sábado, 17 de novembro de 2007

Claude Lelouch: Crimes de Autor











Um título e um convite ao cinema.
Roman de Gare, 2007. Crimes de Autor. Como não ?
Sexta-feira, às 17:05, na Sala de Arte do MAM, depois de ter apreciado um pôr do sol na Baía de Todos os Santos que deixa qualquer mortal em estado de graça, dirijo-me a sala acompanhada de três gatos pingados e uma amiga apreciadora da beleza e da inteligência, sem esnobismos.
Lembrava-me de outros filmes do Claude Lelouch e de recente entrevista que assistira na globonews quando da visita ao Brasil pelo autor para participar da 31ª Mostra Internacional de Cinema (São Paulo, out/nov 2007). Lembranças de filmes, entre outros, Um homem, Uma mulher (Un Homme et Une Femme, 1966), A aventura é uma aventura (L'Aventure ces’t l’Aventure, 1972), Retratos da Vida ( Les Uns et Les Autres, 1980) expressões e sentimentos de emoção e esperança de toda uma geração que acreditou em utopias e nas relações humanitárias.


O filme Crimes de Autor provoca vários debates, um deles é o de pensar o processo da criação literária. Quem são mesmo os autores das obras literárias e quais os desejos que os movem nas suas criações? A criação de uma novela é um processo coletivo? Quem são os seus verdadeiros autores?

A trama do filme se desenvolve, mais intensamente, entre três personagens marcantes, a figura de Judith Ralitzer, escritora de sucesso em busca de um novo best-seller, Dominique um misterioso ghostwriter que dirige, aparentemente, sem rumo pelas estradas da França e Huguette, uma mulher sonhadora e conflitada, abandonada pelo namorado num posto de gasolina.

Claude Lelouch, concedendo entrevista em 28 de junho de 2007, no Festival de Conhaque (voltado para filmes policiais) ocasião em que presidia o júri, comenta que seu novo filme, Roman de Gare (traduzido no Brasil por Crimes de Autor) é, também, uma homenagem à literatura. Fala que seu filme representa suas quatro paixões: o amor que sente pelas pessoas, pelas imagens, pelas palavras e pela música. Este filme, diz ele, fala destas paixões e da novela, é através da literatura que considero que se possa sempre dissimular. Por isso, acrescenta, escondi-me sob um pseudônimo que revelasse meu amor pela literatura, pelas palavras, pelas frases e, sobretudo pelos diálogos. Fiz o Roman de Gare como se fosse meu primeiro filme, diz ainda, com todos os riscos possíveis,dentre os artísticos aos financeiros, e esta é uma viagem de grande solidão que se espera traga prazer a muitas pessoas (1).

Ao perguntarem sobre a trilha musical do filme, ele comenta: A música sempre foi um ator importante nos meus filmes e um dia ela terá o papel principal. Faz cinqüenta anos que me preparo para este filme e penso que chegarei o mais cedo que puder a formulá-lo. Há um coral de seis milhões de indivíduos sobre a terra e cada um de nós tenta cantar e contar suas pequenas histórias individuais onde há rios subterrâneos entre todas elas. Em Roman de Gare a música de Gilbert Becaut cria uma atmosfera de envolvimento e expressão.

Há muito a dizer sobre Crimes de Autor, mas curioso, ao voltar do cinema fiz uma busca pela web tentando encontrar dados que me permitisse fazer uma postagem mais elaborada e fundamentada da filmografia de Claude Lelouch, sem muito sucesso. As sinopses disponíveis não marcaram os pontos que considerei relevantes, sequer encontrei destaques do que considerei os eixos temáticos relevantes, ou seja, que evidenciam a singularidade e inspiração do cineasta tomando como expressão temática a literatura e a música, como peças chaves para seu filme. Resolvi consultar o André Setaro. Segue a resposta, que divulgo na intenção de partilhar os comentários antenados do Setaro, uma vez que não encontrei análises detalhadas.
Cara Stela,
Pensei em escrever um artigo para o blog a revisitar a filmografia de Claude Lelouch, realizador de minha admiração, mas desprezado pela chamada crítica especializada, o que considero uma injustiça. Leon Cakoff, crítico paulista, organizador da Mostra Internacional de São Paulo, fez-lhe homenagem especial com a sua presença na capital paulista. Mas os jornais pouco deram divulgação e, inclusive, numa atitude descabida, a Folha se negou a entrevistá-lo.
Consideram-no virtuosista, superficial. Não concordo. Lelouch tem uma maneira muito particular, muito emocional, de fazer cinema, e poucos são os cineastas que sabem usar a partitura musical com tanta eficiência, com tanta habilidade. Seus filmes sempre se destacam pelo poder de encantar, de envolver, e, creio o cinema sempre está a reinar. Ainda não vi Crimes de autor por falta de tempo, ainda que tenha grande interesse, o que pretendo fazer logo que chegue de viagem (vou a Conquista para um festival de cinema).
Trabalho analítico sobre este grande diretor no Brasil não existe. Mas tenho certeza que é apreciado no exterior. Dê uma olhada em seu site oficial:
http://www.lesfilms13.com/ E neste link: http://www.allocine.fr/tags/default_gen_tag=les+essentiels+de+Claude+Lelouch.html
Um abraço do
André Setaro

Pois bem, estas anotações preliminares de hoje revelam muito mais meu interesse em debruçar-me sobre uma filmografia ainda a ser mais analisada do que um resultado substancioso de um trabalho de pesquisa. Por outro lado, foi tão expressivo, em quantidade e qualidade, o que encontrei no site oficial do autor que não resisti a vontade de pelo menos indicar pelos cartazes, lembranças que provocam interesse em rever os filmes nos próximos trabalhos (2).


Notas:
1. Roman de Gare: Reencontre avec Claude Lelouch IN:
http://www.allocine.fr/article/
2. Filmografia citada no site como Les essentiels de Claude Lelouch: Roman de Gare,2006; Le Courage d’aimer, 2004; Les Parisiens, 2004; Les Misérables, 1994; Tout ça...pour ça!, 1992; La Belle Histoire, 1992; Il y a dês jours...et des lunes, 1990; Itinéraire d’um enfant gâté, 1998; Atlention bandits!, 1986; Un Homme et Une Femme: vingt ans déjá, 1986; Edith et Marcel, 1982; Les Uns et lês autres, 1980; A nouns deux, 1979; Si c’était à refaire, 1976; Le Bom et lês méchants; L’Aventure c’est l’aventure, 1972; La Bonne année, 1973; Smic, Smac, Smoc, 1971; La vie “amour, la mort”, 1963; Un Homme et Une Femme, 1966.
3. Encontram-se no início do post alguns cartazes dos filmes indicados na nota anterior.

sábado, 10 de novembro de 2007

Notas de Estudo: Nouvelle Vague


François Truffaut: escritos sobre cinema.

Todos sabem da importância e influência que a Nouvelle Vague exerceu sobre a cinematografia mundial, ao surgir na França no final dos anos 50, modificando e criando uma nova linguagem cinematográfica e trazendo inúmeros representantes que marcaram e divulgaram uma nova concepção de fazer cinema. Um movimento de renovação da linguagem fílmica, de criatividade, mais voltado para a expressão do que a comunicação, trazendo um enfoque para temáticas do homem contemporâneo, podendo-se afirmar que houve um cinema antes e outro depois da Nouvelle Vague (1).
Não pretendemos repetir as análises já realizadas, são inúmeras, sobre este movimento e suas repercussões na linguagem cinematográfica. Nesta postagem de hoje temos a intenção de evidenciar a presença de um representante deste movimento, expresso na figura do cineasta que chama atenção não só pelo talento e influência que exerceu nas gerações posteriores, como pelas anotações e escritos onde deixou registradas suas percepções e idéias não só do fazer cinema como da própria condição de cineasta e de amigo dos inúmeros companheiros de jornada. François Truffaut foi um dos cineastas franceses que mais escreveu sobre cinema. Em janeiro de 1975, ele expõe suas idéias e interesse por cinema no livro “Os filmes da minha vida”, revelando não só a sua dedicação à sétima arte como o seu envolvimento com o mundo do cinema (2).

Sempre me perguntaram em que momento da minha cinefilia desejei tornar-me diretor ou crítico e para falar a verdade não sei; sei apenas que queria aproximar-me cada vez mais do cinema. Um primeiro estágio consistiu em ver muitos filmes, um segundo em anotar o nome do diretor ao sair do cinema, um terceiro em rever freqüentemente os mesmos filmes e em determinar minha escolha em função do diretor. Naquela época de minha vida, porém, o cinema agia como uma droga, ao ponto do cineclube que fundei em 1947 ostentar o nome pretensioso, mas revelador de Cercle Cinémane (Cícirculo Cinemaníaco). Acontecia-me assistir o mesmo filme cinco ou seis vezes no mesmo mês e ser incapaz de contar corretamente o roteiro porque, nesse ou naquele momento, uma música que se elevava uma perseguição na noite, o choro de uma atriz me entusiasmavam, me fazia decolar e me levavam para mais longe que o próprio filme.

Como sabemos, Truffaut nasce em 1932 e com 52 anos ao se despedir deste mundo deixa uma produtiva obra de mais de vinte e seis filmes, um conjunto de escritos e anotações que revelam seu pensamento não só sobre cinema, mas suas percepções sobre a vida e sobre as relações humanas. São textos que foram publicados, no Cahiers Du Cinéma, entre outros veículos de divulgação, e como crítico e polemista virulento que foi, escreveu não só sobre diretores (Alfred Hitchcoke, Jean Renoir, Orson Welles, Charlie Chaplin e outros) também sobre autores como André Bazin e Pierre-Henri Roché e atores com quem trabalhou, entre eles, Jean-Pierre Leaud, Isabelle Adjani, Faunny Ardant.

Em 1959, Os Incompreendidos marcará uma temática voltada para a infância e seus conflitos, centrada na figura de Antoine Doinel, um estudante parisiense de treze anos, sonhador e turbulento. Comentado sobre seu filme, Truffaut diz:

Aos quinze anos, fiquei internado no Centro de Menores Delinqüentes em Villejuif, tendo sido detido por vagabundagem. Era pouco depois da guerra, havia um recrudescimento da delinqüência juvenil, as prisões infantis estavam cheias. Eu conhecia muito bem o que mostrei no filme: a delegacia com as putas, o camburão, a “gaiola”, a identificação judiciária, a prisão, não quero me estender sobre o assunto, mas posso dizer que o que conheci era mais duro que o que mostrei no filme (3).

Mas não apenas a infância e a juventude mereceram a reflexão do cineasta, Truffaut voltou-se também para a expressão dos sentimentos humanos mais pungentes, revelando uma atenção especial para o que se costuma assinalar como “uma tradição dos grandes cineastas do coração”. Neste métier, a mulher ocupou um certo lugar.

Ora, até o presente os filmes foram feitos por homens para homens; Ingmar Bergman talvez tenha sido o primeiro a abordar certos segredos do coração feminino. E Hiroshima, meu amor poderia muito bem ser o primeiro filme feito verdadeiramente para mulheres, em todo caso o primeiro a nos mostrar não uma boneca encantadora ou uma vamp, mas uma mulher de verdade. Pela primeira vez no cinema, a igualdade da mulher fica evidente desde a primeira imagem até a palavra “Fim”. Em geral menos preguiçosa que os homens, dando provas de uma sensibilidade mais viva e mais agilmente alerta, as espectadoras fazem o esforço que for preciso para acompanhar o jogo do cineasta (...). Em outras palavras, provavelmente são as mulheres que mantêm, no cinema, esse caráter de troca que parece ser, até o presente, privilégio exclusivo do teatro.

Sobre Jeanne Moreau, protagonista de Jules e Jim (1962) Truffaut comenta que ao contrário de atores e atrizes que só conseguiam atuar em conflitos e tensões, num campo de sinistras lembranças, Jeanne Moreau se movia pela compreensão da fragilidade humana deixando-se envolver pela generosidade, ardor, cumplicidade num trabalho de criar e projetar emoções fortes e sentimentos luminosos. Trabalhar com Moureau não o fazia pensar apenas no flerte, mas no amor, comenta.
Em 1969, escrevendo para Unifrance Film Magazine, Truffaut refere-se ao trabalho A Sereia do Missisipe que tem como protagonista principal Catherine Deneuve. Deixa-se, então, revelar suas estratégias de sedução com protagonistas femininas, no caso, a busca da musa bela da tarde. Vejamos:

Eu criara uma imagem de Catherine antes das filmagens de senso de atriz e de que este vinha antes de seu interesse pelo filme. Suspeitava que fosse perfeccionista, logo, sempre desiludida. Não acreditava que estivesse previamente apegada ao filme e, em função excessivamente com detalhes e que pediria explicações e justificações a todo momento. Em suma, a despeito do desejo que eu tinha de trabalhar com ela, me atirava àquele filme com certas prevenções que ela adivinhou imediatamente. Enquanto Catherine estava filmando Um dia em suas vidas nos Estados Unidos, escrevi-lhe para Hollywood e lhe enviei avisos dissimulados como “Em meus filmes, trabalha-se com bom humor” ou então “É proibido achar que faremos uma obra-prima. Tentaremos fazer um filme vivo”.

Por outro lado, a crítica cinematográfica exercida por François Truffaut, polêmica e áspera, atrelou-se à defesa do lema da “política de autores”, ou seja, um filme vale o que vale quem o faz. O filme não era apenas a soma de vários elementos, os protagonistas, os temas, os recursos disponíveis, à linguagem cinematográfica, mas estava ligado à personalidade e talento de seu condutor. Acreditava que o cinema podia emocionar com o mínimo de recursos possíveis e a improvisação tinha um papel especial.

Incansável e persistente conhecedor da filmografia mundial, nos livros que nos deixou seus escritos sobre cinema, François Truffaut menciona e faz referências a mais de trezentos filmes que são apresentados no final de uma das edições sob o título Lista de filmes citados. Nestas indicações um bom roteiro para quem se dedica a memória e retrospectiva dos grandes diretores de cinema. Nestas breves anotações sequer mencionamos o apreço de Truffaut por André Bazin (uma espécie de pai espiritual), às suas primeiras críticas de cinema e a extensa correspondência que desenvolveu com toda uma geração de realizadores inventivos e produtivos que marcaram o movimento da Nouvelle Vague. Mais um motivo para rever seus filmes e apreciá-lo, também, pelos seus escritos.
Cena do filme Jules e Jim( 1962).


Notas:
1. O que foi, afinal, a Nouvelle Vague por André Setaro. Texto divulgado no Curso de Introdução ao Cinema, outubro de 2007. Publicado anteriormente no site Coisa de Cinema em 3/5/2004.
2. Truffaut, François. Os filmes da minha vida. Tradução: Vera Adami. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.
3. Truffaut, François. O prazer dos olhos: textos sobre cinema. Tradução: André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2005
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sábado, 3 de novembro de 2007

Cinema Alemão


Anos 20: Metrópolis, Fritz Lang (1926, Alemanha).

Marca do expressionismo alemão, construção de alegorias e composições geométricas monumentais, diz-se que esse longa metragem impressionou tanto a Adolf Hitler que consultou Fritz Lang da possibilidade de trabalhos para o nazismo.

Mas de que trata mesmo Metrópolis?
Um paradigma da repetição assinala Ismail Xavier(1). A narrativa se movimenta numa alusão ao tempo futuro, porém sugere uma circularidade mítica que se vale da analogia como parâmetro de reflexão. Uma alegoria retratada desde a retórica clássica, pretendendo criar nexos entre uma analogia que se desenvolve ao longo de um percurso conectando-o, porém mantendo distinto, num mundo narrado e num universo de referência histórico ou mesmo de natureza conceitual. Trabalha-se no eixo do presente e do futuro. Uma cidade imaginária que tem a dimensão de um laboratório e ilustração de um problema vivido nos anos 20, para o qual se apresenta um diagnóstico e uma solução.
Os termos dessa analogia extraídos de vários contextos sócio-culturais ganham um nível de complexidade de modo a estabelecer uma relação entre passado e futuro definida por narrativas e referências iconográficas do passado. Desta maneira, estão subsumidos em Metrópolis, a tradição bíblica (o Velho e o Novo Testamento), o romance medieval, a mitologia germânica, tragédias e melodramas de vigança, uma constelação de elementos e de dados iconográficos de efeitos notáveis, a imprimir uma feição kitsch e a compor seu corpo fílmico. Vários campos de analogias convidam a leituras em busca de princípios de coerência, de mobilização de um campo teórico para identificar na arquitetura do filme as proposições de sentido e alegorias aí presentes(2).
O filme de Fritz Lang, diz Xavier, tem uma composição monumental que ultrapassa a mensagem enunciada no seu final, há um descompasso entre a mensagem intencionada e a experiência estética, o que aponta uma discrepância entre a riqueza de elementos compositivos que excedem o teor da parábola. Essas tensões estão presentes no filme, entre a narrativa e os efeitos plásticos, entre a palavra e a imagem, mas não se pode tomá-los unicamente com estranhamento uma vez que compõem um discurso disposto a exibir tais tensões como uma coleção de referências notórias.
A construção do espaço alegórico da cidade na abertura do filme e o modelo de alegoria que se instala quando a narrativa se desenvolve demarca a análise empreendida pelo que Xavier considera como a sua seqüência chave: o relato de Babel. Esta seqüência ocupa uma posição nuclear, diz ele, porque propõe um sentido particular para as construções monumentais que interagem com o lado sentencioso do filme, mas também porque assinalam como a alegoria impregna a composição visual de Metrópolis.
A magia e a ciência moderna estão presentes, na apresentação do robô, no laboratório como terreno dos fatos prodigiosos, nas substâncias líquidas em frascos misteriosos, uma cenografia que apresenta uma aparência de arcaísmo que se encontra com o gótico e o high tech, num universo de máquinas que sugerem uma concepção da luz como eletro-magnetismo. O futuro encontra a Idade Média. A tradição versus a modernidade. No laboratório de Rotwang a cortina se abre para que o metal em forma humana se movimentasse diante de espectadores atônitos antecipando um futuro que talvez os exclua. Tudo é premonição fatalista, impregnado do espectro de morte insinuada pela imagem metálica do robô e presença de caveiras. O metal tende a se transformar como força operativa na figura da feiticeira, metamorfoseada em Maria. O robô provoca fascínio e terror, a identidade entre a máquina e a figura feminina também se instala. Várias são as interpretações que mobilizam a psicanálise e a história social para as análises dos seus sentidos políticos subjacentes (3). Não é nosso propósito adentrarmos por esta vertente de análise, uma vez que especialistas voltados para estas ciências estão mais interessados e familiarizados e já as dispuseram para consulta, a quem por elas se interessarem.
Importa aqui, trazer a análise do Ismail Xavier ao tomar uma sequência emblemática: a alegoria de Babel. A lenda de Babel em Metrópolis é muito mais do que um modelo de referência, ela se faz parábola dentro da parábola, diz ele, para que o filme possa explicitar os termos da sua analogia entre o futuro e o passado mítico.


Em toda seqüência de Babel o agenciamento de palavras e imagens, pela seqüência ou justaposição, e até mesmo por suas lacunas, repete ou avança certos motivos que são centrais no destino da cidade do futuro, exibindo-os de forma mais depurada. É um momento em que a vontade de alegoria se faz plena, não só porque seja esta a intenção de Maria, mas porque na sua própria forma a seqüência insiste numa dimensão de “escrita hieroglífica” que chega ao esquematismo do emblema: justaposição de imagem e inscrição verbal cujo fundo pedagógico não afasta as tensões próprias a tais cotejos onde a experiência visual tende a escapar da linha estrita definida pelas palavras. Há um jogo de espelhos pelo qual a lenda de Babel forma uma versão reduzida do relato maior que dá conta dos fatos em Metrópolis, para que a analogia se faça uma quase identidade, uma repetição que o filme trabalha de modo particular, solo para que a mesma frase edificante arremate a pregação, aqui e no final do filme.


Como assinalado antes, um paradigma da repetição. Gostaríamos de continuar rastreando a análise, mas o espaço que estamos nos movendo tem os seus limites. Escolhemos apenas uma e só apenas uma seqüência, a seqüência que nos pareceu emblemática, deixando de comentar outras importantes alegorias modernas utilizadas, como o relógio que organiza o trabalho, o sino que convoca os espíritos, o trabalho como danação, a imagem da rebelião das massas e tantas outras que compõem o corpo fílmico.
O filme de Lang é polêmico, uma composição visual que dispõe peça de uma alegoria e traz a forma de uma experiência estética. O filme apresenta uma cidade imaginária e a forma da composição de tal monumento. Ao inscrever Babel como chave de codificação do seu discurso sobre o moderno, Metrópolis introduz um movimento reflexivo sobre a problemática do monumento, a busca do espetacular envolvendo um diálogo com espaços arquitetônicos em grande escala. Compõe uma alegoria moral de inspiração bíblica tornando Babel, a construção de uma imagem desejável.

O acirrado debate que o filme provoca, merece algumas linhas a mais:


Embora não contemporâneos, os filmes de Griffith e Lang são dois exemplos extraídos de um contexto histórico que, desde o início do século até a Segunda Guerra, se definiu por uma competição acirrada, esforço de hegemonia nos mercados e exacerbação dos nacionalismos que transformou as Exposições Universais, ponto de celebração do progresso, em terreno de rivalidades entre os países da Europa e os Estados Unidos . (...) Os filmes em questão constituem dois projetos tipicamente babélicos, em termos de saga da produção, do resultado monumental e do desastre financeiro. Enquanto projeto explícitos de exibição de uma força, eles mostraram muito bem o contexto de competição em que se insere esse impulso em direção ao monumento enquanto afirmação de uma identidade, construção de uma imagem desejável.


O filme Metrópolis, encontra-se submerso num quadro de notório conflito de interesses e de ressentimentos, de rivalidades nacionais do período entre guerras, isto é o que esta na raiz de Metrópolis como superprodução high tech, analisa Xavier.

Devo finalizar essas brevíssimas notas apenas iniciadas. Ficaram muitos fios soltos o que me provoca uma imensa vontade de ao rever o filme, refletir mais sobre a corrente do expressionismo alemão no qual o filme encontra-se inserido.



Notas:
1. Ismail Xavier. A alegoria langiana e o monumental: a figura de Babel em Metrópolis. In: História e Cinema. Maria Helena Capelato [et al ] São Paulo: Alameda, 2007.
2. Ver em análises do filme Metrópolis, cf: Tom Gunning. The Films of Fritz Lang: allegories of vision and modernity. Londres: BFI Publishing, 2000.
3. Roger Dadoun. Metropolis: ville-mère, Mittler, Hitler. Revue Française de Psychanalse 1( 1974) e Andreas Huyssen. The Vamp and the Machine: Fritz Lang’s Metropolis in After the Great Divide: Modernism, Mass Culture, Postmodernism. Bloomington, Indiana University Press, 1986.