quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Seminários Online


Cinema, Educação e Política.

Setembro de 2005, Pátio do Goethe-Institut.
Dentre projetos de trabalho e estudos, a decisão de participar dos Seminários On-Line, voltado para a História e Teoria do Cinema Alemão. Os Seminários On-Line promoviam condições para os cinéfilos amadores, no meu caso, possibilidades de participação numa agenda a construir, demarcado, também, pela qualidade das informações disponíveis para consulta no site e na biblioteca da instituição. Uma experiência de utilização da web como instrumento de conhecimento e de debate, disponibilizando aulas virtuais para reflexões, formulação de conceitos e análises sobre os mais destacados representantes do cinema alemão sugerindo condições de intercâmbio e debate entre os participantes e divulgação de textos e idéias na web. As formas de trabalho adequavam-se às características dos trabalhadores independentes que realizam suas pesquisas, sistematicamente, como uma vocação de ofício, o ritmo também se adequava aos meus projetos em curso, aos inscritos era facultado acesso integral às aulas divulgadas num ritmo quinzenal, acompanhadas de projeções do material fílmico, recomendando-se a presença nas projeções. Enquanto não marcava passagem para fora do país por um período, decidi acompanhar o ritmo e formas de trabalho do ICBa. Um convite a ser considerado.

Alexander Kluge e a Desconstrução da Narrativa Clássica: Seminário Online 01.

O primeiro seminário on line [2]desdobrou-se em seis aulas fundamentadas de modo a permitir aos participantes debater e trocar dúvidas e esclarecimentos. [3] Kluge foi-nos apresentado como um cineasta às vezes repulsivo, outras vezes deliciosamente humorístico, sempre inquietante, com um elevado grau de coerência interna, permitindo uma análise teórica, como nos diz Parodi. Esclarece o comentarista que entende a Teoria no sentido que lhe confere Castoriadis, como processo de construção conceitual que tem como intenção elucidar fenômenos diversos. Elucidação entendida como o trabalho pelo qual os homens tratam de pensar o que fazem, como pensam e quais os processos de pensar. Portanto, uma atitude política.
A obra de Kluge foi-nos mostrada como sustentada por um profundo humanismo, pela defesa apaixonada de certos valores éticos, considerada vinculada à reflexão e indagação crítica das distintas formas que adquirem a política e o pensamento na cultura contemporânea. Kluge, segundo Parodi, é um filósofo enquanto produtor de conceito, um amigo de um Saber, como aquele que renuncia à impostura de pretender possuir um Saber, sempre esquivo, sempre em fuga, como aquele que volta ao país dos mortos, das ruínas, dos dejetos do humano para trazer uma boa nova da esperança que ainda é possível. Kluge foi-nos trazido, também, como um cineasta, um teórico, como aquele que se pergunta sobre as possibilidades e limites da representação cinematográfica, como capaz de produzir pensamento e afeto a partir da imagem.
Alexander Kluge, nasceu em Halberstand, Alemanha, em 14 de fevereiro de 1932, estudou direito e história na Universidade de Freiburg, Marbug e arte na Johann-Wolgang Goethe Universität de Frankfurt, formando-se em direito em 1953. Enquanto se dedicava a escrever novelas policiais, quase por acaso, estréia no cinema como assistente de Fritz Lang em uma de suas ultimas incursões no cinema alemão. Autor de vários textos de sociologia, filosofia contemporânea e teoria social, passam a ser mais conhecido a partir da apresentação no Festival de Oberhausen, 1962, co-dirigido por Peter Schamoni e outros jovens realizadores. Tem lugar a assinatura do Manifesto de Oberhausen batizado pela imprensa de Novo Cinema Alemão. Kluge, diz Parodi, é um teórico como aquele que se pergunta sobre as possibilidades e limites da representação cinematográfica, como o que reflete acerca do olhar e do compromisso do diretor de filmes, como cineasta que indaga da possibilidade de produzir pensamento e afeto a partir da Imagem.

Para entender as características formais do cinema de Kluge e de todo o cinema representacional do cinema moderno, diz Parodi, parece necessário distinguir o que denominamos de narrativa, relato e regime orgânico das representações. [4] Trata-se de um sistema onde todos e cada um dos elementos que aparecem no filme, os personagens, cenários, objetos, etc., se entrelaçam configurando o que podemos denominar um regime orgânico das representações. É uma tomada, cada imagem, está em função e obedece a uma razão preestabelecida, dirige-se para uma criação de sentido, pré-determinada. Boa parte do cinema moderno, segundo Parodi, foi sustentado nesse esquema de representação. Há toda uma série de regras formais, que no momento da filmagem tratam de assegurar a unidade espacial. Para Parodi, não é possível pensar o cinema de Kluge se não se entende que assiste nele a progressiva substituição da Narrativa Clássica para fazer emergir um regime de relato que não mais se baseia na unidade entre seqüência e seqüência, mas sim no reencadeamento orgânico entre cenas. Parodi apresenta um esquema analítico de como se constrói a unidade orgânica narrativa mostrando em diagrama a seqüência das tomadas para a composição das unidades (cf. texto).
Pensar o cinema de Kluge e suas representações provoca-nos um desafiante convite para aguçarmos a imaginação e tentar assistir seus últimos filmes: O Poder dos Sentimentos, O Ataque do Presente ao Resto dos Tempos, Brutalidade em Pedra_ A eternidade do Ontem, este último um curta apresentado no Festival de Oberhausen (1962) e irmos além, se pretendemos adentrarmos nas diferentes formas de organizar as representações. A análise detalhada dos filmes de Alexander Kluge exigirá tinta e espaço nas cinco aulas seguintes de Parodi. O trabalho com os conceitos, categorias e conexões das relações e diferenças entre narrativa e relato serão exaustivamente retomados, de modo a situar aproximações e diferenças do cinema clássico, cinema transicional e o cinema moderno.

Estávamos nos apropriando de uma abordagem estética e formal através da apreensão dos conceitos e categorias deleuziano, para desconstruir a filmografia de Alexander Kluge? Haveríamos de dispor de outras abordagens que reconstruíssem o cinema humanista e ético do Kluge dando conta da sua narrativa e relatos cinematográficos, das múltiplas relações entre a organização fílmica e a complexa conjuntura alemã anterior a I Guerra Mundial? O seminário estimulava o diálogo com o autor dos textos consultados, de modo que formulei perguntas para Ricardo Parodi, revelando estas inquietações. Registro suas respostas sem pedir licença, por exclusiva impossibilidade de manter comunicação com o autor das aulas, uma vez que o seminário manteve-se dirigido por moderadores.

From: marcela antelo
To: stelaborges@uol.com.br; Sergio Santana
Sent: Wednesday, October 12,005 8:15P
Cara Stela,
Aqui vão os comentários de Ricardo Parodi as suas questões.
Grata,
Marcela Antelo

Prezada Stela,
Os quadros que se apresentam no seminário 1 (que nos seminários posteriores foram desaparecendo) somente têm por objetivo ajudar o aluno na compreensão de alguns dos conceitos vertidos. Como se diz ao longo de todo o seminário, as categorias utilizadas são uma tentativa de escapar dos enquadramentos estruturalistas. Nesse sentido, poucas taxonomias são tão distantes do espírito estruturalista como a de Deleuze. Pelo contrário, nos tratamos de pensar alguns (reitero: alguns) dos modos de dar-se a representação do cinema de Kluge e no chamado Cinema Moderno em geral. De modo algum se pretende abarcar a totalidade da obra senão que, pelo contrário, se assinalam simplesmente alguns vínculos, algumas conexões possíveis.
O que fazemos é simplesmente montar um dispositivo de análise. Todo dispositivo ilumina partes de seu objeto enquanto deixam outros na sombra. O importante é não crer que se pode chegar à essência, à Totalidade ou à Verdade absoluta da Coisa. Sempre se trata de conexões, de relações. O que ocorre com boa parte do cine moderno. Nos preferimos por em evidência o dispositivo, “mostrá-lo”, para estar em concordância com a definição de “Teoria”, tomada de Castoriadis, que se da al principio do seminário. Esta posta em evidência do dispositivo teórico para nada quer dizer que, para compreender a obra de Kluge seja imprescindível conhecer a taxonomia deleuziana. Os quadros e as definições que damos, ao menos isso espero, fazem o seminário o suficiente autônomo. Simplesmente tratamos de ver que operações são possíveis, que coisas encontramos, ao utilizar dita classificação dos signos e imagens cinematográficas e ver como elas se dão no cinema de Kluge (autor que, dito seja de passo, Deleuze apenas si nomeia). No há uma verdade “histórica única, justa”, há de ser “revelada” no cinema de Kluge (nem em nenhum outro). Há múltiplos, diversas e divergentes maneiras de estabelecer relações. O seminário 1 pretende mostrar algumas. Um abraço, Ricardo Parodi

Continuava a merecer discussão os modelos teóricos privilegiados por Parodi. No caso, o modelo para desconstrução da cinematografia do Alexander Kluge. Procurando uma abordagem que mais se aproximasse das relações sociedade e cultura, pensei em retomar a obra de Walter Benjamin, especialmente o projeto inacabado dos anos maturidade, o Passagen-Werk, O Livro das Passagens.[5] Quem sabe apresentasse uma melhor solução. Embora, os quadros explicativos do Ricardo Parodi, na perspectiva de análise das condições formais e estética da filmografia alemã, do início do século XX, fosse uma primeira aproximação disponível, não me parecia satisfatório as categorias deleuziana. Por outro lado, não encontrei, em curto prazo, referenciais que estabelecessem com mais propriedade as relações entre a obra cinematográfica e a conjuntura alemã contemporânea.

Paro por aqui, mesmo porque o seminário trouxe-me tantas questões não respondidas que me motivou continuar buscando entender a linguagem cinematográfica, ampliando um velho e antigo enamoramento com o cinema, projeto que agora se expandia e encontrava assentamento. Continuarei a comentar no próximo texto os demais seminários online.
Notas:

[1] Pesquisadora Independente, Professora Aposentada (UFBA/BA). Publicou livros sobre o estudo dos intelectuais, das instituições educacionais e da memória da educação brasileira e diversos artigos em revistas nacionais. Atualmente estuda as relações Educação, Cultura e Política, com ênfase em Cinema, atividade que vem se dedicando até que os últimos neurônios lhe permitam.

[2] O primeiro seminário ocorreu em 2004. Os textos foram disponibilizados aos participantes que se inscreveram posteriormente, desde que obtivessem uma chave de acesso no link do site do Seminário On Line. http://www.goethe.de/ins/br/sab/ptindex.htm As unidades temáticas apresentadas: um. Alexander Kluge e a desconstrução da Narrativa; 2. Do indivíduo ao sujeito; 3. As formas do Poder, as formas do Absurdo; 4. A questão afetiva; 5. O cinema no tempo; 6. Questões de ética e esperança vieram acompanhadas de intensa referência para consulta.

[3] Os textos apresentados, de autoria de Ricardo Parodi, pretendiam montar um dispositivo de análise com o objetivo de ajudar a compreensão dos conceitos e categorias utilizadas. A temática Alexander Kluge e a Desconstrução da Narrativa Clássica apresentaram-se desdobrada em seis aulas estruturadas e com referências detalhadas em links de modo a permitir uma extensa consulta bibliográfica para os cinéfilos e amantes da sétima arte dispostos à investigação.

[4] A narrativa cinematográfica orgânica é entendida como um processo que se sustenta na relação entre uma seqüência e outra para tratar de produzir um sentido único. Por Relato, entende-se a ausência de unidade, ausência de condensação das significações tratando de conseguir um Sentido único. As diferenças entre narrativa e relato são encontradas na concepção filosófica de Gilles Deleuze.

[5] Cf. Dialética do Olhar: Walter Benjamin e o projeto das Passagens. Susan Buck_Morss; tradução de Ana Luiza de Andrade; revisão técnica de David Lopes da Silva. Belo Horizonte: Editora UFMG; Chapecó/SC: Editora Universitária Argos, 2002.
Acima, cartaz do filme Adeus ao Ontem ( Abschied von Gestern, 1965/66).

2 comentários:

Anônimo disse...

Identifico-me mais com o estilo desse texto, mais estruturado e com fios, tece, comunica, defende ideias claras, ainda que discutiveis. Creio que o dialogo com Parodi muito ajuda, tanto o que voce transcreve como o email dele indica que seria otimo que voces continuassem em trocas, é o articulador ideal, reflexivo e competente. Ele foi encima de um desconforto que senti no seu texto quando voce se refere de forma aligeirada para depois descartar o que chama de 'categorias deleuzianas' sem explicar. Alias até a nota 4 em que ha referencia a esse autor nao indica que obra cita, e Deleuze de Anti Edipo nao é o mesmo de Esquizo e outros.

Jonga Olivieri disse...

É sempre digna de nota a contribuição do Goethe-Institut de Salvador, nos tempos em que circulava por aí, simplesmente ICBA (Instituto Cultural Brasil-Alemanha). O Setaro sabe quantas obras importantes do “Expressionismo Alemão” tivemos a oportunidade de assistir naquela casa da Vitória. Foi o primeiro contato com filmes tais como “O gabinete do Dr. Caligari”, “Metrópolis” ou “M, o vampiro de Dusseldorf”. Dali, tenho memoráveis lembranças de importantes descobertas.
Pulando de uma era a outra, Alexander Kluge, este alemão de 75 anos (objeto de sua matéria) é uma figura importantíssima do que se fez na Alemanha em prol de uma renovação do cinema no pós-guerra.
Somente o fato de um de seus mestres ter sido Theodor Adorno nos dá uma dimensão de sua profundidade. Foi Adorno quem lhe apresentou a Fritz Lang e lhe permitiu entrar com o pé direito nesta área. Fato que também propiciou que Kluge viesse a ser um dos que assinaram no festival de Oberhausen em 1962, o manifesto que estabeleceu as coordenadas do Novo Cinema Alemão. Movimento que, entre outras coisas, nos deu um Fassbinder.