalecer a colaboração de um irmão fraterno e empreendedor, Agustín. Curiosamente, as duas irmãs aparecem num comentário rápido ao final do livro.

Sabemos todos que assistem e gostam de cinema, principalmente dedicados à filmografia de Pedro Almodóvar, que não basta rememorar temáticas e cenas dos seus filmes, é preciso deter-se nos cenários, na dramaturgia, na iluminação, nas cores, na construção dos personagens, na montagem das seqüencias, nas elipses criadas, na diversidade de planos. A fala de Almodóvar sobre seus filmes ganha mais expressão podendo-se rever seus filmes. Pela palavra, não ultrapassamos a força das imagens nem do poderoso melodrama kitsch em imagens.

A seqüencia de sua produção demonstra o labor e empenho de um autor que tem privilegiado as personagens femininas. Em 1980 foram realizados oito filmes longa metragem, quase que um por ano. Pepi, Luci, Bom e outras garotas de montão (Pepi, Luci, Bom y otras chicas del montón, 1980), Labirinto de Paixões (Laberinto de pasiones, 1982), Maus hábitos (Entre tinieblas, 1983), Que fiz eu para merecer isto? (Que He hecho yo para mercer esto, 1984), Matador (Matador, 1985-86), A lei do desejo (La ley Del deso, 1986), Mulheres à beira de um ataque de nervos (Mujeres AL borde de um ataque de nervios, 1987), Ata-me! (Ataque!, 1989).

Em 1990, De salto alto (Tacones lejanos, 1991), Kika (Kika, 1993), A flor do meu segredo ) La Flor de mi secreto, 1995), Carne trêmula ( Carne trêmula, 1997), Tudo sobre minha mãe ( Todo sobre mi madre, 1999).
Fale com ela ( Hable com Ella, 2002), Má educação ( La mala educación, 2004) e Volver ( Volver, 2006), completam sua recente saga de uma produção contínua e reconhecida internacionalmente.

Vários caminhos se fazem para investigação da sua obra. Nas academias universitárias, centros de estudos, instituições de ensino e pesquisa, multiplicam-se as monografias, dissertações e teses que se aventuram nas análises fílmicas buscando compreender e interpretar suas mensagens, o significado da sua obra cinematográfica e da sua linguagem. Ainda não mapeei esta literatura, embora considere esse patamar de pesquisa, prefiro aproximar-me afetivamente da sua filmografia valorizando os aspectos subjetivos e relacionados ao plano da emoção e dos sentimentos que as imagens suscitam.

Na mídia eletrônica e nos mais diversos meios de comunicação de massa, atropelam-se os comentários breves e superficiais sobre os significados dos filmes e da obra de Almodóvar, com raras e honrosas exceções. Do que tive oportunidade de conhecer, falta descobrir uma leitura que revele os segredos da sensibilidade madrilena e suas marcas na inspiração e criatividade voraz.
E para terminar, as palavras do Almodóvar:

Minha sensibilidade está inteiramente no filme (Tudo sobre minha mãe), que nesse sentido é tão autobiográfico como um filme sobre um cineasta de La Mancha que acaba de ganhar um Oscar. Além disso, Tudo sobre minha mãe fala de como me tornei cineasta. Quero acreditar que minha educação como espectador se deu com filmes adaptados das obras de Tennessee Williams, especialmente Um bonde chamado desejo. O desejo é o nome de nossa produtora, é a palavra chave do título de um de meus filmes e está também, presente em todos os outros (...).

Notas: Pedro Caballero Almodóvar nasceu em 1950 na província de Mancha em Madri. Em 1970 já em Madri trabalhava numa agência de correios e telégrafos e montava com seu irmão, Agustín, uma máquina de produzir seus filmes, El Desejo. Nesta, dispõe-se hoje de mais de vinte películas. Cf. Conversas com Almodóvar/ Frederic Strauss. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2008.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Linguagem Cinematográfica e Almodóvar























A bibliografia apresentada para construir a obra A Linguagem Cinematográfica de Marcel Martin está datada (1).
Centra-se, principalmente, na produção francesa dos anos 50 estendendo-se até 60, basicamente, trazendo referências fundamentais. Dizendo, numa linguagem mais livre, esta obra bebe na fonte de nomes consagrados e, talvez, pouco consultados e pesquisados pelos modernos realizadores cinematográficos. Nesta vamos encontrar a leitura de Serguei Eisenstein (1898-1948) em três trabalhos, sendo dois publicados em Londres e um em Moscou. Esta última versão, na tradução em espanhol, foi objeto de consulta neste blog anteriormente (cf. texto de 19 de outubro de 2007). Referências básicas, também, são os trabalhos de André Bazin, Rudolf Arnheim, René Clair, Edgard Morin, Georges Sadoul e muitos e muitos outros pensadores, artistas e estudiosos voltados para incursões no mundo das artes (2).

Esclarece os editores que a primeira vez que foi editada, em 1955, obteve êxito e esgotou-se rapidamente, com traduções em espanhol, japonês, russas e portuguesas. Devo dizer que este livro editado na década que nasci, só recentemente tive a curiosidade de me deter com mais vagar, uma vez que indicado nas Oficinas de Cinema sob a coordenação de André Setaro. Nesta incursão pela obra, apreendendo os caracteres fundamentais da imagem fílmica e da imagem como elemento básico da linguagem cinematográfica, a matéria prima fílmica, cuja gênese é produto da atividade automática de um aparelho técnico capaz de reproduzir a realidade, diversas questões começam a se impor. De que realidade o autor está falando? É possível apreender a realidade? Sabemos, pela herança das ciências sociais, que realidade é um conceito complexo e intangível. Porém, Martin, refere-se à “realidade material, com valor figurativo”, cuja objetividade reprodutora é indiscutível. A imagem fílmica resultante do registro que a câmara obtém da realidade, em que “a imagem fílmica suscita no espectador um sentimento de realidade muito forte em determinados casos para provocar a crença na existência objetiva do que aparece na tela” (p.18).

Mas ainda, afirma Martin, o cinema dá-nos da realidade uma percepção subjetiva do mundo, uma imagem artística em que o realizador pretende exprimir sensorial ou intelectualmente, utilizando-se da câmara, um aparelho de registro do chamado “real”. Portanto, a realidade estética tem um valor afetivo, é resultante da intervenção e realização de operações de escolhas onde preponderam as subjetividades, no caso, as escolhas/seleções para a realização das imagens. A realidade intelectual tem, mais ainda, um valor significativo. A captação da chamada realidade pela câmara não garante, por si só, a aproximação do real, é preciso buscar os sentidos dos fatos, dos acontecimentos. Os sentidos precisam ser desvendados uma vez que a imagem pode estar carregada de ambigüidades, de falseamentos.

Fala ainda Martin de uma atitude estética. Se a imagem reproduz o real, também afeta os sentimentos, também detém uma significação. Em Eisenstein, a imagem nos conduz ao sentimento e à idéia. Assim, a imagem é percebida como uma realidade estética e o cinema é a representação desta estética.
Iniciamos a leitura desta obra. Fiquemos nas primeiras características fundamentais da imagem fílmica. Devo dizer que bastaria estas trinta páginas iniciais para tentar desvendar uma série de perguntas complexas e que requerem cuidados. Mas não vou ousar fazer isso, aliás, não é prudente para uma iniciante que quer conhecer a linguagem cinematográfica, do ponto de vista dos seus fundadores, adentrar-se pelo que não sabe.

Recentemente revi Fale com Ela (Hable com Ella, Espanha, 2002) de Pedro Almodóvar. A Zahar acaba de lançar livro sobre Almodóvar, a Revista Bravo dedicou um número sobre sua filmografia, tempos atrás. Qual a linguagem cinematográfica expressa por este bruxo?
Respondendo a Frederic Strauss sobre as motivações de seus filmes na primeira fase de vida, ele comenta (3).

Não lia literatura espanhola; comecei aos vinte anos, e ela me apaixonou, sobretudo, os realistas do fim do século XIX. No liceu, mal nos falavam de Rimbaud ou de Genet, mas compreendi que ali havia algo que me interessava e comecei a lê-los, bem como certos poetas malditos. A partir desse momento minha relação com a literatura tornou-se apaixonante, sobretudo através dos autores franceses. Quando cheguei a Madri, em 1968, no momento em que a literatura sul-americana explodia pelo mundo todo, eu lia compulsivamente (...)

Perguntado sobre o gênero do filme Labirinto de Paixões (Laberinto de Pasiones, Espanha, 1982), responde:
(...) marcou todo o meu trabalho o mais radical ecletismo. Isso para mim não é uma atitude intelectual, ainda que esteja convencido de que o ecletismo é um estilo bem “final de século” de contar histórias, porque em períodos como o que vivemos hoje as pessoas voltam-se facilmente para o passado, cada um faz sua própria seleção de histórias desse século e junta, misturando-as, as histórias que lhe agradam. Hoje o ecletismo está presente nas criações musicais, literárias e na moda. Estamos no final do século, e nossa tendência é sobretudo, fazer balanços, não é o momento para se criar novos gêneros, mas para se refletir sobre o que já aconteceu e, e em que todos os estilos são possíveis. Parece-me haver uma coincidência entre esse movimento e o ecletismo dos meus filmes, que é natural e visceral. Isso se deve, sem dúvida, ao fato de eu não ter tido uma educação clássica, de não ter aprendido cinema na escola, de ter demonstrado uma certa indisciplina e de sempre ter mantido minha liberdade. Não que isso tenha um espírito mais original, mas, em todo caso, é um espírito menos ortodoxo.

A filmografia almodovariana, eivada de ecletismo como ele próprio reconhece, não deixa de ter por herança, se não os clássicos no sentido acadêmico tradicional, mas uma linguagem fílmica em que as subjetividades ganham relevo para expressar suas idéias e emoções sobre o mundo e suas relações. Indisciplinado por natureza, expressivo na sua assumida homossexualidade, Almodóvar nos mostra um estilo criativo e singular. Sua linguagem cinematográfica recusa-se a ortodoxia, porém, não podemos negar, fundamenta-se numa base cujos princípios foram pensados e inventados pelos primeiros a que nos referíamos no início desta conversa.


Notas:
1. Conferir a edição de 1955, Biblioteca Central da Universidade Federal da Bahia.
2. Cf. Marcel Martin. A Linguagem Cinematográfica. Lisboa, 1971
3. Dentre a vasta literatura que comenta a filmografia de Pedro Almodóvar, foi lançado recentemente, de Frédéric Strauss, Conversas com Almodóvar. Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro, 2008.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Brevíssimo Comentário.















Encontra-se na mesa de trabalho livros sobre cinema.
Divido o tempo entre leituras sistemáticas e consulta às filmografias referenciadas. Dedicação e capacidade para observar diferentes dimensões desta poderosa linguagem, um excelente desafio.

A parte primeira da consulta refere-se a tradição formativa, onde inclui-se o legado deixado por Hugo Munsterberg, Rudolf Arnheim, Sergei Eisenstein, Béla Balázs. Na segunda parte encontro menção à teoria realista do cinema, em Siegfried Kracauer e André Bazin. A Linguagem Cinematográfica, de Marcel Martin, primeira edição datada de 1955, busca trazer as características fundamentais da imagem fílmica, seus elementos básicos, a montagem, os movimentos de câmara, o espaço, o tempo, entre outros.
Por que voltar-se para a teoria do cinema?
Uma das resposta que encontramos, além do prazer do conhecimento, encontra-se na compreensão do funcionamento desta arte, compreender sua linguagem, perceber seus métodos, suas técnicas, suas diferentes formas e modelos, suas formas de inserção no social.
Qual a natureza do filme? Qual a sua relação com a realidade? Como a fotografia e o som se relacionam? O que destingue o cinema das demais artes? Entre outras, estas parecem ser as inquietações dos autores escolhidos, dentre os diversos títulos encontrados para manter o diálogo e para perceber o valor da tradição no enfrentamento do moderno, o cinema hoje parece ter perdido esta memória.


Notas:
1. Andrew, J. Dudley. As principais teorias do cinema: uma introdução. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2002.
2. Martin, Marcel. A linguagem cinematográfica. Prelo Editora, Lisboa, 1971.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

PARSIFAL























Tenho estado ausente desta página por motivos exclusivamente temporários e contrários ao meu desejo. Para não deixar de atender aos poucos porém constantes que por aqui marcam sua passagem e me perguntam se vou voltar, incluo hoje o texto divulgado no Caderno Mais de 24 de agosto de 2008, em Ponto de Fuga.
Como finalizei comentando, ainda que precariamente, sobre a trilogia de Hans-Jürgen Syberberg, Hitler, um filme da Alemanha (Hitler, Ein Film Aus Deutschland, 1977) na postagem anterior, quis trazer o texto que comenta Parsifal, a última obra de Wagner. Muito obrigada Professor!

JORGE COLI
O s cavaleiros do Graal são castos, isto é, não podem transar, salvo em certas exceções obscuras não explicadas no libreto da ópera.
Estão em declínio porque Amfortas, seu rei, cedeu às tentações da carne e ficou marcado por uma ferida sem cura. Não consegue mais presidir ao ritual que expõe a taça sagrada, o Graal, onde permanece o sangue de Cristo, porque suas dores atrozes aumentam durante a cerimônia.
Surge um novo líder, Parsifal, o "puro louco", que resistiu às seduções de umas moças muito desenvoltas. Elas são as agentes de Klingsor, ex-cavaleiro que se castrara a si próprio buscando, assim, eliminar seus desejos libidinosos.
Klingsor ignorava, porém, que castração não valia como controle dos apetites. Expulso da comunidade dos bons, assume o papel do supervilão, cria um paraíso de mulheres-flores, especialistas em desviar gente boa para o mau caminho.
No final, purificado, Parsifal assume o ritual do cálice sagrado que iluminará para sempre a humanidade.
"Parsifal", a última obra de Wagner, data de 1882. O compositor havia construído, em Bayreuth, na Alemanha, um grande teatro com características peculiares. Determinou que "Parsifal" fosse unicamente representada ali, o que aconteceu até 1913, quando os direitos autorais caducaram.

Drácula
"Parsifal" foi a ópera preferida de Hitler, que devia se imaginar como o redentor de uma Alemanha em decadência. Himmler construiu para os SS, a polícia militarizada dos nazistas, o castelo de Wewelsburg, morada sagrada em que seus agentes se tomavam por modernos cavaleiros do Graal. A sala de reuniões foi desenhada a partir dos cenários do primeiro "Parsifal" em Bayreuth.

Novelo
"Parsifal" não apenas gravita em torno de obsessões universais, como o desejo, a culpa, a regeneração, o sofrimento, o poder, o masculino e o feminino. Enleou-se de maneira inextricável com a história alemã. O jovem diretor de cena norueguês Stefan Herheim criou a nova e estupenda produção de "Parsifal" para o festival Wagner de Bayreuth. Como também é músico, atenta para cada sugestão da partitura. Retoma, com meios modernos, a tradição teatral wagneriana, fascinada pelas mágicas metamorfoses no palco.
Começa dentro da casa de Wagner, que existe até hoje: a casa se transforma em jardim, o jardim em floresta, a floresta em templo. Uma cama, lugar de nascimento, de morte e de prazer, forma o ponto nodal, em que personagens aparecem e somem. Estandartes nazistas se desenrolam com suas suásticas; eles assustam, expondo o que se buscou esquecer: o passado tremendo daquela ópera e daquele teatro que se enfeitava para receber o ditador.
No final, quando tudo está em ruínas, Parsifal se despe de sua armadura que o assemelha à figura emblemática da Germânia; enormes espelhos tremulantes refletem os espectadores no fundo do palco que incorporam a cena. A pomba do Espírito Santo se muda em signo de paz universal. Herheim, apoiado na regência lenta e expressiva de Daniele Gatti e em ótimos intérpretes, trouxe a História para o palco.
As cinco horas, ou quase, de "Parsifal" passaram como se fossem cinco minutos.

Assombro
Titurel, papel breve, mas nevrálgico, em "Parsifal", é interpretado com grande nobreza por Diógenes Randes: 32 anos, um sólido contrato com a ópera de Hamburgo, voz de baixo, ampla, poderosa, timbrada. É o primeiro brasileiro a cantar no mítico teatro de Bayreuth. jorgecoli@uol.com.br

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Estudos Culturais, Racismos e Cinema






















Estas breves anotações realizadas durante o Curso Crítica da Cultura/Estudos Culturais do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade/Facom-Ufba, sob a coordenação da Profa. Dra. Eneida Leal Cunha, tem o objetivo de colocar algumas inquietações dando continuidade ao debate e refletir pontos de vista e incursões ainda em elaboração, própria de quem deseja aproximar-se de um campo de estudo tenso, não hegemônico e, portanto, desafiante.

É conhecido de que a questão multicultural, termo utilizado universalmente e que se expandiu de forma oscilante e repleta de significados, requer inúmeros cuidados ao ser utilizado e requer uma crítica que possibilite a desconstrução do termo-chave (Hall, S. 2003). Não temos intenção de repetir as inúmeras críticas e advertências que os pais criadores dos Estudos Culturais já fizeram, com propriedade, apontando os inúmeros conflitos e disputas internas neste território, tendendo a diluí-los e confrontá-los noutros discursos que insistem em manter sua prevalência e autonomia (Hall, S. 2003). Neste debate, queremos enfatizar a necessidade de uma armação teórica para desmontar e operar sobre o conhecimento, mostrar como se estruturam as hierarquias de poder, evidenciar e desmontar os diferentes discursos e seus processos de manutenção de dominação e hegemonia, marcando os espaços relevantes e de indispensabilidade da teoria, leia-se práxis, buscando fazer prevalecer uma teoria que produza efeitos no real (Bhabha, H. 1998).

Operando nesta direção, em 1975-76, durante o Curso no Collège de France, Michel Foucault apresenta uma brilhante aula sobre a teoria clássica da soberania que serve de quadro para as análises não só da guerra, mais particularmente, da guerra das raças. Mostra como durante todo o século XVIII o tema raça vai ser retomado e ressignificado, como algo diferente do racismo de Estado, em tempos modernos. O tema do poder teorizado por Foucault nos oferece base para compreensão dos diferentes mecanismos de aparecimento, distinção, hierarquização e qualificação das raças consideradas “puras” e “superiores” em contraposição às” impuras” e “inferiores”, nos permitindo pensar a questão do racismo nas distintas sociedades modernas. A construção da racialidade e o papel estruturante do racismo nas sociedades modernas encontra nesta análise alguns elementos chaves para compreensão de um tema recorrente nos Estudos Culturais (Foucault, M. 1999). Falamos do debate da etnicidade e racialidade em contextos multiculturais internacionais e nacionais e como se apresentam nas sociedades modernas.

O racismo, condição indispensável e vital para exercer o direito da vida e da morte dos súditos pelo efeito da vontade soberana, segundo a teoria clássica de soberania vigente no século XIX, baseava-se na relação do tipo biológico “quanto mais às espécies inferiores tenderem a desaparecer, quanto mais os indivíduos anormais forem eliminados, menos degenerados”, a morte do outro, a morte da raça ruim, da raça inferior, do degenerado, do anormal, constituiu-se em discurso vital para a defesa da vida mais sadia e pura nas esferas políticas que se desenvolveram em grande parte nos séculos XVIII e XIX. Problemas da produção, da natalidade, da morbidade, de vida, acentuadas no início do século XX vão requerer a introdução de mecanismos mais racionais e seguros instalando uma nova tecnologia de poder, o biopoder, diz Foucault. Essa biopolítica ao se instalar, estabelece mecanismos de regulações globais que se exercem através de uma série de instituições, aparelhos de disciplina e de Estado. Neste quadro, o racismo nas sociedades modernas que funciona
e se desenvolve baseado no biopoder, apresenta características mais profundas do que uma velha tradição e uma nova ideologia, não está ligado apenas às mentalidades, vincula-se, especificamente, à técnica do poder. Para Foucault, os Estados considerados assassinos são os mais racistas, ver, por exemplo, a destruição das outras raças como uma das faces do nazismo que generalizou o biopoder e o direito soberano de matar. A sustentação do discurso racista nesta perspectiva, ganha modalidades diferentes a depender de conjunturas históricas e diversidades de arranjos sociais e culturais apresentados pelas sociedades modernas.

Os discursos colonialistas como aparatos de poder tem-se constituído pontos da agenda de estudos de conhecidos e interessados professores/pesquisadores dos Estudos Culturais, nas suas diferentes modalidades e interesses. São conhecidas as incursões em profundidade dos estudos de Eduard Said examinando os discursos europeus que constituem “o Oriente” como uma zona do mundo unificada em termos raciais, geográficos, políticos e culturais. Embora se considere o pioneirismo e originalidade desta teoria, a articulação da questão do desejo e do poder, tomando a leitura do estereótipo em termos de fetichismo, amplia-se e avança nas análises empreendidas por Homi Bhabha, ao analisar a questão dos estereótipos e do racismo. Nestas, são demonstradas que o estereótipo, a discriminação e o discurso do colonialismo são estratégias discursivas e psíquicas que precisam ser mais mapeadas em suas funções e modos de representações complexos (Bhabha, H. 1998).

O exame dos discursos racistas em diferentes narrativas tem fundamentado não só estes estudos como tem demonstrado a visibilidade do tema numa variedade de suportes encontrados tanto na literatura nacional como internacional. No Brasil, entre outros, a coleção História da Vida Privada oferece um conjunto de exemplos de como o tema da raça além de ser um tema tabu, tem prevalecido como idéia de branqueamento não só na literatura de ficção, como em contos para crianças, nos discursos políticos que circularam, principalmente, nos anos 30. Nestes, em grande parte, utiliza-se o processo de miscigenação para sustentar os argumentos da condição de degenerescência da raça. O conceito de raça e harmonia racial aparece nesses discursos de forma estabilizada e naturalizada de forma a negar o preconceito. Representação de um tipo particular de racismo, denominado por alguns autores como racismo silencioso (Schawrcz, L. 1998). Outros trabalhos, por sua vez, tem-se ocupado em demonstrar a construção do discurso colonial que predomina na produção da imagem eurocêntrica (Stam, R. 2006).

Sobre as facetas do racismo silencioso, Kabengele Munanga acrescenta: O racismo brasileiro na sua estratégia age sem demonstrar a sua rigidez, não aparece à luz; é ambíguo, meloso, pegajoso, mas altamente eficiente em seus objetivos. Essa ideologia é difundida no tecido social como um todo e influencia o comportamento de todos_de todas as camadas sociais e até mesmo as próprias vítimas de discriminação racial. Discutir a questão da pluralidade étnica, e em especial da sua representação nas instituições públicas e nas demais instituições do país, ainda é visto como um tabu na cabeça de muitas pessoas, pois é contraditória a idéia de que somos um país de democracia racial (Munanga, K. 1996:215).

A cinematografia alemã possui um expressivo conjunto de obras que discutem a questão dos estereótipos e discriminações raciais, situando o racismo de Estado como uma poderosa máquina de triturar corpos e fabricar as raças arianas superiores e megalomaníacas. Um primor de exemplo encontra-se na trilogia de Hans-Jürgen Syberberg, denominado Hitler, um filme da Alemanha (Hitler, Ein Film Aus Deutschland, 1977). O filme utiliza três personagens marcantes- Karl May, Richard Wagner e Adolf Hitler- e desmonta a “encenação” Hitler, a “arte” e o espetáculo do nazismo, das grandes concentrações de massa, dos desfiles, da propaganda e do cinema. Através de uma colagem que se aproxima dos princípios estruturais da música, Syberberg tenta explicar Hitler e o nacional socialismo em suas raízes e contextos mitológicos, confrontando-o com os marcos da história e da cultura alemã, num trabalho de poderosa originalidade e de intenções aterradoras, como comentam seus críticos, em ensaios publicados em The New York Rewiew of Books, 21 de fevereiro de 1980 (consultado em texto impresso). A película compõe-se de quatro partes, com sete horas de duração, repleto de densas referências à história cultural da Alemanha, em que o lado subjetivo do fascismo, as orientações místicas, os irracionalismos são permanentes no discurso do cineasta que cria um “espetáculo no tempo presente” como assinala Susan Sontag na sua crítica ao Hitler de Syberberg.

Devo finalizar essas breves notas, uma vez que o instrumento de divulgação na web via blog requer limites de espaço. Vários fios ficaram soltos. Gostaria de convidar a quem se aventurar pela leitura destas anotações, para o contraponto necessário ao diálogo, elos que possibilitam melhores interpretações.

Referências citadas:
1.HALL, Stuart. Da diáspora: identidade e mediações culturais. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003.
2.BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte. Ed. UFMG, 1998.
3.FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
4.STAM, Robert e SHOHAT, Ella. Crítica da imagem eurocêntrica. São Paulo: Cosac Naify, 2006.
5.SCHARCZ, Lília. Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na intimidade. In: História da vida privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
6.MUNANGA, Kabengele. O negro recusa a assimilação. In: Negritude: usos e sentidos. São Paulo: Ática, 1986.
7.Goethe-Institut Salvador-Bahia. Seminários On Line. Hans-Jürgen Syberberg. Aula 3. Outubro de 2007. Cf. HTTP://www.goethe.de/ins/br/sab/pro/semin5/s5aula3.htm

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Cultura e Multiculturalismo no Cinema.















Contra a Parede, 2004.

Retomo a postagem hoje para comentar leituras que termino de realizar sobre cinema. A primeira delas, ainda pouco explorada, porém consultada com intenção de rever mais vezes, trata-se do trabalho de Ella Shohat e Robert Stam. (1). Transcrevo a seguir a apresentação do livro, para em seguida colocar algumas questões que se relacionam com a temática da Cultura e dos Estudos Culturais, atividade que venho acompanhando através dos filmes que tenho assistido, e mais recentemente, pela presença em aulas da Pós-Graduação da Facom/Ufba voltada para o tema.

MULTICULTURALISMO E HEGEMONIA EM DEBATE
Leitura obrigatória para pesquisadores, estudantes e para o público interessado por trabalhos que se colocam no limite entre diversas áreas do saber, Crítica da imagem eurocêntrica: multiculturalismo e representação, de Ella Shohat e Robert Stam, é enfim traduzido para o português, após ter sido lançado há aproximadamente uma década nos Estados Unidos. Shohat e Stam, ambos professores em universidades norte-americanas, possuem o mérito de trabalhar com rigor, inteligência e elegância incomuns. Interdisciplinar sem ser banal, erudito sem ser pedante, o livro consegue impor clareza a uma discussão que por vezes parece “batida”. O Multiculturalismo permeia a discussão. Termo problemático, esta é uma palavra que pode se tornar gasta e esvaziada em debates acadêmicos, jornais ou revistas. Mas não se engane o leitor: para além da moda, o tema é urgente e o livro chega em boa hora, pois numa sociedade de economia globalizada, vale dizer, neoliberal, ou as diferenças são estrategicamente eliminadas ou então são assimiladas, bem embaladas e colocadas à venda no “shopping center” das coisas exóticas. Com um aparato crítico que perpassa múltiplas áreas do saber (teoria da comunicação, antropologia, história, sociologia, psicanálise etc...), e ancorados no domínio e conhecimento sólidos dos discursos e imagens produzidas ao longo do século 20, quando o cinema se tornou um meio de comunicação muito popular, os autores analisam e desvendam lugares comuns do nosso imaginário audiovisual, identificando nele valores morais, políticos e estéticos, produzidos, representados, introjetados e, por fim, naturalizados. É, aliás, por causa da naturalização de tais valores que Shohat e Stam dedicam tantas páginas a esta crítica. Este não é um livro de cinema no sentido estrito do termo (de teoria ou história do cinema), mas um livro sobre cinema num sentido amplo, na medida em que se vale do cinema (inclusive da teoria e da história do cinema) para fazer a genealogia e principalmente a crítica da hegemonia de determinadas idéias (ou representações), que determinaram o jeito de ser e de pensar da sociedade contemporânea, no âmbito da cultura popular, abrangendo ainda meios como a propaganda e a televisão. No debate sobre a cultura e a política, o livro refaz a história das idéias que formaram o imaginário contemporâneo, ou das idéias que venceram. Um exame exaustivo e também uma boa reflexão são feitos acerca dos modelos de representação e auto-representação produzidos pela assim dita sociedade ocidental, além do modo como estes modelos se tornaram cada vez mais tirânicos e excludentes em relação aos modelos ditos periféricos. No primeiro e segundo capítulos, “Do eurocentrismo ao policentrismo” e “Formação do discurso colonialista”, os autores tentam esclarecer quando e como a idéia de uma sociedade ocidental surge. Partem da análise do nascimento do mito de uma cultura superior elaborada ainda no auge da civilização grega, quando foram criados os modelos ainda vigentes de política e cultura. É daí que derivam os conceitos de raça, identidade nacional, Iluminismo, capital e suas oposições necessárias como terceiro mundo, quarto mundo, colônia e periferia. O livro varre a história do cinema, tendo como eixo o desenvolvimento e a construção desses discursos a partir de gêneros muito populares, como o faroeste, a ficção científica e os filmes de guerra e de aventura, e nos mostra como nesses filmes as representações de si e do outro foram longamente gestadas. Desde o início, os autores desenvolvem o conceito de “multiculturalismo policêntrico” como uma alternativa ao pluralismo liberal do termo “multiculturalista”. A vantagem da sugestão de Shohat e Stam está em valorizar cada uma das culturas ao invés da relativização de todas elas. Porque é somente a partir dessas experiências de tensão e resistência que eles acreditam ser possível postular uma alternativa viável de dissolução da hegemonia eurocêntrica de representação, tema reservado ao último capítulo, “A estética da resistência”, que traz à baila temas como a antropofagia cultural, o sincretismo como estratégia artística, as políticas de auto-representação de identidades e as tendências pós-modernas na arte contemporânea, todas elas contra-hegemônicas por natureza.


O questionamento crítico em foco, no cinema e nos livros sobre cinema em sentido amplo, que tenho tido o prazer de aproximar-me, tem-se voltado para a temática da cultura e do multiculturalismo. O que significa esses termos e em que sentido o cinema tem incursionado nesta perspectiva?
Pretendo apenas tentar assinalar alguns pontos iniciais. Os estudos de cultura e seus densificados debates nos anos 90 (cf. Jameson, Frederic) mostram que eles parecem não se identificar tanto com uma planta arquitetônica para novas disciplinas acadêmicas, estão mais relacionados às possibilidades de alianças e projetos que se constituem sem as amarras dos territórios delimitados e canonizados. (2).
Esta tendência tem provocado desconfortos e inumeráveis incômodos não apenas entre os próprios realizadores de estudos e trabalhos sobre cultura, mas também atingindo os assentados estudos historiográficos, num campo de saber tradicionalmente afeto aos historiadores. Mas o que são mesmo os Estudos Culturais e quais suas incursões no cinema?
Diz-se que cultura é uma das duas ou três palavras mais complexas da língua inglesa, considerando-se seu antônimo, a natureza. Para não complicar mais ainda o caminho, tomemos, dentre as definições clássicas de cultura, os significados apresentados por Raymond Williams, entendendo-a como um hábito mental individual, como um estado de desenvolvimento intelectual de toda a sociedade, como o conjunto de artes e como forma de vida global de um grupo de pessoas ou de um povo (3).
Os estudos de cultura parecem estar ligados a “política de identidade” dos novos movimentos sociais, onde o conceito de articulação tem enorme centralidade, referindo-se às intersecções de raça, gênero e classe. Porém, essa interpretação não hegemônica, pode ser interrogada e controversa considerando-se que mesmo os fundadores dos estudos culturais da Escola de Birmingham referem-se ao conceito de intelectual orgânico como peça chave no delineamento destes estudos (4).
Por outro lado, se tomarmos a compreensão de cultura como um conjunto de estigmas que um grupo carrega aos olhos de outro grupo, um veículo ou meio através do qual se dá o relacionamento entre os grupos, tal como expresso em Erving Goffman, as análises dos relacionamentos grupais passam pelo entendimento de formas fundamentais como a inveja, a aversão, o prestígio, entre eles. Os grupos são conflitivos, separam-se e unem-se por mecanismos de solidariedade grupal e mecanismos de isolamento e solidão. Nesta compreensão, a cultura precisa ser entendida também como forma fundamental de relacionamento onde a luta e a violência ocupa espaços. Esta dimensão da cultura precisa ser apreciada.
Os filmes que recentemente tenho assistido, principalmente os denominados de novo cinema turco-alemão, versam sobre essas questões. Não vou narrar esses filmes. Aprendi que o cinema tem uma narrativa que se expressa pela capacidade do realizador em articular os elementos lingüísticos próprios da arte do filme (cf. André Setaro). De modo que não vou narrá-los. Estão incluídos nesta temática, quase todos os últimos filmes de Fatih Akin. Entre eles, Em julho (2000) reprisado inúmeras vezes pelo Eurochannel, Contra a Parede (2004) exibido no Circuito de Arte em várias salas, Atravessando a Ponte-o Som de Istanbul (2005) e Do outro lado (2007). Todos eles versam sobre os novos trabalhadores que foram concretizar o Milagre Econômico Alemão, provenientes da Turquia, das regiões mais pobres do sul da Itália, da Espanha e de países pobres. Vieram para a Alemanha pensando em escapar da miséria, da falta de emprego, na busca de novas oportunidades de vida. Trouxeram suas famílias ou tentarão buscá-las logo que encontram meios, nas suas bagagens traços de uma cultura ancestral repleta de tradições. Um cinema direto, sem interesse pelas buscas formais ou por tudo aquilo que supunha uma complicação da narração e um distanciamento do público massivo, diz Ricardo Parodi. Um cinema que questiona a cultura hegemônica e apresenta uma diversidade de Outros.

Notas:
1.Ella Shohat e Robert Stam. Crítica da Imagem Eurocêntrica. São Paulo: Cosac Naify, 2006.
2.Frederic Jameson. Sobre os estudos de cultura. In; Novos Estudos Cebrap, n.39, p.11-48, julho 1994.
3.Terry Eagleton. A idéia de cultura. Lisboa. Temas e Debates, 2002.
4.Frederic Jameson,cit. 1994.
5.André Setaro. Introdução ao Cinema. Artigos publicados na web e consultados em 2007 e 2008.

quarta-feira, 26 de março de 2008

Conversa sobre Cinema










Em outubro de 2007 iniciamos a postagem Conversa Sobre Cinema.
A idéia era manter diálogos com estudiosas(os), cinéfilos(as), críticos(as) da sétima arte, registrando anotações que do nosso ponto de vista poderiam ampliar concepções, retomar dúvidas, provocar questionamentos.
Pensando em anotações sobre a temática, contamos desta vez com a colaboração de Adolfo Gomes _ http://bressonianas.zip.net/_ que aceitou e foi receptivo ao nosso convite. Apresentamos um roteiro de perguntas que foram abordadas do jeito peculiar e distinto do responsável pela divulgação dos filmes exibidos na Sala Walter da Silveira e que a considera um templo sagrado (1).

Blog: O que significa cinema para você? Qual a sua experiência com o cinema?

Bressonianas: Minha experiência com o cinema é de espectador. Nunca tive vontade de filmar, de me tornar um realizador. Mas nem por isso me considero um admirador passivo. Sempre quis descobrir, ver coisas novas, que podem estar esquecidas num filme de 1920, por exemplo. Então é natural que de espectador logo tenha me transformado em cineclubista. Mais do que a minha formação em jornalismo, minhas passagens como crítico de cinema ou qualquer outra atividade, ser cineclubista é minha universidade, o que me faz melhor como pessoa, intelectual.É o que me honra. Acho que isso explica a minha relação com o cinema. É, para mim, um religar-se com a dimensão sagrada das coisas.

Blog: Quais os seus melhores filmes? Eles influenciaram suas idéias?

Bressonianas: Como diz o Godard, “o que é o estilo, senão o homem”. Minha formação é perpassada pela política do autor. Portanto, vejo o cineasta, sobretudo. Assim, para mim, é mais fácil falar dos cineastas que amo: Godard, Straub/Huillet, Glauber Rocha, Humberto Mauro, Renoir, Pedro Costa, John Ford, Sokurov, entre outros. E os filmes deles me fizeram o que eu sou hoje, minha concepção de cinema. Ainda tenho um longo caminho ao lado desses filmes. Em certo sentido, quero dizer com isso, a mesma coisa que costumo dizer a alguém que não gostou de um filme do Godard, por exemplo: “Então veja de novo, de novo, até gostar. Até você alcançá-lo”. O grande cinema tem que ser exigente. Não podemos esperar apenas um espetáculo de mão beijada.


Blog: E as Bressonianas?

Bressonianas: O blog é parte do que eu sou, de como vejo cinema. Escrevo para continuar o prazer proporcionado pelos filmes, por isso só escrevo por prazer, sem pressões, cobranças ou temporalidades.Todos os críticos deveriam ter essa liberdade.


Blog: E a Sala Walter da Silveira ?

Bressonianas: É, para mim, um espaço de exibição. Portanto algo sagrado, mas não a vejo somente fisicamente, de modo que meu afeto por ela não é abalado por suas limitações atuais, sejam técnicas, sejam de programação. Vejo-a como um instrumento em favor do cinema, de manutenção da memória, de preservação da arte.E de resistência. Por isso a minha relação com ela é religiosa. Vou passar por ela e tenho o prazer - e não apenas a responsabilidade - de honrá-la a cada dia, de honrar a memória do doutor Walter da Silveira que, para além das homenagens oficiais, ritos e cerimônias, mantém-se viva nos filmes que ele amava e que escrevia a respeito. Colocar esses filmes e outros, ao alcance das pessoas, é o melhor que podemos fazer pela sua memória – pelo menos para um cinéfilo como eu (2).


Notas:

(1) Walter da Silveira (1915-1970).
Obras publicadas sobre cinema: O Cine-Teatro Guarani: sua origem, evolução e atualidade. 1919/1995. Salvador: Imprensa Oficial da Bahia, 1955; A grande feira: origem e significado: Imprensa Oficial da Bahia, 1960; Um filme de transição. In: Deus e o Diabo na Terra do Sol de Glauber Rocha. Biblioteca Básica de Cinema. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965; Fronteiras do Cinema. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1966. Coleção Tempo Novo; Imagem e roteiro de Charles Chaplin. Salvador: Mensageiro da Fé, 1970; A história do cinema vista da província. Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1978; O eterno e o efêmero/Walter da Silveira. Organização e notas por José Umberto Dias. Salvador: Oiti Editora e Produções Culturais Ltda., 2006.

(2) Bem, essa conversa de cinema que pretendia ser mais uma aproximação com Adolfo Gomes e suas idéias, ocasionou também outro convite, o de aproximar-me, mais ainda, da obra de Walter da Silveira. E nesta prospecção, descobri que o Clube de Cinema da Bahia foi fundado em 1950, ano em que nasci, com a sorte de encontrar uma memória cinematográfica que se mantém e resiste. Nos anos 70/80 asisitimos e convivemos com esta filmografia que tem raízes subsumidas nesta memória.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

andreas dresen: mestre da ironia













País Silencioso ( Stilles Land), 1992
Andreas Dresen


RDA, outono de 1989.
O filme mostra a importância da televisão via satélite, milhares de telespectadores em busca das imagens clichés da felicidade capitalista e as dificuldades de um elenco de atores da RDA em encenar uma peça de Samuel Beckett, Esperando Godot no momento em que há mudanças decisivas na Alemanha com a Queda do Muro, novembro de 1989. Encenar Samuel Beckett naquelas circunstâncias representa uma tomada de posição dos atores frente aos acontecimentos da Queda do Muro.
Ao começar a nova temporada artística num teatro de província alemão decadente, um diretor apresenta a seu elenco um novo colega. O jovem diretor, Kai Frinke, pretende encenar a peça Esperando a Godot de Samuel Beckett. Na primeira reunião da companhia se produz um escândalo: um ator interrompe o discurso do diretor pedindo que se diga algo sobre o que acontece na Hungria e na embaixada de Praga. É tempo em que na embaixada de RFA, em Praga e na Hungria, há numerosos fugitivos da RDA tentando conseguir permissão de saída do Oeste. O diretor e o Secretário do Partido não se envolvem com o incidente. Kaí Frinke se põe a trabalhar com entusiasmo sem deixar-se intimidar pelas circunstâncias. Severas dificuldades causam falta de entusiasmo aos atores da companhia. Os ensaios são pesados e exaustivos. Para o diretor o paralelo entre a situação política e a peça marca o momento: trata-se então de ensaiar e sobretudo apressar a situação desesperada de espera. Quando o protagonista principal, Horst, lhe pergunta onde existem saídas, não sabe responder. Os meios de comunicação da RDA minimizam a agudez da situação e investem contra o Oeste. Os atores buscam emissões da “televisão ocidental” no teatro afetando o trabalho dos ensaios. A Kai Frinke não interessa como se desenvolve a situação atual, conta a encenação. Mas concorda em participar de uma resolução do elenco que exige uma discussão pública e com tal motivo é incluída uma apresentação pública com o escasso público do teatro. A situação política se agrava. Os cidadãos se manifestam, e organizam matinés nas igrejas. Theo vai a Berlim para conseguir uma antena de TV e é detido temporariamente. Egon Krenz, o sucessor de Erich Honecker como Secretário Geral do Partido Socialista Unificado da Alemanha-SED, aparece na TV e fala das mudanças. O fato induz Kai Frinke tenta desenvolver uma concepção mais real da sua encenação. Antes da estréia, 9 de novembro, cai o Muro de Berlim. Uma avaria impede que o elenco se diriga à Berlim num microônibus. A peça estréia afinal, poucos espectadores aparecem, as pessoas tem outros interesses. A ajudante de direção deixa o elenco e vai para Hamburgo e a peça é retirada de cartaz. Kai Frinke decide quedar-se.
As formas de participação nos acontecimentos políticos poderiam se circunscrever às encenações ou deveriam ir mais além em manifestações públicas e atos de protestos que demonstrassem as posições dos atores? Quais os limites de participação? É o diretor jovem da peça, o Kai Frinke, um alienado político por não envolver-se ativamente nas ações de protestos públicas e voltar-se para o mundo do teatro? Qual o significado de encenar-se Samuel Beckett, Esperando Godott numa conjuntura de conflitos e de mudanças da vida política e econômica da Alemanha? O filme País Silencioso traz uma mensagem de inquietação para um tempo sem respostas.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

A ORIGEM DOS MUNDOS










The origin of the world. L'Origine du monde,1866. Paris. Musée D'orsay.

Depois de um longo silêncio em que a luta pela sobrevivência afastou-me das postagens sobre a cultura cinematográfica, trago a esta página o texto do Jorge Coli. Leitora permanente de seus informados e analíticos textos editados na Folha de São Paulo pude perceber, pela resposta ao meu e-mail, que se trata de um interlocutor que nos honraria em participar do diálogo. A seguir a transcrição de seu texto.

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A mostra Courbet é muito bela: beleza da matéria, dos tons graves e surdos, do silêncio meditativo sobre os mistérios telúricos, vegetais ou corpóreos
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JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
T ermina em Paris uma retrospectiva do pintor Gustave Courbet [1819-77]. Ela irá agora para o Metropolitan Museum de Nova York [de 27/2 a 18/5]. Mostras monográficas importantes reúnem quadros dispersos nos museus do mundo inteiro: é um grande prazer vê-los e compará-los. Têm ainda o sentido de fazer um balanço, de renovar a compreensão, a intuição, do papel que representam hoje esses grandes mestres. As obras de arte possuem um núcleo estável no qual se entrelaçam as pulsões criadoras. No entanto, elas se modificam. Primeiro, fisicamente: o material envelhece e o aspecto se altera com o tempo. Há também deslocamentos que mudam a percepção e afetam o olhar: caso evidente é o das obras religiosas transportadas para os museus. São mutações que diminuem certas características para ampliar outras.
As obras sofrem outras perturbações, originadas pela sucessão dos olhares que, de geração em geração, pousaram sobre elas. Nunca são vistas "nelas mesmas"; são sempre, por assim dizer, traduzidas para a cultura de quem as contempla. Textos críticos, teóricos, históricos sintetizam as sensibilidades de cada geração. Trata-se de enfoques que aderem à obra. Mesmo quando negados ou contestados, continuam pressupostos, ativos e, de um certo modo, passam a fazer parte da própria criação.

Seixo
A retrospectiva Courbet é muito bela. Beleza da matéria, dos tons graves e surdos, do silêncio meditativo sobre os mistérios telúricos, vegetais ou corpóreos. Beleza da gravidade pictural que vai além da idéia, do conceito, da formulação lógica. Courbet escreveu uma vez: "Faço as pedras pensarem".
Nem ele nem o espectador pensam sobre a pedra, é a pedra que pensa, exatamente como no poema de João Cabral de Melo Neto: "Uma educação pela pedra: por lições;/ Para aprender da pedra, freqüentá-la;/ Captar sua voz inenfática, impessoal (...) Lá não se aprende a pedra: lá a pedra,/ Uma pedra de nascença, entranha a alma".

Inflexões
Os quadros se sucedem nas salas. São paisagens, marinhas, naturezas-mortas, nus femininos, cenas de caça. São as telas que representam a nascente do rio Loue, que atravessa a Franche-Comté, região em que Courbet nasceu, se criou, e à qual permaneceu sempre ligado. Tudo admirável. Porém, se esse aspecto mais fundamente metafísico vem sublinhado, o outro Courbet, o Courbet político, militante socialista, é reduzido a quase nada nesta retrospectiva.
Muitos quadros relevantes, com traços sociais ou de interpretação problemática, estão ausentes: "As Peneiradoras de Trigo", "O Incêndio", "Os Lutadores", "O Mendigo", a singular remadora, em maiô contemporâneo, sem falar dos "Quebradores de Pedra" e do "Retorno da Conferência", obras destruídas, mas que causaram grande impacto quando expostas pela primeira vez e que subsistem em esboços e gravuras. Talvez os curadores busquem evitar as interpretações políticas que, de Proudhon a estudiosos atuais, marxistas e feministas, ingleses ou americanos, têm, em grande parte, dominado as análises sobre o pintor.

Fresta
Em 1977, comemorando o centenário da morte de Courbet, houve outra exposição importante. Contra a vontade dos curadores, ordens poderosas proibiram, por obscenidade, a apresentação do quadro "A Origem do Mundo", que figura um sexo feminino em close. Hoje, é o ponto mais alto da mostra. À volta dele, na sala, gravitam as mais belas mulheres nuas que o artista nos deixou.