quarta-feira, 27 de junho de 2012

Sobre a Rio+20 no Novas Pensatas

Esta postagem encontra-se em novaspensatas.blogspot.com de Jonga Olivieri. O texto é da autoria do Professor Jorge Vital de Brito Moreira e contém uma análise de evento recente ocorrido na Cidade do Rio de Janeiro, a Rio+20. Um texto a ser consultado.



Rio+20 e a “Economia verde”: pode a cobra cascavel voar?


Ha vinte anos, em junho de 1992, foi realizada no Rio de Janeiro, Brasil, a “Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento” (a Rio-92) onde participaram centenas de governos e chefes de Estado do planeta.

Desde a Rio-92 (também conhecida como “A Cúpula da Terra”), começou a circular entre os indivíduos a noção de “desenvolvimento sustentável” que vem sendo definida e discutida como “o desenvolvimento capaz de atender às necessidades atuais sem comprometer os recursos para as gerações futuras”.

Muitos daqueles que celebraram os resultados “positivos” da Rio-92 (tais como a elaboração dos documentos oficiais que estabeleciam as convenções da biodiversidade, da desertificação e das mudanças climáticas), tiveram as suas esperanças defraudadas quando, em estado de choque, viram o presidente George W. Bush (filho do ex-presidente George Bush que participou da Rio 92) cair fora do Protocolo de Kyoto (e das metas para a redução da emissão de gases poluentes que intensificam o efeito estufa).

Naquela irracional decisão, George W. Bush declarou, arrogantemente, que não iria submeter o avanço da economia norteamericana aos sacrifícios necessários para a implementação das medidas propostas, motivo pelo qual não ratificou o Protocolo que havia sido elaborado com bases na convenção das mudanças climáticas do Rio-92. Assim, o presidente do país mais poderoso do sistema capitalista imperialista, rejeitou o Protocolo de Kyoto de 1997 (a jóia da coroa da Rio-92) para, em troca, invadir o Iraque e, durante o assassinato de milhões de iraquianos, se apropriar indevidamente do petróleo daquele país.Depois de colocar em circulação a noção de “desenvolvimento sustentável”, os países capitalistas ricos regressam ao Rio de Janeiro, ao Rio+20, com outra armadilha conceitual denominada “a economia verde” que propaga um verdejante disfarce ideológico para encobrir a continuidade da exploração e dominação da economia capitalista imperialista sobre os países e as classes sociais do terceiro mundo.

Pelo anterior podemos afirmar que um dos objetivos centrais dos países ricos na Conferencia Rio+20 é conseguir uma autorização (um mandato) das Nações Unidas para continuar com o monopólio para elaborar o marco teórico, metodológico e institucional do “desenvolvimento sustentável” que lhes sejam convenientes e funcionais.

Assim, um dos aspectos centrais da agenda da Conferência é a criação de um quadro institucional para a legitimação da “economia verde” como o modelo ideal de desenvolvimento sustentável. Trata-se, em essência, como alguns críticos já denunciaram, de institucionalizar novas formas de exploração mercantilista da natureza (apropriação da água por exemplo) e fortalecer a acumulação de capital na esperança de, entre outras coisas, superar a crise atual do sistema.

Mas aqui torna a aparecer a questão fundamental que deveria ser discutida prioritariamente na Rio+20: Poderá existir desenvolvimento sustentável dentro do sistema capitalista? Colocando esta pergunta em termos metafóricos teremos: pode a cobra cascavel voar?

Não é difícil demonstrar que a cascavel não pode, nem poderá voar por seus próprios meios porque ela não tem, nem terá, as características estruturais das aves que foram feitas para se transportar por via aérea.

Tão pouco é difícil argumentar que (considerando as características objetivas deste sistema), não existe nenhuma possibilidade de “desenvolvimento sustentável” dentro do capitalismo.

O capitalismo, como um dos modos de produção da nossa sociedade, apresenta, faz mais de dois séculos, as mesmas características estruturais, e estas anulam qualquer possibilidade do desenvolvimento sustentável. A exploração e a dominação econômica, a concentração da riqueza, a desigualdade e a injustiça social, o consumo depredador, a extração irracional da riqueza natural, a poluição e a destruição das florestas, dos rios, das espécies animais e a produção interminável de guerras são as características inerentes ao sistema capitalista, que na atualidade estão ainda mais exacerbadas durante a etapa da globalização neoliberal e da crise financeira, política e social, mundial.

Este conjunto negativo das características do sistema capitalista demonstra a sua inviabilidade futura e levanta a questão fundamental da impossibilidade da realização de “desenvolvimento sustentável” dentro do capitalismo. Esta é a questão fundamental que os países ricos tratam e tratarão de evitar, de escapar na Rio+20.

Não é novidade. Sabemos que desde a revolução francesa, a burguesia vitoriosa estabeleceu os valores da “Liberdade”, da “Igualdade” e da “Fraternidade” para serem convertidos em direitos humanos na terra; direitos que (para implementar-se entre as diferentes nações) requeriam, entre outras coisas, a criação de um organismo como a Organização das Nações Unidas (ONU) que deveriam ajudar neste processo de desenvolvimento social e humano.

Se vamos avaliar (depois de décadas e décadas de existência) o desenvolvimento histórico do capitalismo e da ONU, desde a perspectiva da distribuição dos direitos humanos entre as nações ricas e pobres, chegaremos à triste conclusão de que o resultado é sumamente negativo: nunca a situação dos direitos humanos (decorrente dos valores burgueses da “Liberdade”, “Igualdade” e “Fraternidade”) estiveram em pior situação histórica dentro do sistema e a ONU se converteu predominantemente num instrumento de apoio da globalização imperialista que não respeita os direitos humanos dos pobres: cada dia que passa, presenciamos o aumento da falta de emprego, de ingresso, de educação, de saúde e vivenda para bilhões de seres humanos que habitam miseravelmente este planeta. Nesta perspectiva não existe luz no final do túnel e dentro da loucura capitalista para obtenção dos lucros econômicos, estamos caminhando inexoravelmente para o colapso total, para a decadência e para a destruição da civilização ocidental.

Não há novidade neste processo. Desde o século XIX, Marx escreveu no livro I de O Capital que a extensiva e intensiva exploração da classe trabalhadora (“a galinha dos ovos de ouro”) pelos capitalistas ingleses para produzir lucros (mais valia absoluta e relativa) era de tal magnitude que conduzia às deformações e a diminuição do tamanho físico dos trabalhadores. Esta e outras deformações físicas obrigou o governo inglês a colocar inspetores nas fabricas para fiscalizar o assombroso número de horas da jornada laboral que se usava para superexplorar os trabalhadores. Foi através da legislação da jornada laboral que o Estado burguês conseguiu evitar a depredação absoluta e a morte total e completa da “galinha dos ovos de ouro”. Marx demonstrou que:

“La producción capitalista, que es esencialmente producción de plusvalía, absorción de plustrabajo, produce, pues, con el alargamiento de la jornada de trabajo, no sólo la atrofia de la fuerza de trabajo humana -a la que se arrebatan sus condiciones normales, morales y físicas, de desarrollo y actuación-, sino también el agotamiento y la muerte de la misma fuerza de trabajo. Prolonga el tiempo de producción del trabajador durante un plazo dado mediante el acortamiento de su tiempo de vida” (El Capital, I. Cap. VIII, 287; OME 40) (1)

Marx também escreveu no livro I de O Capital que todo desenvolvimento (progresso) capitalista está baseado na depredação do trabalhador, da terra e de suas fontes de vida. Ele demonstrou que:

"todo progreso de la agricultura capitalista es un progreso no sólo del arte de depredar al trabajador, sino también y al mismo tiempo del arte de depredar el suelo; todo progreso en el aumento de su fecundidad para un plazo determinado es al mismo tiempo un progreso en la ruina de las fuentes duraderas de esa fecundidad". "La producción capitalista no desarrolla la técnica y la combinación del proceso social de la producción más que minando al mismo tiempo las fuentes de las que emana toda riqueza: la tierra y el trabajador." (El Capital, I. Cap. XIII, seccion 10 ; OME 40) (2)

Desde este ponto de vista, não deveríamos esquecer que na primeira conferencia Rio-92 o ex-presidente George Bush (que invadiu o Panamá e realizou a primeira Guerra contra o Iraque) tratou de propagar a “Nova Ordem Mundial” capitalista, afirmando arrogantemente que “o estilo de vida estadunidense (the American way of life) não está aberto a negociações”

Durante essa conferencia, Fidel Castro, em nome de Cuba e das nações pobres e em vias de desenvolvimento, confrontou Bush questionando e denunciando o modelo de desenvolvimento imperialista da “Nova Ordem Mundial, avisando-nos dos perigos das intermináveis guerras imperiais.

«Si se quiere salvar a la humanidad de esa autodestrucción, hay que distribuir mejor las riquezas y tecnologías disponibles en el planeta. Menos lujo y menos despilfarro en unos pocos países para que haya menos pobreza y menos hambre en gran parte de la Tierra. No más transferencias al Tercer Mundo de estilos de vida y hábitos de consumo que arruinan el medio ambiente. Hágase más racional la vida humana. Aplíquese un orden económico internacional justo. Utilícese toda la ciencia necesaria para un desarrollo sostenido sin contaminación. Páguese la deuda ecológica y no la deuda externa. Desaparezca el hambre y no el hombre».

Hoje, 20 anos depois da Rio-92, ficou demonstrado que Fidel Castro tinha razão quando denunciou que a “Nova Ordem Mundial”, baseada na expansão neoliberal do capitalismo, era um modelo ainda mais opressivo e depredador do que antes pois colocava a espécie humana sob o perigo de extinção.

Não tenho a menor dúvida que a intervenção de Fidel, passou a ser um dos elementos que tem servido para alertar a parte da humanidade e tem estimulado e incrementado a luta de resistência contra o imperialismo e o colonialismo das nações ricas, sobretudo dos EUA.Afortunadamente, hoje já existe um conjunto de movimentos e de organizações políticas de resistência mundial ao capitalismo que lutam para apresentar propostas alternativas que sirvam para invalidar a proposta burguesa da “economia verde”. Eles se encontram reunidos atualmente no Rio de Janeiro, realizando a “Cúpula dos Povos”(3) uma conferência paralela à conferência oficial Rio+20, dos chefes de estado e corporações transnacionais, e apresentarão propostas com soluções democráticas e anti capitalistas para resolver os problemas que depredam a humanidade e seu meio ambiente.Assim,contra esse discurso verde, os movimentos da sociedade civil como um todo, estão enfrentando o desafio de mostrar ao mundo que há saídas reais, efetivas que estão sendo construídas pelas comunidades e várias organizações políticas de resistência da América Latina e do Caribe, África, Ásia, da Europa e dos Estados Unidos. As alternativas produtivas, sociais e de gestão econômica que foram criadas tem sido realizadas com sucesso por cooperativas, associações de bairro, movimentos sociais, povos indígenas e minorias étnicas, sexuais, religiosas. Todos estes modos de construção coletiva, apontam na “Cúpula dos Povos” para a construção de um novo mundo, de uma nova sociedade (anti capitalista, verdadeiramente democrática, e revolucionária) que esperamos será realizável num futuro próximo. Que sejam bem vindos.

NOTAS


1) Karl Marx, El Capital I, tradução para o espanhol de Manuel Sacristán Luzón, Editorial Grijabo.


2) Karl Marx, El Capital I, tradução para o espanhol de Manuel Sacristán Luzon, Editorial Grijabo.

Consulte os escritos de Manuel Sacristán Luzón sobre temas marxistas, ecológicos, pacifistas e feministas contemporâneos na revista espanhola Mientras Tanto, fundada por ele, sua esposa Giulia Adinolfi e um conjunto de pensadores marxistas espanhóis.

Sobre a problemática, veja também os escritos de Sacristãn nos livros, Pacifismo, ecología y política alternativa, 1987, Icaria, Barcelona; e Seis conferencias sobre la tradición marxista y los nuevos problemas, 2005, El Viejo Topo, Barcelona..


3) Para obter mais informação (auditiva, escrita, visual) sobre “A Cúpula dos Povos, veja o link: http://tv.cupuladospovos.org.br/.

Devido a realidade de que os meios de informação oficiais (a grande imprensa e a mídia corporativa) excluem as informações e as vozes dos seus representantes, a “Cúpula dos Povos” criou esta nova forma alternativa de comunicação para informar a sociedade. Sabe-se que foram muitos os protestos e manifestações durante o evento no Rio de Janeiro, todos duramente reprimidos pela forças policiais.

Postado por Jonga Olivieri às 00:53 2 comentários:

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