segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Fórum Social Mundial Temático-Bahia

Tempo de Curso de Cinema, em realização, com películas selecionadíssimas e chance de conversar com o crítico de cinema, André Setaro, que merece o título do ofício pois além de conhecer o métier é um apreciador original da sétima arte. Como não consegui ainda assistir todo o material selecionado deixarei para postar sobre o assunto mais adiante. Por hora, transcrevo a matéria de ontem da secção de tendências e debate da FSP. E aqui registro, também, minha perplexidade: nenhuma palavra e sobre a construção do Fórum Social Mundial Temático-Bahia, a ser realizado em 29,30 e 31 de janeiro de 2010.


TENDÊNCIAS/DEBATES

Fórum Social Mundial, 10 anos
ODED GRAJEW


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Ante as graves ameaças do nosso modelo de produção e consumo, "um outro mundo possível" é cada vez mais "necessário e urgente"
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NO ANO 2000, o neoliberalismo estava no seu auge. Dizia-se até que havíamos chegado ao fim da história. Teríamos encontrado o modelo ideal de sociedade, em que as forças do mercado, liberadas de qualquer controle governamental ou social, levariam o mundo à prosperidade, ao bem-estar e à paz.
O Fórum Econômico Mundial, o grande propulsor dessa ideologia, acolhia o ex-presidente argentino Carlos Menem com todas as honras e elegia suas políticas como exemplares a serem seguidas por todos os países em desenvolvimento. Os críticos do modelo eram tratados como retrógrados que só sabem criticar, sem apresentar propostas alternativas.
Foi nesse ambiente que tive a ideia de criar o Fórum Social Mundial (FSM) para, em contrapartida ao Fórum Econômico Mundial, denunciar os enormes riscos que o neoliberalismo representava para a humanidade, dar visibilidade a propostas alternativas e criar um espaço auto-organizado em que a sociedade civil, em nível local e global, pudesse se encontrar, promover atividades e se articular, ganhando força política e social para empreender suas ações.
Graças ao empenho de um grupo de militantes e organizações brasileiras e internacionais e com o apoio dos governos de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul, viabilizou-se na capital gaúcha, em janeiro de 2001, o primeiro encontro mundial.
De lá para cá, muita coisa aconteceu. As sucessivas crises econômicas, a proliferação de guerras e conflitos, o aumento da concentração de renda e da desigualdade social e a degradação ambiental fizeram ruir a crença na ideologia neoliberal.
O lema adotado no FSM, "um outro mundo é possível", encheu de esperança milhões de pessoas que, movidas pelo desejo de mudança, conseguiram alterar o quadro político de muitos países, a começar pela América Latina e, recentemente, nos EUA.
A metodologia adotada no FSM propiciou a todas as organizações e pessoas que comungam com a carta de princípios a oportunidade de organizar livremente suas atividades e poder se juntar aos que se dispõem a declarações e ações conjuntas.
A promoção da diversidade, um dos pilares da carta de princípios, fez cada organização e cada cidadão se sentir valorizado. Ninguém é mais importante que o outro, nenhum tema tem a precedência. O "outro mundo possível", onde a solidariedade e a cooperação superam a competição e o conflito, foi aplicado na nossa metodologia.
Foi assim que o FSM ganhou o mundo. Fóruns globais e inúmeros fóruns locais, nacionais, continentais e temáticos se espalharam em todos os continentes.
Organizações sociais aproveitaram o espaço aberto e a metodologia para formar parcerias e criar redes, o que viabilizou inúmeras iniciativas políticas, sociais e ambientais. Os encontros, os fóruns, se tornaram momentos dentro de um amplo processo, o processo FSM, que se desdobra ao longo dos dias anteriores e posteriores aos eventos.
Para celebrar os dez anos do FSM, um grupo de organizações que participaram desde o início teve a ideia de realizar, em janeiro de 2010, um grande encontro para uma reflexão sobre essa última década, mas, principalmente, para elaborar propostas para o futuro do processo. Nada seria mais simbólico do que voltar ao berço do primeiro fórum: Porto Alegre.
Das conversas com as organizações sociais locais, que foram fundamentais na realização dos primeiros fóruns, nasceu a ideia de envolver as cidades da Grande Porto Alegre na realização do evento.
Foi assim que nasceu o Fórum Social 10 Anos, a ser realizado de 25 a 29 de janeiro de 2010 nas cidades de Porto Alegre, Canoas, Campo Bom, Novo Hamburgo, São Leopoldo, Sapiranga e Sapucaia do Sul. Além das atividades auto-organizadas que serão realizadas nessas cidades, haverá um grande seminário internacional que juntará lideranças sociais e políticas numa reflexão sobre o processo FSM.
Em 2000, o nosso desafio era desmistificar e denunciar o modelo neoliberal, mostrando que "um outro mundo é possível". Em 2010, diante das reais e graves ameaças representadas pelo nosso modelo de produção e consumo, pela imperiosa necessidade de implementarmos um desenvolvimento justo e sustentável, "um outro mundo possível" se torna cada vez mais "necessário e urgente". Esse é o desafio que está sendo colocado para nós e para todos os que estarão na Grande Porto Alegre durante o Fórum Social 10 Anos.

ODED GRAJEW, 65, empresário, é um dos integrantes do Movimento Nossa São Paulo. É também membro do Conselho Deliberativo e presidente emérito do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. É idealizador do Fórum Social Mundial e idealizador e ex-presidente da Fundação Abrinq. Foi assessor especial do presidente da República (2003).

domingo, 8 de novembro de 2009

ZORBA, O GREGO

Reproduzo, a seguir, o texto de Contardo Calligari publicado na Folha de São Paulo, 05 de novembro de 2009. A sugestão inspirada do Calligari para as furiosas turbas merece ser escutada por todas as instituições, especialmente as educativas. Uma sessão de Zorba_ o grego ( filme dirigido por Michael Cacoyannis que tem Antonhy Quinn como personagem central) com sua visão humanista, de respeito às diferenças, em direção à vida. Rever Zorba e não esquecer de contemplar a poética de uma narrativa que se mantém viva e atual.

A turba da Uniban

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As turbas têm um ponto em comum: detestam a ideia de que a mulher tenha desejo próprio
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NA SEMANA passada, em São Bernardo, uma estudante de primeiro ano do curso noturno de turismo da Uniban (Universidade Bandeirante de São Paulo) foi para a faculdade pronta para encontrar seu namorado depois das aulas: estava de minivestido rosa, saltos altos, maquiagem -uniforme de balada.
O resultado foi que 700 alunos da Uniban saíram das salas de aula e se aglomeraram numa turba: xingaram, tocaram, fotografaram e filmaram a moça. Com seus celulares ligados na mão, como tochas levantadas, eles pareciam uma ralé do século 16 querendo tocar fogo numa perigosa bruxa.
A história acabou com a jovem estudante trancada na sala de sua turma, com a multidão pressionando, por porta e janelas, pedindo explicitamente que ela fosse entregue para ser estuprada. Alguns colegas, funcionários e professores conseguiram proteger a moça até a chegada da PM, que a tirou da escola sob escolta, mas não pôde evitar que sua saída fosse acompanhada pelo coro dos boçais escandindo: "Pu-ta, pu-ta, pu-ta".
Entre esses boçais, houve aqueles que explicaram o acontecido como um "justo" protesto contra a "inadequação" da roupa da colega. Difícil levá-los a sério, visto que uma boa metade deles saiu das salas de aula com seu chapéu cravado na cabeça.
Então, o que aconteceu? Para responder, demos uma volta pelos estádios de futebol ou pelas salas de estar das famílias na hora da transmissão de um jogo. Pois bem, nos estádios ou nas salas, todos (maiores ou menores) vocalizam sua opinião dos jogadores e da torcida do time adversário (assim como do árbitro, claro, sempre "vendido") de duas maneiras fundamentais: "veados" e "filhos da puta".
Esses insultos são invariavelmente escolhidos por serem, na opinião de ambas as torcidas, os que mais podem ferir os adversários. E o método da escolha é simples: a gente sempre acha que o pior insulto é o que mais nos ofenderia. Ou seja, "veados" e "filhos da puta" são os insultos que todos lançam porque são os que ninguém quer ouvir.
Cuidado: "veado", nesse caso, não significa genericamente homossexual. Tanto assim que os ditos "veados", por exemplo, são encorajados vivamente a pegar no sexo de quem os insulta ou a ficar de quatro para que possam ser "usados" por seus ofensores. "Veado", nesse insulto, está mais para "bichinha", "mulherzinha" ou, simplesmente, "mulher".
Quanto a "filho da puta", é óbvio que ninguém acredita que todas as mães da torcida adversa sejam profissionais do sexo. "Puta", nesse caso (assim como no coro da Uniban), significa mulher licenciosa, mulher que poderia (pasme!) gostar de sexo.
Os membros das torcidas e os 700 da Uniban descobrem assim um terreno comum: é o ódio do feminino -não das mulheres como gênero, mas do feminino, ou seja, da ideia de que as mulheres tenham ou possam ter um desejo próprio.
O estupro é, para essas turbas, o grande remédio: punitivo e corretivo. Como assim? Simples: uma mulher se aventura a desejar? Ela tem a impudência de "querer"? Pois vamos lhe lembrar que sexo, para ela, deve permanecer um sofrimento imposto, uma violência sofrida -nunca uma iniciativa ou um prazer.
A violência e o desprezo aplicados coletivamente pelo grupo só servem para esconder a insuficiência de cada um, se ele tivesse que responder ao desejo e às expectativas de uma parceira, em vez de lhe impor uma transa forçada.
Espero que o Ministério Público persiga os membros da turba da Uniban que incitaram ao estupro. Espero que a jovem estudante encontre um advogado que a ajude a exigir da própria Uniban (incapaz de garantir a segurança de seus alunos) todos os danos morais aos quais ela tem direito. E espero que, com isso, a Uniban se interrogue com urgência sobre como agir contra a ignorância e a vulnerabilidade aos piores efeitos grupais de 700 de seus estudantes. Uma sugestão, só para começar: que tal uma sessão de "Zorba, o Grego", com redação obrigatória no fim?
Agora, devo umas desculpas a todas as mulheres que militam ou militaram no feminismo. Ainda recentemente, pensei (e disse, numa entrevista) que, ao meu ver, o feminismo tinha chegado ao fim de sua tarefa histórica. Em particular, eu acreditava que, depois de 40 anos de luta feminista, ao menos um objetivo tivesse sido atingido: o reconhecimento pelos homens de que as mulheres (também) desejam. Pois é, os fatos provam que eu estava errado.

ccalligari@uol.com.br