sexta-feira, 8 de junho de 2012

Sistema Público de Radiodifusão

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Considerações acerca do sistema público de radiodifusão (1)



O sistema público de radiodifusão aparece na Constituição Federal de 88 ao lado dos antigos sistemas privado e estatal, dos quais temos referência nas constituições anteriores, nas leis ordinárias, decretos, normas, editais e outros procedimentos administrativos. O Brasil, a partir de então, organiza seu modelo de radiodifusão em três sistemas distintos em características e funções sociais. Porém, supõe-se harmoniosamente reunidos, se complementando, de modo que a natureza pública da comunicação prevaleça indistintamente e lhes dê sentido. Este novo sistema é em essência oposto ao privado, porém, distinto do estatal.

Há quem afirme com propriedade, que em razão da natureza e modo de produção social capitalista, sob os quais a sociedade brasileira historicamente se estrutura, as políticas públicas e as ações do Estado tendem a ser modeladas por valores e interesses privados, sejam econômicos, políticos ou religiosos. Assim, a natureza pública da comunicação e a regulação dos sistemas público-estatal e público societário, instituídos na Constituição de 88, tendem a ser desfigurados, incorporando mecanismos burocráticos e políticos que impedem a sua execução, e as poucas emissoras públicas são pressionadas a adotarem práticas privadas. Após 18 anos da promulgação da Constituição Brasileira, ainda não foram regulados os sistemas estatal e público. Entretanto, as legislações do sistema privado são atualizadas, ampliando privilégios, mantendo monopólios e oligopólios, inclusive premiando as empresas e instituições detentoras das concessões analógicas de televisão com a outorga de canais digitais.

Sabemos que a comunicação é um bem público – em tese, para uso universal pelas populações das comunidades e do território nacional – um dever do estado e direito de todos. Mas a noção histórica de público após 88 ganha uma nova vertente: a instituição do sistema público distinto do estatal. Públicos em natureza, propriedade, gestão e conteúdos, estes sistemas se diferenciam. No sistema público não estatal, as ondas de rádio de sons e imagens, entendidas como bem público universal, são de propriedade e gestão do conjunto dos indivíduos, grupos e instituições da sociedade. Já no sistema estatal, tradicionalmente consagrado como público, destinado a todos indistintamente, a gestão deste e de todos os seus serviços deve ser democrática, onde União, Estados e Municípios partilham com instituições da sociedade civil a condução das políticas, respeitando os beneficiários como cidadãos, jamais como clientela. Não se concebe como eticamente legítima a transferência da gestão de uma instituição pública, mantida pelo estado, nem mesmo na forma de fundação de direito privado (terceirização da gestão administrativa), praticada pelos dirigentes neoliberais nas últimas décadas, no país, na área da radiodifusão educativa. O mundo dos negócios faz parte do sistema privado da comunicação, jamais dos sistemas estatal de gestão democrática ou do público de gestão comunitária.

Seja nos tempos do regime de força de Getúlio ou dos militares de 64, na transição democrática de Sarney, na fase neoliberal de Collor a Fernando Henrique ou populista de Lula, grupos privilegiados dominantes se utilizam dos mecanismos do poder de estado para a legitimação de seus atos, interesses ou um grande negócio como se nada de anormal ocorresse. O Estado sempre esteve pronto para reproduzir o sistema privado de radiodifusão. A primeira TV no país – a Nacional –, em 1950, logo se desfez para que os Diários Associados, o “pioneiro”, inaugurasse em 1951 uma televisão privada.


No início dos anos 80, o modelo de estado configurado na ditadura militar dava sinais de crise. A presença dos militares no poder como mecanismo de controle sobre a maioria da sociedade entrava em conflito com os anseios das oligarquias políticas regionais e seus partidos. O regime do arbítrio não podia mais conter as greves operárias e as manifestações populares e da sociedade civil. As oposições partidárias cresciam nos estados e passavam a espelhar seus conteúdos na imprensa regional, apesar dos aparatos repressivos. Abria-se uma janela para que a luta pela democratização da sociedade e das estruturas de estado se espalhasse pelo país. As diretas já ganharam as ruas, pautaram a imprensa e as discussões acadêmicas e estimularam a formação de uma frente nacional por políticas públicas democráticas na área das comunicações. Ao assegurar no texto constitucional mecanismos de participação social e de elaboração de projetos de iniciativa popular, surgia o sistema público de radiodifusão, onde a propriedade, gestão e produção de conteúdos das comunidades eram concebidas como uma vertente nova da gestão pública do bem comum no campo da comunicação no país.

No contexto político atual, da passagem do primeiro para o segundo mandato do governo Lula, há uma quebra de braço com a chamada “grande mídia conservadora”. Mas as relações entre o governo e o mundo da mídia regional e nacional se restabelecem na continuidade do modelo de governabilidade adotado, fruto de uma conciliação de interesses entre estado, partidos e empresas. Constitui grande desafio para os movimentos sociais na luta pela democratização da comunicação, superar diferenças entre grupos e classes sociais, traçar uma compreensão clara do cenário político e então (re) definir estratégias e táticas para construir uma outra comunicação, fundada no estatuto da igualdade. Nesta perspectiva, devemos priorizar a regulação dos sistemas público e estatal de modo a garantir o exercício do direito coletivo e difuso da comunicação, com emissoras de rádio e televisão digitais societárias numa convergência técnica com as redes comunitárias sem fio de telefone e internet de acesso universal, públicas, gratuitas ou de baixo custo, numa complementaridade com um sistema estatal democratizado na sua gestão administrativa e política.


(1) Jonicael Cedraz de Oliveira. Professor de Comunicação da UFBA, Coordenador Executivo do FNDC-BA e da ABRAÇO-BA. Membro da coordenação colegiada da Sociedade Civil Acauã mantenedora da radio comunitária acauã. Presidente do COMPOP-Conselho de Comunicação e Políticas Públicas da Metrópole de Salvador. Autor de artigos diversos sobre comunicação.


P.S.

Sempre que encontro Jonicael, o tema das Rádios Comunitárias e do seu importante papel no sistema público da radiodifusão predomina na conversa. Buscando continuar o papo, propus então que ele me enviasse um texto sobre o tema, deste modo manteríamos o diálogo que tanto estimula e alimenta o trabalho deste militante ativista dedicado a causa.

O texto enviado, após nossa participação no 3º Encontro Nacional de Blogueiros, Salvador-Bahia em maio de 2012, mostra a necessidade de se priorizar a regulação dos sistemas público e estatal de modo a garantir o exercício do direito coletivo e difuso da comunicação, com emissoras de rádio e televisão digitais societárias, dentre outros. Tema que interessa a todos (as) que lutam pela democratização das mídias.

Adicionei uma foto nossa no 3º Encontro Nacional de Blogueiros. Estamos todos de frente para uma das mesas concorridas do evento, fiquei a anotar tudo através de um netbook e Jonicael ao lado falando pelos cotovelos. Valeu Joni!





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