sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

O leitor, 2008












Assisti o filme no Cinemark, Shopping Salvador(1).
A seguir uma apreciação do crítico de cinema Luis Carlos Merten, publicada em seu Blog, 07.02.2009.


O Leitor
por Luiz Carlos Merten, Seção: Cinema 13:18:44.
BERLIM - Ia deletar o post que acrescentei ontem, na corrida, mas resolvi conserva-lo, para os arquivos, como se diz. Prefiro comecar de novo, mesmo num teclado estrangeiro, sem acentos, o que eh sempre um problema para todos, para voces e para mim. Para inicio de conversa, cada vez que lerem eh trata-se da terceira pessoa do singular do presente do verbo ser. Eu sou, tu es, ele eh. Quem leu meu comentario do primeiro dia no Caderno 2, sabe quanto foi decepcionante o thriller de Tom Tykwer que inaugurou a Berlinale de 2009. Para dizer a verdade, o filme - The International, que no Brasil vai se chamar Trama Internacional - nem eh tao ruim, eh apenas o caso do programa errado. Por mais que o diretor art+istico Dieter Kosslick tenha procurado justificar a inclusao do filme fora de concurso, a verdade eh que o ataque de Tykwer ao sistema financeiro - e ao poder dos bancos - nao confere grande atualidade ao que eh um filme de acao um tanto banal, apesar das filmagens ao redor do mundo e de uma cena espetacular no Guggenheim Museum, de Nova York, destruido num tiroteio que nao deixa pedrta sobre pedra. Passado esse primeiro dia, as coisas começaram a encaminhar-se ja no segundo. Gostei de O Leitor, mas o filme de Stephen Daldry passa fora de concurso. Como ja estreou no Brasil, eh possivel que muitos de voces ate ja o tenham visto. Achei muito interessante a historia e suas implicacoes eticas. Daldry e seu roteirista, o dramaturgo David Hare, discutem questoes como a responsabilidade e o afeto. Rakph Fiennes debruça-se sobre o proprio passado e lembra o garoto que foi, tendo um affair com uma mulher mais velkha, quando tinha apenas 15 anos. Estudante de direito, ele vai acompanhar o julgamento dessa mulher, quando ela eh julgada por crimes de guerra, contra os judeus. Cria-se a seguinte situaçao - a personagem eh responsabilizada por uma açao que nao cometeu,m ou que nao poderias ter cometido sozinha, mas que ela assume com vergonha de revelar o seu segredo (que eu nao vou dizer qual eh). O garoto, podendo desfazer o equivoco, nao o faz e essa eh uma sutil maneira de discutir responsabilidades morais. Quando Kate Winslet devolve a pergunta do juiz - o que ele faria, se estivesse no lugar dela, sob o nazismo? -, a interrogaçao fica sem resposta. Nao se trata de buscar uma absolviçao para os crimes do nazismo nem para a conivencia do povo alemao, mas de uma discussao seria, e honesta, sobre responsabilidades individuais e coletivas. Isso fica claro na bela cena em que Ralph Fiennes vai a casa da judia rica, vitima de Kate e para quem ela deixou o dinheiro que ganhou na prisao. A cena eh magnifica, um pouco pela atriz, Lena Olin, mas tambem porque eh muito bem escrito e filmada, mostrando como um simples objeto pode adquirir um valor emocional que dinheiro nenhum vai comprar. Kate Winslet corre ao Oscar de melhor atriz, ela que ganhou, pelo papel, o Globo de Ouro de coadjuvante. Kate eh fantastica, mas usa uma maquiagem para envelhecer que nao convence. Acho que eh, no limite, a unica coisa de nao gosto nesse filme tao bonito. Vejam ai em Sao Paulo e a gente conversa.


Nota:(1) Considero O Leitor um dos melhores filmes que assisti nos últimos meses. Se a crítica do crítico de cinema não demonstra tanta empolgação com o filme, alguns aspectos da temática abordada, a meu ver, passaram chapada em suas observações. O filme além de tratar de temas relevantes como a iniciação sexual de um adolescente com uma trabalhadora analfabeta pertencente a SS nazista, cujo encontro se passa intermediado pela leitura de clássicos universais da literatura, entre eles, Homero em sua Odisséia, os poemas de Ranier Marie Rilke entre outros, fazendo-se acompanhar de livros pueris da literatura infantil, encontros de catarse em que a iniciação se faz para ambos em contraponto, a iniciação da sexualidade para um e a iniciação ao mundo letrado para o outro, num cuidadoso jogo de linguagem cinematográfica, câmera em planos longos e marcantes closes em que os protagonistas espelham seus impulsos, suas tensões.
Não bastasse isso, numa cena, não mais que em uma ou duas cenas, o advogado que tratará de discutir com seus alunos sobre as acusações que prevalescem sobre a trabalhadora pertencente a SS, não é nada mais nada menos do que o ator ( aqui envelhecido, não me recordo o nome agora) que protagonizou o anjo do filme de Win Wenders em Asas do Desejo. Sua aparição, rápida, porém decisiva, leva-nos a retrospectiva de uma memória cinematográfica que não se perde, indescritível.
Bem, o filme tece um debate sobre a ética e valores de uma sociedade nazista em que as ações individualizadas subsumidas em direção ao holocausto e aos comandos de fôrça, estão em julgamento no presente.
Teria muito mais a dizer sobre o filme, mas fico por aqui.
Sobre o desempenho de Kate Winslet, que a julguem os críticos, eu gostei muito.

5 comentários:

Stela Borges de Almeida disse...

Enviado através de e-mail, coloco nos comentários para compartir com os poucos e constantes leitores deste Blog.


Stela,

Sem duvida uma tematica bastante relevante esta da mesclagem entre as singulares relações do garoto e a analfabeta membro da SS
com a questão das responsabilidades individuais e coletivas pelas atrocidades ou crimes cometidos ou atribuidos a determinadas pessoas durante o periodo de vigencia do nazismo. Alguma coisa dos comentarios que você envia sobre esta segunda parte fazem-me lembrar de livros como O Incendio do Reichtag ou de
filmes como O Julgamento de Nuremberg, além de varios outros livros ou filmes mais recentes que tenho lido ou assistido sobre épocas de ditadura no Brasil, como as do Estado Novo e do periodo 1964/1983. Enfim, não assisti O Leitor, que parece estar passando aqui no Rio e não sei se ainda encontrarei no circuito comercial quando retornar de Salvador,no inicio do proximo mes, mas se estiver passando pretendo assistir. Se ainda não lhe falei não deixe de assistir, quando estiver passando ai, O NINHO VAZIO, o ultimo que vi no circuito comercial.
Beijo, Pedro.

Jonga Olivieri disse...

Ainda não assisti este filme de Stephen Daldry, este inglês que dirigiu "Billy Eliot" (2000), mas a temática é muito interessante.
Como no citado filme anterior, o diretor adentra o ser humano em suas dúvidas e diferenças.
No caso, a omissão e a culpa. Um tema sem dúvida desafiador.

Stela Borges de Almeida disse...

Tenho recebido e-mails comentando sobre as postagens deste blog. As que mais gosto são aquelas que dizem que não sabem como enviar comentários mas que vão descobrir as dicas ( assumem-se jurássicos mas pretendem ainda andar em rede).
Os comentários que mais me incomodam são os(as) que não concordam e criticam as postagens e acham os blogs imbecis e coisa de "débeis mentais". Essas críticas incomodam porque partem de preconceitos mascarados, que ficam na superfície.

Mas tem um tipo de comentário que me deixa surpresa. Aqueles que querem e me convidam para ampliar o debate que busco alcançar nestas postagens. Estou me referindo aos comentários de Yog, Flávia, Chad e Roberta.

Stela Borges de Almeida disse...

A resenha do livro que inspira o filme encontra-se publicado na FSP, vale a pena ler.

Livro original é bem escrito "tour de force"
MÁRCIO SELIGMANN-SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Poucas obras têm a capacidade de agregar em torno de si leituras e opiniões tão díspares, quanto O leitor de Bernhard Schlink. Mas uma coisa é certa: para quem se interessa pela relação entre literatura e trabalho da memória do passado violento, este livro é de leitura obrigatória. Primeiro porque ele é bem escrito e tem fina auto-ironia. Em segundo lugar, porque ele realiza um verdadeiro tour de force. Afinal, ele apresenta uma história de amor, carnal e muito intensa, tendo como pano de fundo os campos de concentração nazistas.
O romance apresenta uma tripla temporalidade: o ato de escritura de um jurista, Michael Berg, nos anos 1990, que redige seu livro como um testemunho para "se livrar" de seu passado; o romance entre este narrador quando tinha 15 anos e uma mulher, Hanna, de 36, logo após a Segunda Guerra; e o período do julgamento desta mulher, nos anos 1960. Esta tripla temporalidade é assombrada pelos fatos terríveis que são revelados no julgamento: Hanna havia sido uma guarda em Auschwitz e responsável por uma série de mortes.
O romance de Michael e Hanna era marcado por um original ritual: antes de irem para a cama, ele lia longamente para ela os clássicos da literatura alemã e universal. Após o julgamento, quando Hanna é condenada, este ritual de leitura é prolongado: Michael, que só se dera conta de que Hanna era analfabeta no julgamento, passa a enviar fitas com suas leituras.
Do ponto de vista da história da representação do Holocausto, este livro, de 1995, representou uma guinada: sua estrutura e modo de apresentação da história de Michael e Hanna fazem da figura do guarda de campo de concentração, uma pessoa digna de compaixão, de amor e de tudo mais. Schlink, ele mesmo um jurista, acaba construindo com Michael um alter-ego em busca de resolver a questão da sua relação com o passado da Alemanha.
Ele apresenta o drama da sua geração que, nos anos 1960, se empenhou em julgar e revelar o que ocorrera no nazismo, em denunciar o escândalo dos nazistas que continuavam em altos postos ainda naquele período, e que assumiu de modo radical a culpa e a vergonha pelo que seus "pais" haviam feito. Mesmo se no livro o pai de Michael não tenha de fato feito nada. Ele representa a impotência da Alemanha Iluminista: é um filósofo, autor de obras sobre Kant e Hegel, que fez um exílio interno durante o período nazista.
Mas ao longo do julgamento ocorre uma virada na trama: de jurista empenhado nesta revisão e revelação do passado, ele se torna empático com Hanna e cada vez mais anestesiado diante das terríveis histórias que eram narradas no tribunal. A irrepresentabilidade do Holocausto é transformada em impossibilidade de seu julgamento. O efeito catártico do tribunal produz este fruto paradoxal: na medida em que "faz justiça" também permite uma identificação com Hanna. Esta personagem é tanto a figura singular (que permite a compaixão) como também mais de uma vez é apresentada como uma espécie de "mãe-Alemanha", analfabeta e ainda na menoridade, oposta à Alemanha espiritual de Goethe e Schiller. A culpa que Michael sentia com relação ao que a geração anterior havia feito é transformada em culpa com relação a Hanna.
Sexo, amor, escritura e morte dançam aqui uma coreografia da memória que não deixa o leitor incólume.

MÁRCIO SELIGMANN-SILVA é professor de teoria literária na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e autor, entre outros, de "O Local da Diferença" (ed. 34).

André Setaro disse...

"O Leitor", ainda que a falta de entusiasmo de Merten, é um filme rigoroso na sua construção e que toca num ponto delicado e para reflexão: o da colaboração voluntária do cidadão comum alemão com o regime de Hitler em seus piores aspectos.Kate Winslet está inexcedível e não foi à toa que ganhou, ontem, o Oscar de melhor atriz. Um filme a ver. Obrigatoriamente.