quinta-feira, 29 de abril de 2010

Andrei Tarkovski






















Continuando a leitura do Andrei Tarkovski, reproduzo do seu filme STALKER, a ótica interpretativa de Slavoj Zizek. Uma forma que encontrei para criar um diálogo com as categorias e conceitos esboçados por Zizek, foi tentar confrontar com outras leituras interpretativas, mas ainda me pareceu um percurso incompleto. No momento ainda não disponho de todos os elementos da narrativa cinematográfica deste realizador, um trabalho que tecerei aos poucos e na medida em que dispuser de pontos de referências, ainda não concluídos. Do meu ponto de vista, o desafio de aceitar a provocação ainda inconclusa põe-me em terreno pedregoso, porém aproxima-me de um modus operandi que só poderei avançar se me dispuser a enfrentar os riscos da caminhada. Segue extratos do texto.


STALKER
(...) outra obra prima de fição científica de Tarkovski, fornece o contraponto para essa Coisa demasiado presente: o vazio de uma zona proibida. Numa região cinzenta e anônima, um lugar conhecido como a zona foi visitado vinte anos antes por uma entidade estranha e misteriosa ( meteorito, alienígenas...) que deixou resíduos. Acredita-se que as pessoas que penetram nessa zona, isolada e vigiada por guardas armados, desapareceram. os stalkers são aventureiros que, mediante um pagamento adequado, conduzem as pessoas à zona e à misteriosa câmara no coração dessa, na qual nossos desejos mais profundos são supostamente satisfeitos. O filme conta a história de um stalker - um homem comum com mulher e uma filha deficiente que tem o poder sobrenatural de mover objetos à distância-, que leva à zona dois intelctuais, um escritor e um cientista. Quando finalmente chegam à câmara, eles, por falta de fé, não conseguem formular seus desejos, enquanto o stalker, por seu lado, parece obter uma resposta para seu desejo de melhora da filha.

(...) Os próprios stalkers são apresentados fundamentalmente como personagens aventureiros; não como indivíduos devotados a uma busca espiritual tormentosa, mas como rapinadores que preparam expedições de pilhagem, tal como os árabes organizavam incursões nas pirâmides- outra Zona- para ocidentais ricos. E, de fato, as pirâmides não seriam, de acordo com a literatura científica popular, vestígios de uma inteligência extraterrestre? Assim, a Zona não é um espaço fantasmático puramente mental onde encontramos ( ou no qual projetamos) a verdade sobre nós próprios, mas ( como Solaris no romance de Lem) a presença material, o Real de uma alteridade absoluta incompatível com as regras e leis do nosso universo.

(...) Em Stalker, tal como em Solaris, a "mistificação idealista" de Tarkovski consiste no fato de ele recuar perante essa alteridade radical da Coisa sem sentido e reduzir o encontro com a Coisa à "viagem interior" em direção à nossa vontade.

(...) Para um cidadão da defunta União Soviética, a noção de uma zona proibida suscita ( pelo menos) cinco associações. A zona é: (1) o gulag, isto é, um território prisonal isolado; (2) um território envenenado ou tornado inabitável por qualquer catástrofe tecnológica ( boquìmica, nuclear...)como Chernobil; (3) a área exclusiva onde vive a nomenklatura; (4) um território estrangeiro de acesso proibido ( como Berlim ocidental inserida em plena RDA); (5)uma área atingida por um meteorito ( como Tunguska, na Sibéria). A questão é que, evidentemente, a pergunta: "Então, qual é o verdadeiro significado da zona?" é falsa e enganadora. De fato, o que caracteriza o que existe para lá do limite é a própria indeterminação, e existem diferentes conteúdos positivos que podem preencher o vazio.

Stalker é um bom exemplo dessa lógica paradoxal do limite que separa nossa realidade cotidiana do espaço fantasmático. Em Stalker, esse espaço fantasmático é a misteriosa "zona", o território proibido onde o impossível acontece, onde os desejos secretos se concretizam, onde podemos encontar dispositivos tecnológicos ainda não inventados em nossa relaidade de todos os dias etc. Numa leitura materialista de Tarkovski, temos de insistir no papel construtivo do limite. Com efeito, essa zona misteriosa é efetivamente idêntica a nossa realidade comum; o que lhe confere a aura de mistério é o próprio limite, isto é, o fato de a zona ser considerada inacessível, proibida.



Tenho a impressão de que como provocação, para uma leitura interpretativa do filme, enuncia-se o percurso que Zizek pretende expor para realizar seu ensaio sobre Andrei Tarkovski, especificamente, sobre os filmes Solaris, Nostalgia, O Sacrifício, e, finalmente, Stalker. Sua analise averigua como o tema da Coisa apareçe dentro do espaço diegético da narrativa cinematográfica tomando como referência Jacques Lacan que define a arte a partir de sua relação com a Coisa: em seu seminário A Ética da Psicanálise. Lacan afirma que a arte enquanto tal está sempre organizada em torno do Vazio central da Coisa impossível-real. Lembra Zizek que esta afirmação deve ser interpretada como uma variação da velha tese de Rilke segundo a qual a beleza é o último véu que cobre o horrível.

Vou parar por aqui, tenho a impressão que encaminhei, só e somente, um longo percurso de conversas sobre o tema. E melhor ainda, outras interpretações possíveis sobre os inquietantes e provocadores filmes do cineasta russo Andrei Tarkovski. Vamos indo, sabemos que para dar conta, há de se caminhar mais, sempre mais.

6 comentários:

Anônimo disse...

Stela, a parte escrita por Zizek sobre o filme de Tarjovski é fascinante, estimula mais lê-lo (Zizek) e ver o filme citado. E rever Solaris. Vc tem copia? Para meus trabalhos de Metodologia valem como critica a leitura empirista de representações do real a critica de Zizek a uma analogia entre a Coisa e o Gulak e a ênfase nos paroxismos.
Já seus comentários me escapam pois parece q você tem leitura q não tenho então não me atrevo. Como Lacan q me atrai pelos escritos de Deleuse, Guatari e Teresa de Lauretis q muito o usam mas q qdo o fazem o deconstroi para leitores não iniciados em Lacan.
Se o problema não for só meu, mas se estenda sobre o seu comentário final em q faz referencia a Lacan q faz referencia a Real arte e a Coisa e o q é espaço diegetico? Ab.

Enviado de meu iPhone Mary Garcia Castro

Stela Borges de Almeida disse...

Tenho não só a cópia do Solaris como o Dossiê Tarkovski, uma série de quatro DVD's com entrevistas, depoimentos dos atores e colaboradores do poeta e cineasta, material fundante não só aos iniciantes, mas para os que querem entender/comtemplar a obra do poeta e cineasta. Sobre o comentário final, toda síntese pressupõe desdobramentos que requerem tempo e espaço para a exposição da teoria ( em se tratando do uso da teoria de Jacques Lacan, como o faz Zizek). Apenas reproduzi, sem aprofundamento e, provavelmente, simplificando algo que é complexo, mas adverti que estava disposta a correr o risco uma vez que provocava respostas de interesse na temática. Pelo que percebi, deu certo a estratégia, fico contente em aceitar o convite para o debate nas aulas de Metodologia Científica, espaço mais amplo para a teoria. Quanto a Diegese é um conceito que diz respeito a narratologia, relacionado a estudos literários, dramaturgicos e de cinema, designa um conjunto de ações que formam uma história narrada segundo certos princípios. Zizek convive com os estruturalistas franceses boa parte de sua formação, dialoga com esta tendência e inclusive defende uma tese sobre "a Relevância práti
ca e teórica
do estruturalismo francês". Pelo que percebo há espaço para continuidade desta vertente de estudos, começarei pelo Dossiê Tarkovski, com breves drops, vamos ver se teremos fôlego. As vêzes morremos na praia...

Stela Borges de Almeida disse...

Enviei essa postagem para vinte amigos(as) que apreciam cinema. Preferiram responder por e-mail com os mais deferentes argumentos de apreciação. Nenhuma indeferença, porém não manifestaram interesse, digamos assim, de amantes da sétima arte. Contudo, alguns se interessaram em incluir em suas disciplinas de pós-graduação debates específicos sobre a filmografia em destaque. São professores de pós-graduação, Mary, Menezes e Pedro, todos eles marxistas históricos e apreciadores da arte. Um excelente itinerário de estudos e pesquisas. Vamos que vamos.

Obs. Os meus amigos críticos de cinema não responderam, não sei o que houve, senti muito a ausência mas desconfio que Andrei Tarkovski não os motivou ao diálogo de sempre.

Jonga Olivieri disse...

Bate de forma redonda com o que penso sobre Tarkovski.
Ela foi um "profeta do caos". Um profeta do absurdo que foi a URSS como uma sociedade que jamais existiu da forma que se propôs.
Como em "Dr Jivago", quando Pasternak apresenta o irmão de Jivago (No filme, Alec Guiness), onde as máscaras caem e a conversa beira a uma "crua" realidade.
Não conheço "Zizek", o filósofo esloveno que muito colaborou quanto ao filme "Stalker" (1979) de Tarkovski. Vou procurar no "Estação Botafogo" que tem tudo... Quem sabe o encontro, pois sinto-me desprovido de qualquer embasamento para uma discussão. Apesar de grandes contribuições que você deu no seu artigo.
O fato é que é um filme posterior ao excepcional "Solaris" (1972).

Valdeck Almeida de Jesus disse...

Oi, Stela, dei uma olhada no seu blog... Bacana...
Voltarei com mais tempo, viu???

Abraços.

Valdeck Almeida de Jesus
Escritor e Poeta
www.galinhapulando.com

Unknown disse...

Olá, sou Bruno Spoladore, psicanalista lacaniano e apaixonado pela obra de tarkovsky. Gostei do texto apresentado. Acredito ser um início de uma discussão mais profunda. O que entendi é que o zizek utiliza do conceito de Real e imaginário (principios da teoria de lacan) para articular com a nocão de falta do objeto, que, supostamente causaria o desejo. Por este objeto nao existir, ou nunca ter existido a fantasia vem fazer frente a este vazio, ao simbolizar em linguagem através da fantasia imaginária, o tarkovsky ao se defrontar com o real (aquilo que não é possivel de simbolizar pela linguagem) recua. Ao se defrontar com o impossível de simbolizacao ele delira, o imaginário se sobrepõe, ou seja, este seria o recuo afirmado pelo zizek?
Gostaria de colocar que zizek nao vai pelo mesmo caminho de deleuze, ele não é empirista, lacan também não.