sábado, 27 de outubro de 2007

Guia de Cinema


Um mapa em construção: as obras primas do cinema.

Para esta postagem consultei como referência três publicações distintas. Devido à densidade e qualidade do material, terei por imposição de limitar-me a breves e sucintos comentários, restringindo-me aos primórdios do cinema. Se houver disposição e tempo para permanecer nesta trilha, seguirei, pelos anos trinta, noutra postagem. É prudente não fazer promessas, preciso dispor de tempo para locar, assistir e reassistir centenas de filmes que permanecem ainda inéditos e atuais.

A primeira publicação consultada, editada na França em 1987 e reeditada no Brasil em 1991, elaborada por Claude Beylie, foi divulgada pela Editora Martins Fontes( 1). A segunda, Eyewittness Companion: Film, editado em 2006 nos Estados Unidos e relançado no Brasil pela Jorge Zahar Editor recentemente, indicada na coluna do Caderno Mais da Folha de São Paulo como um dos dez melhores livros, um Guia Ilustrado sobre Cinema( 2). E, por último, um artigo sobre cinema divulgado na Revista Bravo de outubro de 2007, sobre o chamado novo cinema ou cinema do futuro.

Tenho como objetivo construir um mapa de estudo que permita selecionar, dentre inúmeras seleções de filmografias indicadas e escolhidas como as melhores de todos os tempos, aquelas que parecem indicativas de um modelo de cinema, por criar ou produzir uma revolução na sétima arte. Dizendo de outro modo, a intenção é selecionar uma filmografia que represente um marco na história do cinema, partindo de indicações dos que estão mais envolvidos com o métier, ou seja, estudando e pesquisando neste campo. Ou, mais diretamente, pretendemos localizar os melhores guias indicadores das melhores e mais relevantes obras do cinema. Dando início a este mapa, ainda em construção, trabalhamos com quadros elaborados a partir de sequências temporais, valorizando os critérios encontrados nas publicações indicadas: filmes-etapas que constituíram um marco na evolução da arte ou da técnica cinematográfica, produções aclamadas por um vasto consenso e que atestam o estado de espírito de uma época, expressão consideradas originais e subversivas de uma determinada época ou período.


Quadro I_ Diretores e Filmes_ 1895/1919
1895 Louis Lumiére. A chegada do trem na estação
1901 Ferdinand Zecc. História de um crime
1902 Georges Méliès .Viagem à Lua
1903 Edwin S. Porte. O grande roubo do trem
1908 Charles Le Bargy e André Calmette. O assassinato do duque de Guise
1914 Giovanni Pastron. Cabíria
1915 Cecil B. DeMille . Enganar e perdoar
1915 Louis Gasnier. Os mistérios de Nova York
1915 David Wark Griffith. Nascimento de uma nação
1915/16 Louis Feuillade. Os vampiros
1916 David Wark Griffith. Intolerância
1919 Robert Wiene O gabinete do doutor Caligari
Fonte: LES FILMS-CLÉS DU CINEMA, Paris ,1987.


Neste quadro, pode-se reconstruir a história do cinema segundo a presença de pioneiros que marcaram a sétima arte, seus filmes e suas engenhosas técnicas que contribuíram para fazer avançar a arte cinematográfica. Há vários e inúmeros estudos, pesquisas e análises fílmicas que permitem examinar mais detalhadamente esse período. Aqui, encontram-se em destaque: Louis Lumiére e David Griffith, este ultimo apresentado em dois filmes, Nascimento de uma nação e Intolerância.


Quadro II_Diretores e Filmes_1920/1930.
1921 Benjamin Christensen . A feiticeira através dos tempos
1922 Robert Flaherty . Nanook, o esquimó
1922 Friedrich Wilhelm Murnau . Nosferatu
1924 René Clair . Entreato
1924 Mauritz Stiller. A saga de Gösta Berling
1924 Erich Von Strohei . Ouro e maldição
1924 Raoul Walsh . O ladrão de Bagdá
1925 Serguei Mikhailovitch Eisenstein . O encouraçado Potemkin
1925 Henri Fescourt. Os miseráveis
1925 Charles Chaplin. Em busca do ouro
1925 Ewald André Dupont. Variedades
1926 Vsevolod Pudovkin. A mãe
1927 Friedrich Wilhelm Murnau . Aurora
1927 Clarence Brown . A carne e o diabo
1927 Buster Keaton e Clyde Bruckman . A general
1927 Fritz Lang. Metropolis
1927 Abel Grance . Napoleão
1928 Jean Epstein . A queda da casa de Usher
1928 Frank Borzage. O rio da vida
1928 King Vidor. A turba
1928 Carl Theodor Dreyer. O martírio de Joana d’Arc
1928 Paul Fejos. Solidão
1928 Victor Sjöström . Vento e Areia
1929 Marcel L’Herbier. O dinheiro
1929 Dziga Vertov. Um homem com uma câmara
1929 Georg Wilhem Pabst . Lulu
1929Luis Buñuel. Um cão andaluz
1930Aleksandr Dovjenki . A terra
Fonte: LES FILMS-CLÉS DU CINEMA, Paris, 1987.


Nos anos vinte houve uma intensa produção fílmica, sendo que nos últimos anos do período pode-se observar de cinco até seis filmes realizados por ano. Podemos observar, também, a presença de cineastas que se tornaram expressões de reconhecimento e mérito no cenário mundial: F. Murnau, Fritz Lang, Rene Clair, Serguei Eisensntein, Charles Chaplin, Luis Buñuel, entre outros. Alguns deles, apesar de importante marcos do cinema mudo, ficaram inteiramente desconhecidos, dentre várias dificuldades, entre elas, impedimentos na distribuição e circulação dos seus filmes, como é o caso, por exemplo, de O martírio de Joana d’Arc do dinamarquês Carl Theodor Dreyer, contribuíram para um completo desconhecimento de seus trabalhos.
Este último filme divulgado na Oficina de Introdução ao Cinema, coordenada por André Setaro, revela a maestria da linguagem cinematográfica do cinema mudo, além de mostrar a relevância da técnica em close para exprimir a narrativa fílmica.

Sobre o Guia Ilustrado, valeria examiná-lo. Os critérios de seleção dos filmes são distintos, tomam-se recorde de bilheteria como parâmetros para indicar os mais relevantes. Critérios polêmicos e discutíveis. Entretanto, há uma farta documentação ilustrada distribuída nas suas quinhentas e tantas páginas. Vale conferir.

E o novo cinema, o cinema do futuro na percepção dos articulistas da da Revista Bravo, isso é assunto para nova postagem. Sigamos.


Notas:
1. Claude Beylie. Professeur à l'Université de Paris-I, critique et historien de cinéma. Vice-président du syndicat français de la critique de cinéma, membre du jury du Prix Louis Delluc, fondateur de la Cinémathèque Universitaire. Acollaboré à de nombreuses revues de cinéma et publié une vingtaine d'ouvrages. De 1977 à 1991, a été rédacteur en chef de l' "Avant-Scène Cinéma".http://www.editionsducerf.fr/html/fiche/ficheauteur.
O livro do Claude Beylie encontra-se esgotado. Há um exemplar do Professor André Setaro, que gentilmente colocou-o à disposição, para consulta
.

2. Guia Ilustrado Zahar Cinema. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2007.

sábado, 20 de outubro de 2007

Cinema Clássico II


Que Viva México de Sergei Eisenstein!

Nos anos 80 e 90 o cinema revolucionário soviético visitou algumas salas de aula da academia universitária. De uma delas falo com mais intimidade, uma vez que por longo tempo acompanhei como docente os Cursos de Graduação na Área das Ciências Humanas. Nestas salas de aulas aprendemos a valorizar e entender que a linguagem cinematográfica oferecia um suporte importante para fundamentar a teoria sociológica, de melhor operar a complexidade de seus conceitos e abordagens aplicados às diferentes formações sociais.


Sergei Eisenstein (1898-1948) e sua obra nos brindaram com algumas sessões, provavelmente nem tão bem traduzidas e contextualizadas, porém com imagens tão verdadeiras e poéticas que valeria trazer mais uma vez, menos como saudosismo de um tempo perdido, mais como base para somar-se a um conhecimento atual e moderno do cinema contemporâneo.


Um apaixonado pelo cinema, assim ele se apresenta em Anotaciones de um Director de Cine. Porém, ligado à visão de cinema combativo, testemunho de compromissos com uma ordem social, guiado pelo princípio da utilidade revolucionária da arte.


La Idea de La paz general no pode ser sufocada por La egolatria y El egoísmo de certos países y Estados que se hallan dispuestos a pisotear el bienestar general em aras de la própria avidez. El cine­­­_la más avanzada de las artes­­­_deberá ser también el más avanzado em esa lucha. Que muestre pues a los pueblos la via de la solidariedade y la unanimidad por la que hay que moverse y marchar( 1).


Não esqueçamos que Eisenstein pertenceu a uma geração de artistas que recebeu influências das vanguardas européias do início do século e participou do desabrochar de um movimento cinematográfico inovador que contribuiu para revolucionar as técnicas de cinema da União Soviética e do mundo, aperfeiçoando e desenvolvendo a técnica da montagem.


La hermosa palabra “montaje” significa la acción de armar algo. La palabra, si bien todavia, no se puso de moda, tiena todas las condiciones em potencia para transformar-se em corriente( ...) Así aparece el término “montaje de atracciones”( 2).


Seu cinema sofreu reflexos das transformações no cenário político da União Soviética e da atmosfera de controle e submissão ao Estado, em que os cineastas não podiam escolher os temas de seus filmes e seus projetos de trabalho eram submetidos à apreciação do Partido, cada roteiro tinha que ser analisado por repartições de censura antes de ser liberado e a equipe de produção muitas vezes indicadas por burocratas segundo critérios “políticos rasteiros” (3).


Sua filmografia é por demais conhecida, dentre os principais, destaca-se A greve (1924), O Encouraçado Potekin ( 1925), Outubro ( 1927), A Linha Geral ( 1929), Que Viva México ( 1931) inacabado; O Prado de Bezhin( 1935) inacabado; Alexandre Nevski ( 1938); Ivã, O terrível ( 1944-1945) em duas partes.


E Que Viva o México!


Em Maio de 1930, Eisenstein realiza uma viagem à Europa e à América do Norte com intenção de estudar o cinema sonoro e, certamente, livrar-se das pressões políticas que estava submetido. Dentre os trabalhos deste período, consta o projeto recusado de realizar um filme para a Paramount intitulado “Uma tragédia americana”, que segundo determinados estudiosos, mostrava-se não adequado à realidade do cinema americano.


Diz-se, também, que encorajado por Robert Flaherty e Diego Rivera começou a trabalhar em "Que viva México", sendo convidado por um político americano, candidato ao governo da Califórnia, para realizar o filme em dezembro de 1930, com fundos de Upton Sinclair. O filme pretendia resgatar a história daquele país das suas origens até a atualidade.


Consta que este projecto, que prometia tornar-se o mais importante e ousado do cineasta, salvo não tivesse um desfecho trágico por razões financeiras, chegou a ser parcialmente cancelado. Embora lhe tenha sido dito que o material filmado seria enviado para Moscou para ser montado, nunca chegou a ser visto de novo.


Eisenstein além de não ter acesso ao material filmado teve muitos problemas com a indústria cinematográfica, controlada por Boris Choumiatsky. Mediante os diversos cerceamentos ao seu trabalho, sofre de problemas de depressão nervosa (4).


Apesar de tantos impasses na história da montagem do filme, Que Viva o México revisto hoje, nos oferece imagens de tanta beleza e emoção que permanece como um clássico de um cinema construído sob o jugo do autoritarismo que vai além da dominação ideológica pela sua força de sentimentos e criação.


Alcino Leite Neto expressa uma idéia com a qual sintonizamos quando diz: A visão dos filmes de Eisenstein depois do fim da URSS (União das Repúblicas Soviéticas) e do colapso do comunismo coloca ao espectador, sem dúvida, um problema de ordem ideológica. Ele foi um dos grandes realizadores da propaganda comunista soviética. As imagens, no entanto, são tão belas e comoventes, a elaboração tão grandiosa, a invenção plástica tão rica que espectador nenhum fica insensível a elas.


Notas:
1. Serguei Eisenstein. Anotaciones de um Director de Cine. Editorial Progresso Moscu. Traducido del russo por Vicente E. Pertegaz. 1944.
2. Sergei Eisenstein, p.39.
3. Cf. Revolução e Contra-Revolução na trajetória de Eisenstein de Cristiane Nova. Texto extraído de site em internet.
4. Cf. idem.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Conversas Sobre Cinema: Pensatas
















Temos o imenso prazer de postar hoje um bate-papo sobre cinema.
Escolhemos o Jonga Olivieri http://jongas.blogspot.com/ que foi-nos apresentado através do blog do Andre Setaro. Jonga, de forma simpática e bem-humorada, tem escrito suas opiniões e idéias sobre as postagens que venho fazendo sistematicamente aqui neste blog, contribuindo para melhor estudo das relações entre cultura e política tomando como referência o cinema.

Enviei as perguntas e êle gentilmente as respondeu, antes porém disse: Na verdade, o André sabe muito mais de cinema do que eu. Nem se compara! Sou um curioso. Uma formiguinha diante dele. Sei alguma coisa e pesquiso sobre o assunto. Amo mesmo o assunto. Mas é que o Setaro é uma das pessoas que mais conhecem (e compreendem) cinema em toda a sua extensão neste país. Eu sempre digo pra ele, que ocupou a (competente) cadeira de Walter da Silveira. Você é feliz de estar freqüentando esta Oficina por ele organizada. Garanto que vai sair de lá sabendo muito mais que eu...

Um novo cinema, é possível? Escrevendo um ensaio em 1995, Susan Sontag, diz: Os cem anos do cinema parecem ter a forma de um ciclo de vida: um nascimento inevitável, o contínuo acúmulo de glórias e, na última década, o início de um declínio irreversível e degradante. Mas, profecia (...) se o cinema puder ser reestruturado, o será apenas mediante o nascimento de um novo tipo de amor ao cinema.

Pensar o cinema hoje, dialogar para encontrar as possibilidades de sua reestruturação, sem pretensão de encontrar todas as saídas para os labirintos em que está submerso, porém buscando dialogar, pelo menos isso, com os que dizem amar a sétima arte.

Blog: O que significa cinema para você?

Pensatas: Cinema é arte, entretenimento. Cinema é cultura, antes de mais nada. Conhecer cinemas de outros países é conhecer como vivem, o que pensam. É uma expressão universal de fácil assimilação.

Blog: Quais os seus melhores filmes ? eles influenciaram suas idéias?

Pensatas: São tantos e tão difíceis de enumerar e citar. “Cidadão Kane”, poderia ser um que foi muito marcante. O lado emocional infuencia, e muito. Quando assisti “O cão andaluz” e “A idade do ouro” em uma sessão única no MAM do Rio de Janeiro, foi uma emoção tão forte, que somente quando os revi, anos depois, pude observar detalhes com mais atenção. Mas, autores são determinantes. Fellini, Resnais, Glauber, Visconti, Bergman, são diretores que deixaram marcas, não só em mim, mas em todos os que gostam da sétima arte.
Quanto a influenciar idéias, sempre ajudam. Todos esses autores são humanistas, todos pensam (ou pensavam) na intimidade, no social. Cada um a seu modo, mas pensavam. Tiveram que deixar alguma contribuição ao pensamento. Sem dúvida nenhuma.

Blog: Qual a função do cinema na contemporaneidade ? A sétima arte tem um papel importante no mundo? Qual?

Pensatas: O cinema atravessa um período de crise. Uma crise de entressafra. Capito? A tecnologia, o computador, certas facilidades o estão colocando contra a parede. Muito de sua linguagem e gramática, estão sofrendo uma ruptura. Será bom? Será ruim? Só o tempo pode dizer. Aquilo que para mim é “subversivo”, posso estar achando porque não estou conseguindo assimilar mudanças muito rápidas e radicais.
O ser humano tem a tendência de estabelecer critérios que podem lhe ser uma limitação. Mais ainda: uma camisa de força. Por isso, ao ver toda esta mudança no cinema eu paro pra pensar, observar. E, por enquanto não concluir nada. Mais uma vez, só o tempo poderá depurar, filtrar o que é bom e o que é ruim do que está acontecendo.
Quando você pergunta sobre a importância do cinema no mundo, eu digo que é só olhar ao nosso redor. Está certo que a televisão hoje, até mais do que o cinema nos leva a qualquer lugar, naquele instante, ao vivo e a cores. Mas o cinema tem uma nobreza que a TV ainda não tem. Digo ainda, porque a HDTV vai transformar muito este cenário. Lembro-me de ter lido, há mais de quinze anos atrás, que no “futuro” íamos assistir filmes transmitidos por satélites simultaneamente para todo o mundo. Na época eram palavras que soavam a um visionário. E hoje? Alguém duvida?

Blog: Quais os principais problemas do cinema hoje?

Pensatas: Exatamente, como disse um pouco na resposta anterior. Tem que evoluir. Tem que depurar. Tem que filtrar o que é bom e o que não é nas inovações tecnológicas que vão aparecendo. Foi assim com o advento do som. Foi assim com a cor, com o cinemascope. É assim com a tecnologia digital. No início tem o deslumbramento da descoberta. O exagero dos modistas. Agora, sem sombra de dúvida um problemaço é o desaparecimento de grandes diretores sem que apareçam outros tão bons quanto eles. É necessário que surjam. É premente que apareçam. E eu não os vejo... isto é preocupante demais.

Blog: O que você considera os maiores perigos e as maiores possibilidades da indústria cinematográfica hoje?

Pensatas: Cair na tentação do “tecnicismo” barato. Enveredar pelos caminhos mais simples do simplesmente apertar botões. Não renovar sua “inteligentsia”, acomodando-se no marasmo de produções tolas, idiotas, barulhentas e vazias. O cinema é um fenômeno da cultura de massas. Ou foi. Porque hoje, as salas são cada vez menores, o público cada vez mais desatento à função real da cinematografia. Fruto da alienação predominante no capitalismo ‘pós-moderno” em que vivemos.


P.S. Continuaremos o diálogo com estudiosos(as) da sétima arte, iniciado nos seminários on line e pretendendo continuidade, com mais sistemática e seriedade, sem distinção de escolas e vertentes, com os que amam e se interessam pela linguagem e produção cinematográfica.
Salvador, outubro de 2007.

sábado, 6 de outubro de 2007

Clássicos do Cinema


A obra de Carl Theodor Dreyer: breves anotações.

Sem dúvida, a oportunidade de conhecer os filmes do diretor de cinema dinamarquês Carl Theodor Dreyer associado aos comentários críticos do André Setaro, permitem uma investigação mais aguçada e instigante sobre este diretor e sua obra cinematográfica. Com as chaves destas indicações, consultamos os dados disponíveis no curto tempo que dispomos na Oficina de Introdução ao Cinema. O que segue são breves notas desta caminhada ainda em construção (1).

Carl Theodor Dreyer (1889-1968) tem sido apresentado nos textos consultados, como um diretor voltado para a temática da religiosidade, da espiritualidade e da redenção. A densidade de sua obra localiza-se, principalmente, nos anos 20, embora exista certa continuidade na sua produção que se finda em 1964, com a realização de Gertrud. Os dados disponíveis da sua biografia assinalam seu processo de adoção por uma família dinamarquesa luterana, tendo recebido o nome do seu pai adotivo e sido fortemente marcado pelas heranças familiares. Ocupou funções em antigos e importantes jornais da Dinamarca (Berlingske Tindende e Politiken) realizando seu primeiro filme aos vinte e nove anos (The president, 1919).

Tomemos o filme A paixão de Joana D’Arc (La Passion de Jeanne D’Arc, 1928) nas palavras do seu próprio autor. Seu interesse pelo tema da virgem de Orleans relacionava-se ao processo de canonização de Joana D’Arc, em 1920, na França, e a possibilidade de acesso ao material histórico, embora, diz ele, Anatole France e Bernard Shaw tiveram também o mesmo interesse pela virgem. Sabia da demanda que comportava um projeto desta natureza, das incursões que teria que realizar para mover-se pelo período renascentista. Foi preciso reconstruir processos, estudar os documentos, mas pareceu-lhe que a dimensão temporal não era o grande dificultador. Diz ele: Eu quis interpretar o sagrado para o triunfo da alma sobre a vida (2).

Com este propósito, a escolha da técnica em close-ups pareceu-lhe o caminho mais fértil. O close-up como instrumento para facultar ao espectador adentrar-se nas expressões reveladoras dos personagens e, assim, poder captar seus espíritos. Alcançar a verdade a ser dita, ou seja, evidenciar o processo de beatificação. A técnica dispensava as maquiagens habituais e glamorizações. My actors were not allowed to touch makeup and power puffs (3).

Renée Marie Falconetti (1892-1946) foi a escolhida para o papel de Joana D’Arc. Há que se reconstruir ainda a biografia desta artista. Sabe-se que trabalhou como comediante em palcos de teatro antes de ter sido convidada para o que viria a ser seu único filme. Encontra-se disponível em DVD, em locadora na cidade, entrevista sobre passagens de sua trajetória em que menciona a radicalidade do método de obter tamanha expressividade. Para Dreyer, porém, Falconetti com a sua corajosa Joana D’Arc, conseguiu exprimir o que chamou de “the martyr’s reincarnation”.

A obra de Dreyer merece ser mais investigada. Para André Setaro sua temática centrada no ser humano, observa valores voltados para a tolerância, a bondade, o sofrimento, o amor e a pureza espiritual, enfatizando os aspectos da fé e da relação do homem com Deus. Sua técnica narrativa construída pela herança do expressionismo alemão e principais criadores do cinema soviético, traz uma marca própria e inigualável evidenciada, principalmente, após o filme A paixão de Joana D’Arc.

Finalizando, devo dizer que já escrevi neste blog brevíssimo texto sobre o impacto do filme quando da sua primeira exibição nesta tela do meu computador. Como bem próprio de iniciantes querendo expressar seus comentários sobre o observado, somente agora pude perceber o quanto me escapou da técnica narrativa, observação que se constrói a medida do paciente e cuidadoso envolvimento com a linguagem cinematográfica.


Notas:
(1) Dor e Beleza em Carl Theodor Dreyer por André Setaro. Texto divulgado na Oficina de Introdução ao Cinema. Outubro de 2007.
(2) The passion of Joan of Arc. Essay by Carl Theodor Dreyer. Reprinted by permission of the Danish Film Institute, Copenhagen, Denmark, 2000.
(3) Idem.
Acima, cena de La passion de Jeanne D'Arc, 1928.