quarta-feira, 26 de março de 2008

Conversa sobre Cinema










Em outubro de 2007 iniciamos a postagem Conversa Sobre Cinema.
A idéia era manter diálogos com estudiosas(os), cinéfilos(as), críticos(as) da sétima arte, registrando anotações que do nosso ponto de vista poderiam ampliar concepções, retomar dúvidas, provocar questionamentos.
Pensando em anotações sobre a temática, contamos desta vez com a colaboração de Adolfo Gomes _ http://bressonianas.zip.net/_ que aceitou e foi receptivo ao nosso convite. Apresentamos um roteiro de perguntas que foram abordadas do jeito peculiar e distinto do responsável pela divulgação dos filmes exibidos na Sala Walter da Silveira e que a considera um templo sagrado (1).

Blog: O que significa cinema para você? Qual a sua experiência com o cinema?

Bressonianas: Minha experiência com o cinema é de espectador. Nunca tive vontade de filmar, de me tornar um realizador. Mas nem por isso me considero um admirador passivo. Sempre quis descobrir, ver coisas novas, que podem estar esquecidas num filme de 1920, por exemplo. Então é natural que de espectador logo tenha me transformado em cineclubista. Mais do que a minha formação em jornalismo, minhas passagens como crítico de cinema ou qualquer outra atividade, ser cineclubista é minha universidade, o que me faz melhor como pessoa, intelectual.É o que me honra. Acho que isso explica a minha relação com o cinema. É, para mim, um religar-se com a dimensão sagrada das coisas.

Blog: Quais os seus melhores filmes? Eles influenciaram suas idéias?

Bressonianas: Como diz o Godard, “o que é o estilo, senão o homem”. Minha formação é perpassada pela política do autor. Portanto, vejo o cineasta, sobretudo. Assim, para mim, é mais fácil falar dos cineastas que amo: Godard, Straub/Huillet, Glauber Rocha, Humberto Mauro, Renoir, Pedro Costa, John Ford, Sokurov, entre outros. E os filmes deles me fizeram o que eu sou hoje, minha concepção de cinema. Ainda tenho um longo caminho ao lado desses filmes. Em certo sentido, quero dizer com isso, a mesma coisa que costumo dizer a alguém que não gostou de um filme do Godard, por exemplo: “Então veja de novo, de novo, até gostar. Até você alcançá-lo”. O grande cinema tem que ser exigente. Não podemos esperar apenas um espetáculo de mão beijada.


Blog: E as Bressonianas?

Bressonianas: O blog é parte do que eu sou, de como vejo cinema. Escrevo para continuar o prazer proporcionado pelos filmes, por isso só escrevo por prazer, sem pressões, cobranças ou temporalidades.Todos os críticos deveriam ter essa liberdade.


Blog: E a Sala Walter da Silveira ?

Bressonianas: É, para mim, um espaço de exibição. Portanto algo sagrado, mas não a vejo somente fisicamente, de modo que meu afeto por ela não é abalado por suas limitações atuais, sejam técnicas, sejam de programação. Vejo-a como um instrumento em favor do cinema, de manutenção da memória, de preservação da arte.E de resistência. Por isso a minha relação com ela é religiosa. Vou passar por ela e tenho o prazer - e não apenas a responsabilidade - de honrá-la a cada dia, de honrar a memória do doutor Walter da Silveira que, para além das homenagens oficiais, ritos e cerimônias, mantém-se viva nos filmes que ele amava e que escrevia a respeito. Colocar esses filmes e outros, ao alcance das pessoas, é o melhor que podemos fazer pela sua memória – pelo menos para um cinéfilo como eu (2).


Notas:

(1) Walter da Silveira (1915-1970).
Obras publicadas sobre cinema: O Cine-Teatro Guarani: sua origem, evolução e atualidade. 1919/1995. Salvador: Imprensa Oficial da Bahia, 1955; A grande feira: origem e significado: Imprensa Oficial da Bahia, 1960; Um filme de transição. In: Deus e o Diabo na Terra do Sol de Glauber Rocha. Biblioteca Básica de Cinema. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965; Fronteiras do Cinema. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1966. Coleção Tempo Novo; Imagem e roteiro de Charles Chaplin. Salvador: Mensageiro da Fé, 1970; A história do cinema vista da província. Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1978; O eterno e o efêmero/Walter da Silveira. Organização e notas por José Umberto Dias. Salvador: Oiti Editora e Produções Culturais Ltda., 2006.

(2) Bem, essa conversa de cinema que pretendia ser mais uma aproximação com Adolfo Gomes e suas idéias, ocasionou também outro convite, o de aproximar-me, mais ainda, da obra de Walter da Silveira. E nesta prospecção, descobri que o Clube de Cinema da Bahia foi fundado em 1950, ano em que nasci, com a sorte de encontrar uma memória cinematográfica que se mantém e resiste. Nos anos 70/80 asisitimos e convivemos com esta filmografia que tem raízes subsumidas nesta memória.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

andreas dresen: mestre da ironia













País Silencioso ( Stilles Land), 1992
Andreas Dresen


RDA, outono de 1989.
O filme mostra a importância da televisão via satélite, milhares de telespectadores em busca das imagens clichés da felicidade capitalista e as dificuldades de um elenco de atores da RDA em encenar uma peça de Samuel Beckett, Esperando Godot no momento em que há mudanças decisivas na Alemanha com a Queda do Muro, novembro de 1989. Encenar Samuel Beckett naquelas circunstâncias representa uma tomada de posição dos atores frente aos acontecimentos da Queda do Muro.
Ao começar a nova temporada artística num teatro de província alemão decadente, um diretor apresenta a seu elenco um novo colega. O jovem diretor, Kai Frinke, pretende encenar a peça Esperando a Godot de Samuel Beckett. Na primeira reunião da companhia se produz um escândalo: um ator interrompe o discurso do diretor pedindo que se diga algo sobre o que acontece na Hungria e na embaixada de Praga. É tempo em que na embaixada de RFA, em Praga e na Hungria, há numerosos fugitivos da RDA tentando conseguir permissão de saída do Oeste. O diretor e o Secretário do Partido não se envolvem com o incidente. Kaí Frinke se põe a trabalhar com entusiasmo sem deixar-se intimidar pelas circunstâncias. Severas dificuldades causam falta de entusiasmo aos atores da companhia. Os ensaios são pesados e exaustivos. Para o diretor o paralelo entre a situação política e a peça marca o momento: trata-se então de ensaiar e sobretudo apressar a situação desesperada de espera. Quando o protagonista principal, Horst, lhe pergunta onde existem saídas, não sabe responder. Os meios de comunicação da RDA minimizam a agudez da situação e investem contra o Oeste. Os atores buscam emissões da “televisão ocidental” no teatro afetando o trabalho dos ensaios. A Kai Frinke não interessa como se desenvolve a situação atual, conta a encenação. Mas concorda em participar de uma resolução do elenco que exige uma discussão pública e com tal motivo é incluída uma apresentação pública com o escasso público do teatro. A situação política se agrava. Os cidadãos se manifestam, e organizam matinés nas igrejas. Theo vai a Berlim para conseguir uma antena de TV e é detido temporariamente. Egon Krenz, o sucessor de Erich Honecker como Secretário Geral do Partido Socialista Unificado da Alemanha-SED, aparece na TV e fala das mudanças. O fato induz Kai Frinke tenta desenvolver uma concepção mais real da sua encenação. Antes da estréia, 9 de novembro, cai o Muro de Berlim. Uma avaria impede que o elenco se diriga à Berlim num microônibus. A peça estréia afinal, poucos espectadores aparecem, as pessoas tem outros interesses. A ajudante de direção deixa o elenco e vai para Hamburgo e a peça é retirada de cartaz. Kai Frinke decide quedar-se.
As formas de participação nos acontecimentos políticos poderiam se circunscrever às encenações ou deveriam ir mais além em manifestações públicas e atos de protestos que demonstrassem as posições dos atores? Quais os limites de participação? É o diretor jovem da peça, o Kai Frinke, um alienado político por não envolver-se ativamente nas ações de protestos públicas e voltar-se para o mundo do teatro? Qual o significado de encenar-se Samuel Beckett, Esperando Godott numa conjuntura de conflitos e de mudanças da vida política e econômica da Alemanha? O filme País Silencioso traz uma mensagem de inquietação para um tempo sem respostas.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

A ORIGEM DOS MUNDOS










The origin of the world. L'Origine du monde,1866. Paris. Musée D'orsay.

Depois de um longo silêncio em que a luta pela sobrevivência afastou-me das postagens sobre a cultura cinematográfica, trago a esta página o texto do Jorge Coli. Leitora permanente de seus informados e analíticos textos editados na Folha de São Paulo pude perceber, pela resposta ao meu e-mail, que se trata de um interlocutor que nos honraria em participar do diálogo. A seguir a transcrição de seu texto.

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A mostra Courbet é muito bela: beleza da matéria, dos tons graves e surdos, do silêncio meditativo sobre os mistérios telúricos, vegetais ou corpóreos
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JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
T ermina em Paris uma retrospectiva do pintor Gustave Courbet [1819-77]. Ela irá agora para o Metropolitan Museum de Nova York [de 27/2 a 18/5]. Mostras monográficas importantes reúnem quadros dispersos nos museus do mundo inteiro: é um grande prazer vê-los e compará-los. Têm ainda o sentido de fazer um balanço, de renovar a compreensão, a intuição, do papel que representam hoje esses grandes mestres. As obras de arte possuem um núcleo estável no qual se entrelaçam as pulsões criadoras. No entanto, elas se modificam. Primeiro, fisicamente: o material envelhece e o aspecto se altera com o tempo. Há também deslocamentos que mudam a percepção e afetam o olhar: caso evidente é o das obras religiosas transportadas para os museus. São mutações que diminuem certas características para ampliar outras.
As obras sofrem outras perturbações, originadas pela sucessão dos olhares que, de geração em geração, pousaram sobre elas. Nunca são vistas "nelas mesmas"; são sempre, por assim dizer, traduzidas para a cultura de quem as contempla. Textos críticos, teóricos, históricos sintetizam as sensibilidades de cada geração. Trata-se de enfoques que aderem à obra. Mesmo quando negados ou contestados, continuam pressupostos, ativos e, de um certo modo, passam a fazer parte da própria criação.

Seixo
A retrospectiva Courbet é muito bela. Beleza da matéria, dos tons graves e surdos, do silêncio meditativo sobre os mistérios telúricos, vegetais ou corpóreos. Beleza da gravidade pictural que vai além da idéia, do conceito, da formulação lógica. Courbet escreveu uma vez: "Faço as pedras pensarem".
Nem ele nem o espectador pensam sobre a pedra, é a pedra que pensa, exatamente como no poema de João Cabral de Melo Neto: "Uma educação pela pedra: por lições;/ Para aprender da pedra, freqüentá-la;/ Captar sua voz inenfática, impessoal (...) Lá não se aprende a pedra: lá a pedra,/ Uma pedra de nascença, entranha a alma".

Inflexões
Os quadros se sucedem nas salas. São paisagens, marinhas, naturezas-mortas, nus femininos, cenas de caça. São as telas que representam a nascente do rio Loue, que atravessa a Franche-Comté, região em que Courbet nasceu, se criou, e à qual permaneceu sempre ligado. Tudo admirável. Porém, se esse aspecto mais fundamente metafísico vem sublinhado, o outro Courbet, o Courbet político, militante socialista, é reduzido a quase nada nesta retrospectiva.
Muitos quadros relevantes, com traços sociais ou de interpretação problemática, estão ausentes: "As Peneiradoras de Trigo", "O Incêndio", "Os Lutadores", "O Mendigo", a singular remadora, em maiô contemporâneo, sem falar dos "Quebradores de Pedra" e do "Retorno da Conferência", obras destruídas, mas que causaram grande impacto quando expostas pela primeira vez e que subsistem em esboços e gravuras. Talvez os curadores busquem evitar as interpretações políticas que, de Proudhon a estudiosos atuais, marxistas e feministas, ingleses ou americanos, têm, em grande parte, dominado as análises sobre o pintor.

Fresta
Em 1977, comemorando o centenário da morte de Courbet, houve outra exposição importante. Contra a vontade dos curadores, ordens poderosas proibiram, por obscenidade, a apresentação do quadro "A Origem do Mundo", que figura um sexo feminino em close. Hoje, é o ponto mais alto da mostra. À volta dele, na sala, gravitam as mais belas mulheres nuas que o artista nos deixou.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

CINEMA LATINOAMERICANO













A postagem de hoje reflete algumas motivações de velhos tempos. O desejo de dialogar com a majestosa Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe no que diz respeito ao verbete sobre Cinema, de comentar do novo (re) encontro com Jorge Luis Borges na capital portenha e de tentar incursionar pelo cinema argentino. Desculpem a ousadia, mas estou sendo sincera.

Dada as gentilezas entre pesquisadores que sabem trocar suas produções, tenho em minha estante o trabalho de Afrânio Mendes Catani que examina a trajetória da Companhia Cinematográfica Maristela (1950-1958), onde estuda os principais problemas do cinema industrial paulista e explora o papel da burguesia industrial na impulsão do movimento cultural desencadeado na São Paulo do pós-guerra. Pois bem, Afrânio apresentou-me o verbete de cinema da enciclopédia, comentou sobre alguns trabalhos e, similar a uma enciclopédia, sabia de todos os filmes e roteiristas, domínio de um extenso mapa para incursionar pela cinematografia latino-americana, em especial, pela cinematografia que me interessava no momento, a produção argentina (1).

Conforme registros de consulta, o cinema chegou à América Latina em 1896, após sua primeira exibição pública em Paris, acompanhado de equipamentos de filmagem, projeção e profissionais da área, predominantemente os italianos. Na Argentina, no começo do século XX, as primeiras filmagens couberam a Eugenio Py, francês, Atílio Lipizzi, italiano que fundou a Companhia Cinematográfica Ítalo-Argentina e Max Glucksmann, austríaco, que estabeleceu o sistema de distribuição vital para o período sonoro. A estes pioneiros somaram-se, Mario Gallo, Edmundo Peruzzi e Federico Valle, italianos que apareceram com o surgimento das primeiras salas exibidoras.

Os primeiros estúdios com laboratórios chegaram com Julio Raúl Alsina, uruguaio ligado à distribuição e exibição das películas. No período do cinema mudo, entretanto, formaram o quadro de diretores, dentre os principais, Edmo Cominetti, Nelo Cosimi, José Agustín Ferreyra, Roberto Guidi, Julio Irigoyen e Leopoldo Torre Ríos.

De 1930 a 1950, a Argentina viveu sua pujante indústria cinematográfica. No início dos anos 30 foram inauguradas várias produtoras, entre elas, Argentina Sono Film, Lumiton e Estudios San Miguel, além de pequenas e médias empresas. Neste período, o cinema argentino, seguindo o modelo de Hollywood, apresentou variadas películas, entre elas: Viento Norte,1937 e Prisioneros de La Tierra, 1939, de Mario Soffici; La Guerra Gaúcha, 1942 de Lucas Demare; La Dama Duende, 1944, de Luis Saslavsk; Las Aguas Bajan Turbias, 1951, de Hugo Del Carril; mais de quarenta filmes de Fernando Ayala e mais de trinta produções de Leopoldo Torre Nilsson . Dentre as principais atrizes figurantes, destacaram-se: Libertad Lamarque, Tita Merello, Amelia Bence, Laura Hidalgo, Mecha Ortiz, Zully Moreno, Delia Garcés, Paulina Singerman e Mirtha Legrand.

Em meados da década de 50, com a formação de cineclubes, associação de classe, lançamento de revistas de cinemas e surgimento de uma geração de curta-metragem, vários nomes ligados ao cinema vão aparecer e, também, destacadas produções, entre elas, Tire Dié, 1958 e Los Inundados, 1961, de Fernando Birri que marcaram os tempos da Escuela de Santa Fé, coordenada por Birri e voltada para o cinema documental.
Nos anos 60, a cinematografia argentina revela-se em destacadas produções, entre elas, El crack, 1959, de José A. Martinez Suárez; Los de La Mesa Diez, 1960, de Simón Feldman; Tres Veces Ana, 1961, de David J. Kohon; Los Jóvens Viejos, 1962, de Rodolfo Kuhn; Intimidad de Los Parques, 1965, de Manuel Antin; Crónica de um Niño Solo, 1965, de Leonardo Flavio. Surge, também, o chamado cinema independente com o Grupo de Los Cinco e o Grupo Cine Liberción, caracterizado pela política de resistência. São produções deste período: Mosaico, La Vida de Una Modelo, 1968, de Néstor Paternostro; Tiro de Gracia, 1969, de Ricardo Becher; The players vs. Angeles Caídos, 1969 de Alberto Fischerman; Juan Lamaglia y Señora, 1970, de Raúl De La Torre; La Hora de Los Hornos, 1968, de Octavio Getino; El Camino Hacia La Muerte Del Viajo Reales, 1971, de Gerardo Vallejo.

Nos anos 70 continua a saga cinematográfica, sendo produzidos, entre outras películas: Güemes, La Tierra em Armas, 1971, de Leopoldo Nilsson; Juan Manuel, 1971, de Manuel Antin; Argentino Hasta La Muerte, 1971, de Fernando Ayla; Bajo El Signo de La Patria, 1971, de René Mugica; Crónica de Una Señora, 1971, Heroína, 1972, El Inferno Tan Temido, 1980, de Raul de La Torre. De La Torre, também, adaptou o romance de Manuel Puig, Publish angelical, 1982. Marcaram ainda as produções de Leonardo Favio com Juan Moreira, 1973, Nazareno Cruz e Lobo, 1975 e Soñar, Soñar, 1976. Leopoldo Nilsson conquistou o Urso de Prata no Festival de Berlim, com Los Siete Locos, 1973.

Meados dos anos 70 para os anos 80, uma das primeiras diretoras do moderno cinema argentino Eva Landeck, uruguaia, destaca-se com Gente em Buenos Aires, 1974; Maria Luisa Bemberg com Camilla, 1984; Luis Puenzo com La Historia Oficial premiado com o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, 1985; Carlos Sorin com La película Del Rey, 1986, premiado com o Leão de Prata no Festival de Veneza; Eliseo Subiela com Hombre Mirando al Sudeste, 1987.

Deste levantamento certamente incompleto, provavelmente, alguns filmes deixaram de ser mencionados, observa-se a crescente e expressiva produção, sendo alguns merecedores de prêmios. Trata-se de uma filmografia com predominância da direção masculina com temáticas que enfatizam aspectos histórico-culturais e sociais. Como assinala T.Chacón:
Em um cierto sentido general, y más aun em nuestro país, la actividad cinematográfica há sido ejercida históricamente por varones, y obviamente, el punto de vista masculino há predominado em las realizaciones. Así también tenemos que agregar la concepción patriarcal, hozo que los que se atrevieron hacer cine adoptaran, casi sin excepción, este enfoque, promoviendo um modelo de identificación de carácter sexista, prejuicioso y distorsionado(2).

Faço um parêntese agora para conversar, en un cierto sentido, com Jorge Luis Borges. Reencontro o escritor argentino nascido em Buenos Aires em 1899, no Ateneo Grand Splendid, na Santa Fe, 1850. Embora ele esteja por todas as largas avenidas e calles de Buenos Aires, encontro-o no Gran Café Tortoni acompanhado de Alfonsina Storn Y El Mar e Calos Gardel, sendo visitado por Susan Sontag (1933-2004), Susan Sarandon e outras figuras que vieram de longe conhecê-lo e apreciar sua obra. Entre elas, Discusión, Historia Universal de La Infamia, Ficciones (que ganhou o Permio Nacional de Literatura, 1956) Historia de La Eternidad, El Jardim de Senderos que se Bifurcan, El Aleph, Outras Inquisiciones, El Hacedor, Elogio de La Sombra, El Informe de Brodie, El Libro de Arena, El Oro de Los Tigres, La Rosa profunda, La Cifra, Los Conjurados e muito mais, suas poesias. Em sua homenagem andando pelos Bosques de Palermo, em La Recoleta, Corrientes e arredores, ouvimos, novamente, seus poemas.

AS RUAS
As ruas de Buenos Aires já são minhas entranhas. Não as ávidas ruas, incômodas de turba e de agitação, mas as ruas entediadas do bairro, quase invisíveis de tão habituais, enternecidas de penumbra e de ocaso e aquelas mais longínquas privadas de árvores piedosas onde austeras casinhas apenas se aventuram, abrumadas por imortais distâncias, a perder-se na profunda visão de céu e de planura. São para o solitário uma promessa porque milhares de almas singulares as povoam, únicas ante Deus e no tempo e sem dúvida preciosas. Para o Oeste, o Norte e o Sul se desfraldam_ e são também a pátria_as ruas; oxalá nos versos que traço estejam essas bandeiras( 3).


Nestas ruas, encontramos além do escritor, representantes do moderno cinema argentino. Em Solo Cine, Rodriguez Peña, 402, precisamente. Como já percebemos, o cinema argentino expressou uma certa visão de mundo onde há predomínio de um ponto de vista masculino e patriarcal, há uma certa hegemonia da técnica narrativa centrada nas histórias de época com conotações psicológicas, sentimentais e melodramáticas, com exceções.

Queremos, por supuesto, comentar outro encontro. Desta vez, com a obra de Maria Luisa Bemberg (1922-1995) e sua cinematografia. Diretora, produtora, escritora, ativista de movimentos feministas, fundadora da União Feminista Argentina, Maria Luisa Bemberg deixou um legado de mérito e reconhecimento do seu trabalho. Dentre suas principais realizações, destaca-se: Crónica de Una Señora, 1970 (Prêmio de Interpretação Feminina no Festival de San Sebastián); Triângulo de Cuatro, 1975 (Prêmio outorgado pela Sociedade Argentina de Escritores); Momentos, 1981 (Prêmio de Interpretação Feminina no Festival de Huelva e Chicago; Señora de Nadie, 1982 (Prêmio outorgado pela Sociedade Argentina de Escritores e pelo Festival de Taormina e Panamá; Camila, 1985 (Oscar de Melhor Película Estrangeira outorgado nos Festivais Karlovy Vary e La Habana); Miss Mary, 1986 ( Prêmio de Melhor Película, Atriz e Cenário pelo Festival de La Habana e Festival de Veneza); Yo, La peor de todas, 1990 ( Prêmio no Festival de Chicago, de Cartagena e Havana (4).

Assistimos Camila, Señora de Nadie e Momentos em cópia DVD. Sem dúvida, o trabalho de Maria Luisa Bemberg demonstra inventividade, criatividade e ruptura em direção a uma moderna cinematografia que retrata os conflitos sociais e coloca as vozes femininas em primeiro plano. Así, Bamberg, com su cámara y Poniatowska com su pluma, se propusieron dar luz a determinados rostros históricamente olvidados y dar voz a determinantes silêncios milenários (op.cit). Temos que terminar estas notas, já tão alongadas para este espaço, continuaremos, porém, nossa breve incursão ao cinema porteño, que tanto nos inspira para pensarmos sobre a linguagem cinematográfica, desta vez diretamente na tela mágica.


NOTAS:
1.Latinoamericana: Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe.Coordenador Geral Emir Sader. São Paulo: Boitempo; Rio de Janeiro: Laboratório de Políticas Públicas da UERJ, 2006.
2.Cineastas argentinos contemporâneos: identidad, estilo e lenguaje. Texto de Tristán Chacón, consultado na web in: tristan[ arroba]belgrano.unc.edu.ar.
3.Borges, Jorge Luis. Obras Completas
. Vol.1. São Paulo: Globo, 2000. A Companhia das Letras acaba de lançar a Coleção Biblioteca Borges sob a coordenação de Davi Arrigucci Jr e Jorge Schwartz, quase trinta volumes estarão disponíveis para os amantes da literatura mundial contemporânea.
4.Cineastas argentinos contemporâneos, op.cit.

sábado, 17 de novembro de 2007

Claude Lelouch: Crimes de Autor











Um título e um convite ao cinema.
Roman de Gare, 2007. Crimes de Autor. Como não ?
Sexta-feira, às 17:05, na Sala de Arte do MAM, depois de ter apreciado um pôr do sol na Baía de Todos os Santos que deixa qualquer mortal em estado de graça, dirijo-me a sala acompanhada de três gatos pingados e uma amiga apreciadora da beleza e da inteligência, sem esnobismos.
Lembrava-me de outros filmes do Claude Lelouch e de recente entrevista que assistira na globonews quando da visita ao Brasil pelo autor para participar da 31ª Mostra Internacional de Cinema (São Paulo, out/nov 2007). Lembranças de filmes, entre outros, Um homem, Uma mulher (Un Homme et Une Femme, 1966), A aventura é uma aventura (L'Aventure ces’t l’Aventure, 1972), Retratos da Vida ( Les Uns et Les Autres, 1980) expressões e sentimentos de emoção e esperança de toda uma geração que acreditou em utopias e nas relações humanitárias.


O filme Crimes de Autor provoca vários debates, um deles é o de pensar o processo da criação literária. Quem são mesmo os autores das obras literárias e quais os desejos que os movem nas suas criações? A criação de uma novela é um processo coletivo? Quem são os seus verdadeiros autores?

A trama do filme se desenvolve, mais intensamente, entre três personagens marcantes, a figura de Judith Ralitzer, escritora de sucesso em busca de um novo best-seller, Dominique um misterioso ghostwriter que dirige, aparentemente, sem rumo pelas estradas da França e Huguette, uma mulher sonhadora e conflitada, abandonada pelo namorado num posto de gasolina.

Claude Lelouch, concedendo entrevista em 28 de junho de 2007, no Festival de Conhaque (voltado para filmes policiais) ocasião em que presidia o júri, comenta que seu novo filme, Roman de Gare (traduzido no Brasil por Crimes de Autor) é, também, uma homenagem à literatura. Fala que seu filme representa suas quatro paixões: o amor que sente pelas pessoas, pelas imagens, pelas palavras e pela música. Este filme, diz ele, fala destas paixões e da novela, é através da literatura que considero que se possa sempre dissimular. Por isso, acrescenta, escondi-me sob um pseudônimo que revelasse meu amor pela literatura, pelas palavras, pelas frases e, sobretudo pelos diálogos. Fiz o Roman de Gare como se fosse meu primeiro filme, diz ainda, com todos os riscos possíveis,dentre os artísticos aos financeiros, e esta é uma viagem de grande solidão que se espera traga prazer a muitas pessoas (1).

Ao perguntarem sobre a trilha musical do filme, ele comenta: A música sempre foi um ator importante nos meus filmes e um dia ela terá o papel principal. Faz cinqüenta anos que me preparo para este filme e penso que chegarei o mais cedo que puder a formulá-lo. Há um coral de seis milhões de indivíduos sobre a terra e cada um de nós tenta cantar e contar suas pequenas histórias individuais onde há rios subterrâneos entre todas elas. Em Roman de Gare a música de Gilbert Becaut cria uma atmosfera de envolvimento e expressão.

Há muito a dizer sobre Crimes de Autor, mas curioso, ao voltar do cinema fiz uma busca pela web tentando encontrar dados que me permitisse fazer uma postagem mais elaborada e fundamentada da filmografia de Claude Lelouch, sem muito sucesso. As sinopses disponíveis não marcaram os pontos que considerei relevantes, sequer encontrei destaques do que considerei os eixos temáticos relevantes, ou seja, que evidenciam a singularidade e inspiração do cineasta tomando como expressão temática a literatura e a música, como peças chaves para seu filme. Resolvi consultar o André Setaro. Segue a resposta, que divulgo na intenção de partilhar os comentários antenados do Setaro, uma vez que não encontrei análises detalhadas.
Cara Stela,
Pensei em escrever um artigo para o blog a revisitar a filmografia de Claude Lelouch, realizador de minha admiração, mas desprezado pela chamada crítica especializada, o que considero uma injustiça. Leon Cakoff, crítico paulista, organizador da Mostra Internacional de São Paulo, fez-lhe homenagem especial com a sua presença na capital paulista. Mas os jornais pouco deram divulgação e, inclusive, numa atitude descabida, a Folha se negou a entrevistá-lo.
Consideram-no virtuosista, superficial. Não concordo. Lelouch tem uma maneira muito particular, muito emocional, de fazer cinema, e poucos são os cineastas que sabem usar a partitura musical com tanta eficiência, com tanta habilidade. Seus filmes sempre se destacam pelo poder de encantar, de envolver, e, creio o cinema sempre está a reinar. Ainda não vi Crimes de autor por falta de tempo, ainda que tenha grande interesse, o que pretendo fazer logo que chegue de viagem (vou a Conquista para um festival de cinema).
Trabalho analítico sobre este grande diretor no Brasil não existe. Mas tenho certeza que é apreciado no exterior. Dê uma olhada em seu site oficial:
http://www.lesfilms13.com/ E neste link: http://www.allocine.fr/tags/default_gen_tag=les+essentiels+de+Claude+Lelouch.html
Um abraço do
André Setaro

Pois bem, estas anotações preliminares de hoje revelam muito mais meu interesse em debruçar-me sobre uma filmografia ainda a ser mais analisada do que um resultado substancioso de um trabalho de pesquisa. Por outro lado, foi tão expressivo, em quantidade e qualidade, o que encontrei no site oficial do autor que não resisti a vontade de pelo menos indicar pelos cartazes, lembranças que provocam interesse em rever os filmes nos próximos trabalhos (2).


Notas:
1. Roman de Gare: Reencontre avec Claude Lelouch IN:
http://www.allocine.fr/article/
2. Filmografia citada no site como Les essentiels de Claude Lelouch: Roman de Gare,2006; Le Courage d’aimer, 2004; Les Parisiens, 2004; Les Misérables, 1994; Tout ça...pour ça!, 1992; La Belle Histoire, 1992; Il y a dês jours...et des lunes, 1990; Itinéraire d’um enfant gâté, 1998; Atlention bandits!, 1986; Un Homme et Une Femme: vingt ans déjá, 1986; Edith et Marcel, 1982; Les Uns et lês autres, 1980; A nouns deux, 1979; Si c’était à refaire, 1976; Le Bom et lês méchants; L’Aventure c’est l’aventure, 1972; La Bonne année, 1973; Smic, Smac, Smoc, 1971; La vie “amour, la mort”, 1963; Un Homme et Une Femme, 1966.
3. Encontram-se no início do post alguns cartazes dos filmes indicados na nota anterior.

sábado, 10 de novembro de 2007

Notas de Estudo: Nouvelle Vague


François Truffaut: escritos sobre cinema.

Todos sabem da importância e influência que a Nouvelle Vague exerceu sobre a cinematografia mundial, ao surgir na França no final dos anos 50, modificando e criando uma nova linguagem cinematográfica e trazendo inúmeros representantes que marcaram e divulgaram uma nova concepção de fazer cinema. Um movimento de renovação da linguagem fílmica, de criatividade, mais voltado para a expressão do que a comunicação, trazendo um enfoque para temáticas do homem contemporâneo, podendo-se afirmar que houve um cinema antes e outro depois da Nouvelle Vague (1).
Não pretendemos repetir as análises já realizadas, são inúmeras, sobre este movimento e suas repercussões na linguagem cinematográfica. Nesta postagem de hoje temos a intenção de evidenciar a presença de um representante deste movimento, expresso na figura do cineasta que chama atenção não só pelo talento e influência que exerceu nas gerações posteriores, como pelas anotações e escritos onde deixou registradas suas percepções e idéias não só do fazer cinema como da própria condição de cineasta e de amigo dos inúmeros companheiros de jornada. François Truffaut foi um dos cineastas franceses que mais escreveu sobre cinema. Em janeiro de 1975, ele expõe suas idéias e interesse por cinema no livro “Os filmes da minha vida”, revelando não só a sua dedicação à sétima arte como o seu envolvimento com o mundo do cinema (2).

Sempre me perguntaram em que momento da minha cinefilia desejei tornar-me diretor ou crítico e para falar a verdade não sei; sei apenas que queria aproximar-me cada vez mais do cinema. Um primeiro estágio consistiu em ver muitos filmes, um segundo em anotar o nome do diretor ao sair do cinema, um terceiro em rever freqüentemente os mesmos filmes e em determinar minha escolha em função do diretor. Naquela época de minha vida, porém, o cinema agia como uma droga, ao ponto do cineclube que fundei em 1947 ostentar o nome pretensioso, mas revelador de Cercle Cinémane (Cícirculo Cinemaníaco). Acontecia-me assistir o mesmo filme cinco ou seis vezes no mesmo mês e ser incapaz de contar corretamente o roteiro porque, nesse ou naquele momento, uma música que se elevava uma perseguição na noite, o choro de uma atriz me entusiasmavam, me fazia decolar e me levavam para mais longe que o próprio filme.

Como sabemos, Truffaut nasce em 1932 e com 52 anos ao se despedir deste mundo deixa uma produtiva obra de mais de vinte e seis filmes, um conjunto de escritos e anotações que revelam seu pensamento não só sobre cinema, mas suas percepções sobre a vida e sobre as relações humanas. São textos que foram publicados, no Cahiers Du Cinéma, entre outros veículos de divulgação, e como crítico e polemista virulento que foi, escreveu não só sobre diretores (Alfred Hitchcoke, Jean Renoir, Orson Welles, Charlie Chaplin e outros) também sobre autores como André Bazin e Pierre-Henri Roché e atores com quem trabalhou, entre eles, Jean-Pierre Leaud, Isabelle Adjani, Faunny Ardant.

Em 1959, Os Incompreendidos marcará uma temática voltada para a infância e seus conflitos, centrada na figura de Antoine Doinel, um estudante parisiense de treze anos, sonhador e turbulento. Comentado sobre seu filme, Truffaut diz:

Aos quinze anos, fiquei internado no Centro de Menores Delinqüentes em Villejuif, tendo sido detido por vagabundagem. Era pouco depois da guerra, havia um recrudescimento da delinqüência juvenil, as prisões infantis estavam cheias. Eu conhecia muito bem o que mostrei no filme: a delegacia com as putas, o camburão, a “gaiola”, a identificação judiciária, a prisão, não quero me estender sobre o assunto, mas posso dizer que o que conheci era mais duro que o que mostrei no filme (3).

Mas não apenas a infância e a juventude mereceram a reflexão do cineasta, Truffaut voltou-se também para a expressão dos sentimentos humanos mais pungentes, revelando uma atenção especial para o que se costuma assinalar como “uma tradição dos grandes cineastas do coração”. Neste métier, a mulher ocupou um certo lugar.

Ora, até o presente os filmes foram feitos por homens para homens; Ingmar Bergman talvez tenha sido o primeiro a abordar certos segredos do coração feminino. E Hiroshima, meu amor poderia muito bem ser o primeiro filme feito verdadeiramente para mulheres, em todo caso o primeiro a nos mostrar não uma boneca encantadora ou uma vamp, mas uma mulher de verdade. Pela primeira vez no cinema, a igualdade da mulher fica evidente desde a primeira imagem até a palavra “Fim”. Em geral menos preguiçosa que os homens, dando provas de uma sensibilidade mais viva e mais agilmente alerta, as espectadoras fazem o esforço que for preciso para acompanhar o jogo do cineasta (...). Em outras palavras, provavelmente são as mulheres que mantêm, no cinema, esse caráter de troca que parece ser, até o presente, privilégio exclusivo do teatro.

Sobre Jeanne Moreau, protagonista de Jules e Jim (1962) Truffaut comenta que ao contrário de atores e atrizes que só conseguiam atuar em conflitos e tensões, num campo de sinistras lembranças, Jeanne Moreau se movia pela compreensão da fragilidade humana deixando-se envolver pela generosidade, ardor, cumplicidade num trabalho de criar e projetar emoções fortes e sentimentos luminosos. Trabalhar com Moureau não o fazia pensar apenas no flerte, mas no amor, comenta.
Em 1969, escrevendo para Unifrance Film Magazine, Truffaut refere-se ao trabalho A Sereia do Missisipe que tem como protagonista principal Catherine Deneuve. Deixa-se, então, revelar suas estratégias de sedução com protagonistas femininas, no caso, a busca da musa bela da tarde. Vejamos:

Eu criara uma imagem de Catherine antes das filmagens de senso de atriz e de que este vinha antes de seu interesse pelo filme. Suspeitava que fosse perfeccionista, logo, sempre desiludida. Não acreditava que estivesse previamente apegada ao filme e, em função excessivamente com detalhes e que pediria explicações e justificações a todo momento. Em suma, a despeito do desejo que eu tinha de trabalhar com ela, me atirava àquele filme com certas prevenções que ela adivinhou imediatamente. Enquanto Catherine estava filmando Um dia em suas vidas nos Estados Unidos, escrevi-lhe para Hollywood e lhe enviei avisos dissimulados como “Em meus filmes, trabalha-se com bom humor” ou então “É proibido achar que faremos uma obra-prima. Tentaremos fazer um filme vivo”.

Por outro lado, a crítica cinematográfica exercida por François Truffaut, polêmica e áspera, atrelou-se à defesa do lema da “política de autores”, ou seja, um filme vale o que vale quem o faz. O filme não era apenas a soma de vários elementos, os protagonistas, os temas, os recursos disponíveis, à linguagem cinematográfica, mas estava ligado à personalidade e talento de seu condutor. Acreditava que o cinema podia emocionar com o mínimo de recursos possíveis e a improvisação tinha um papel especial.

Incansável e persistente conhecedor da filmografia mundial, nos livros que nos deixou seus escritos sobre cinema, François Truffaut menciona e faz referências a mais de trezentos filmes que são apresentados no final de uma das edições sob o título Lista de filmes citados. Nestas indicações um bom roteiro para quem se dedica a memória e retrospectiva dos grandes diretores de cinema. Nestas breves anotações sequer mencionamos o apreço de Truffaut por André Bazin (uma espécie de pai espiritual), às suas primeiras críticas de cinema e a extensa correspondência que desenvolveu com toda uma geração de realizadores inventivos e produtivos que marcaram o movimento da Nouvelle Vague. Mais um motivo para rever seus filmes e apreciá-lo, também, pelos seus escritos.
Cena do filme Jules e Jim( 1962).


Notas:
1. O que foi, afinal, a Nouvelle Vague por André Setaro. Texto divulgado no Curso de Introdução ao Cinema, outubro de 2007. Publicado anteriormente no site Coisa de Cinema em 3/5/2004.
2. Truffaut, François. Os filmes da minha vida. Tradução: Vera Adami. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.
3. Truffaut, François. O prazer dos olhos: textos sobre cinema. Tradução: André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2005
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sábado, 3 de novembro de 2007

Cinema Alemão


Anos 20: Metrópolis, Fritz Lang (1926, Alemanha).

Marca do expressionismo alemão, construção de alegorias e composições geométricas monumentais, diz-se que esse longa metragem impressionou tanto a Adolf Hitler que consultou Fritz Lang da possibilidade de trabalhos para o nazismo.

Mas de que trata mesmo Metrópolis?
Um paradigma da repetição assinala Ismail Xavier(1). A narrativa se movimenta numa alusão ao tempo futuro, porém sugere uma circularidade mítica que se vale da analogia como parâmetro de reflexão. Uma alegoria retratada desde a retórica clássica, pretendendo criar nexos entre uma analogia que se desenvolve ao longo de um percurso conectando-o, porém mantendo distinto, num mundo narrado e num universo de referência histórico ou mesmo de natureza conceitual. Trabalha-se no eixo do presente e do futuro. Uma cidade imaginária que tem a dimensão de um laboratório e ilustração de um problema vivido nos anos 20, para o qual se apresenta um diagnóstico e uma solução.
Os termos dessa analogia extraídos de vários contextos sócio-culturais ganham um nível de complexidade de modo a estabelecer uma relação entre passado e futuro definida por narrativas e referências iconográficas do passado. Desta maneira, estão subsumidos em Metrópolis, a tradição bíblica (o Velho e o Novo Testamento), o romance medieval, a mitologia germânica, tragédias e melodramas de vigança, uma constelação de elementos e de dados iconográficos de efeitos notáveis, a imprimir uma feição kitsch e a compor seu corpo fílmico. Vários campos de analogias convidam a leituras em busca de princípios de coerência, de mobilização de um campo teórico para identificar na arquitetura do filme as proposições de sentido e alegorias aí presentes(2).
O filme de Fritz Lang, diz Xavier, tem uma composição monumental que ultrapassa a mensagem enunciada no seu final, há um descompasso entre a mensagem intencionada e a experiência estética, o que aponta uma discrepância entre a riqueza de elementos compositivos que excedem o teor da parábola. Essas tensões estão presentes no filme, entre a narrativa e os efeitos plásticos, entre a palavra e a imagem, mas não se pode tomá-los unicamente com estranhamento uma vez que compõem um discurso disposto a exibir tais tensões como uma coleção de referências notórias.
A construção do espaço alegórico da cidade na abertura do filme e o modelo de alegoria que se instala quando a narrativa se desenvolve demarca a análise empreendida pelo que Xavier considera como a sua seqüência chave: o relato de Babel. Esta seqüência ocupa uma posição nuclear, diz ele, porque propõe um sentido particular para as construções monumentais que interagem com o lado sentencioso do filme, mas também porque assinalam como a alegoria impregna a composição visual de Metrópolis.
A magia e a ciência moderna estão presentes, na apresentação do robô, no laboratório como terreno dos fatos prodigiosos, nas substâncias líquidas em frascos misteriosos, uma cenografia que apresenta uma aparência de arcaísmo que se encontra com o gótico e o high tech, num universo de máquinas que sugerem uma concepção da luz como eletro-magnetismo. O futuro encontra a Idade Média. A tradição versus a modernidade. No laboratório de Rotwang a cortina se abre para que o metal em forma humana se movimentasse diante de espectadores atônitos antecipando um futuro que talvez os exclua. Tudo é premonição fatalista, impregnado do espectro de morte insinuada pela imagem metálica do robô e presença de caveiras. O metal tende a se transformar como força operativa na figura da feiticeira, metamorfoseada em Maria. O robô provoca fascínio e terror, a identidade entre a máquina e a figura feminina também se instala. Várias são as interpretações que mobilizam a psicanálise e a história social para as análises dos seus sentidos políticos subjacentes (3). Não é nosso propósito adentrarmos por esta vertente de análise, uma vez que especialistas voltados para estas ciências estão mais interessados e familiarizados e já as dispuseram para consulta, a quem por elas se interessarem.
Importa aqui, trazer a análise do Ismail Xavier ao tomar uma sequência emblemática: a alegoria de Babel. A lenda de Babel em Metrópolis é muito mais do que um modelo de referência, ela se faz parábola dentro da parábola, diz ele, para que o filme possa explicitar os termos da sua analogia entre o futuro e o passado mítico.


Em toda seqüência de Babel o agenciamento de palavras e imagens, pela seqüência ou justaposição, e até mesmo por suas lacunas, repete ou avança certos motivos que são centrais no destino da cidade do futuro, exibindo-os de forma mais depurada. É um momento em que a vontade de alegoria se faz plena, não só porque seja esta a intenção de Maria, mas porque na sua própria forma a seqüência insiste numa dimensão de “escrita hieroglífica” que chega ao esquematismo do emblema: justaposição de imagem e inscrição verbal cujo fundo pedagógico não afasta as tensões próprias a tais cotejos onde a experiência visual tende a escapar da linha estrita definida pelas palavras. Há um jogo de espelhos pelo qual a lenda de Babel forma uma versão reduzida do relato maior que dá conta dos fatos em Metrópolis, para que a analogia se faça uma quase identidade, uma repetição que o filme trabalha de modo particular, solo para que a mesma frase edificante arremate a pregação, aqui e no final do filme.


Como assinalado antes, um paradigma da repetição. Gostaríamos de continuar rastreando a análise, mas o espaço que estamos nos movendo tem os seus limites. Escolhemos apenas uma e só apenas uma seqüência, a seqüência que nos pareceu emblemática, deixando de comentar outras importantes alegorias modernas utilizadas, como o relógio que organiza o trabalho, o sino que convoca os espíritos, o trabalho como danação, a imagem da rebelião das massas e tantas outras que compõem o corpo fílmico.
O filme de Lang é polêmico, uma composição visual que dispõe peça de uma alegoria e traz a forma de uma experiência estética. O filme apresenta uma cidade imaginária e a forma da composição de tal monumento. Ao inscrever Babel como chave de codificação do seu discurso sobre o moderno, Metrópolis introduz um movimento reflexivo sobre a problemática do monumento, a busca do espetacular envolvendo um diálogo com espaços arquitetônicos em grande escala. Compõe uma alegoria moral de inspiração bíblica tornando Babel, a construção de uma imagem desejável.

O acirrado debate que o filme provoca, merece algumas linhas a mais:


Embora não contemporâneos, os filmes de Griffith e Lang são dois exemplos extraídos de um contexto histórico que, desde o início do século até a Segunda Guerra, se definiu por uma competição acirrada, esforço de hegemonia nos mercados e exacerbação dos nacionalismos que transformou as Exposições Universais, ponto de celebração do progresso, em terreno de rivalidades entre os países da Europa e os Estados Unidos . (...) Os filmes em questão constituem dois projetos tipicamente babélicos, em termos de saga da produção, do resultado monumental e do desastre financeiro. Enquanto projeto explícitos de exibição de uma força, eles mostraram muito bem o contexto de competição em que se insere esse impulso em direção ao monumento enquanto afirmação de uma identidade, construção de uma imagem desejável.


O filme Metrópolis, encontra-se submerso num quadro de notório conflito de interesses e de ressentimentos, de rivalidades nacionais do período entre guerras, isto é o que esta na raiz de Metrópolis como superprodução high tech, analisa Xavier.

Devo finalizar essas brevíssimas notas apenas iniciadas. Ficaram muitos fios soltos o que me provoca uma imensa vontade de ao rever o filme, refletir mais sobre a corrente do expressionismo alemão no qual o filme encontra-se inserido.



Notas:
1. Ismail Xavier. A alegoria langiana e o monumental: a figura de Babel em Metrópolis. In: História e Cinema. Maria Helena Capelato [et al ] São Paulo: Alameda, 2007.
2. Ver em análises do filme Metrópolis, cf: Tom Gunning. The Films of Fritz Lang: allegories of vision and modernity. Londres: BFI Publishing, 2000.
3. Roger Dadoun. Metropolis: ville-mère, Mittler, Hitler. Revue Française de Psychanalse 1( 1974) e Andreas Huyssen. The Vamp and the Machine: Fritz Lang’s Metropolis in After the Great Divide: Modernism, Mass Culture, Postmodernism. Bloomington, Indiana University Press, 1986.