quarta-feira, 27 de agosto de 2008

PARSIFAL























Tenho estado ausente desta página por motivos exclusivamente temporários e contrários ao meu desejo. Para não deixar de atender aos poucos porém constantes que por aqui marcam sua passagem e me perguntam se vou voltar, incluo hoje o texto divulgado no Caderno Mais de 24 de agosto de 2008, em Ponto de Fuga.
Como finalizei comentando, ainda que precariamente, sobre a trilogia de Hans-Jürgen Syberberg, Hitler, um filme da Alemanha (Hitler, Ein Film Aus Deutschland, 1977) na postagem anterior, quis trazer o texto que comenta Parsifal, a última obra de Wagner. Muito obrigada Professor!

JORGE COLI
O s cavaleiros do Graal são castos, isto é, não podem transar, salvo em certas exceções obscuras não explicadas no libreto da ópera.
Estão em declínio porque Amfortas, seu rei, cedeu às tentações da carne e ficou marcado por uma ferida sem cura. Não consegue mais presidir ao ritual que expõe a taça sagrada, o Graal, onde permanece o sangue de Cristo, porque suas dores atrozes aumentam durante a cerimônia.
Surge um novo líder, Parsifal, o "puro louco", que resistiu às seduções de umas moças muito desenvoltas. Elas são as agentes de Klingsor, ex-cavaleiro que se castrara a si próprio buscando, assim, eliminar seus desejos libidinosos.
Klingsor ignorava, porém, que castração não valia como controle dos apetites. Expulso da comunidade dos bons, assume o papel do supervilão, cria um paraíso de mulheres-flores, especialistas em desviar gente boa para o mau caminho.
No final, purificado, Parsifal assume o ritual do cálice sagrado que iluminará para sempre a humanidade.
"Parsifal", a última obra de Wagner, data de 1882. O compositor havia construído, em Bayreuth, na Alemanha, um grande teatro com características peculiares. Determinou que "Parsifal" fosse unicamente representada ali, o que aconteceu até 1913, quando os direitos autorais caducaram.

Drácula
"Parsifal" foi a ópera preferida de Hitler, que devia se imaginar como o redentor de uma Alemanha em decadência. Himmler construiu para os SS, a polícia militarizada dos nazistas, o castelo de Wewelsburg, morada sagrada em que seus agentes se tomavam por modernos cavaleiros do Graal. A sala de reuniões foi desenhada a partir dos cenários do primeiro "Parsifal" em Bayreuth.

Novelo
"Parsifal" não apenas gravita em torno de obsessões universais, como o desejo, a culpa, a regeneração, o sofrimento, o poder, o masculino e o feminino. Enleou-se de maneira inextricável com a história alemã. O jovem diretor de cena norueguês Stefan Herheim criou a nova e estupenda produção de "Parsifal" para o festival Wagner de Bayreuth. Como também é músico, atenta para cada sugestão da partitura. Retoma, com meios modernos, a tradição teatral wagneriana, fascinada pelas mágicas metamorfoses no palco.
Começa dentro da casa de Wagner, que existe até hoje: a casa se transforma em jardim, o jardim em floresta, a floresta em templo. Uma cama, lugar de nascimento, de morte e de prazer, forma o ponto nodal, em que personagens aparecem e somem. Estandartes nazistas se desenrolam com suas suásticas; eles assustam, expondo o que se buscou esquecer: o passado tremendo daquela ópera e daquele teatro que se enfeitava para receber o ditador.
No final, quando tudo está em ruínas, Parsifal se despe de sua armadura que o assemelha à figura emblemática da Germânia; enormes espelhos tremulantes refletem os espectadores no fundo do palco que incorporam a cena. A pomba do Espírito Santo se muda em signo de paz universal. Herheim, apoiado na regência lenta e expressiva de Daniele Gatti e em ótimos intérpretes, trouxe a História para o palco.
As cinco horas, ou quase, de "Parsifal" passaram como se fossem cinco minutos.

Assombro
Titurel, papel breve, mas nevrálgico, em "Parsifal", é interpretado com grande nobreza por Diógenes Randes: 32 anos, um sólido contrato com a ópera de Hamburgo, voz de baixo, ampla, poderosa, timbrada. É o primeiro brasileiro a cantar no mítico teatro de Bayreuth. jorgecoli@uol.com.br