terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Carta do cineasta Sílvio Tendler

















Por considerar mensagens de e-mail recebidas sugerindo-me que repassasse neste Blog a Carta do cineasta Silvio Tendler ao Sr. Ministro Tarso Genro, transcrevo-a a seguir.
No momento acompanho os fatos buscando informar-me com mais detalhes da situação, porém, sempre contra as injustiças que se venham cometer em nome das leis. Em discussão.



Ao Exmo. Sr. Ministro da Justiça Tarso Genro
Ilustre Ministro:

Venho tomar dois minutos de seu precioso tempo que poderão salvar uma vida. Quis o destino que recaísse em seus ombros a decisão que pode salvar o escritor Cesare Battisti dos cárceres italianos.
Não se trata, prezado Ministro, de eludir a lei, mas, sim, de impedir a vingança. Pelo que tenho lido, o processo contra Battisti é montado a partir de enormes falhas que podem punir um inocente para acobertar um culpado.
Lembro os terríveis precedentes de Olga Benário e Elize Ewert, deportadas para um campo de concentração. O final da história, o Sr. conhece bem.
Aliás, amparado pela cidadania, o banqueiro Cacciolla viveu livremente na doce Itália depois do rombo que deixou em nossa economia e pelo qual foi condenado no Brasil, onde cumpre pena. Não foi deportado pela Itália, que ao contrário, lhe protegeu.
Quer a lei que o Sr., em nome do humanitarismo de nosso povo acolhedor, possa decidir pela permanência de Battisti entre nós.
Lembro que temos uma tradição e que já concedemos asilo até mesmo a Georges Bidault, ex-ministro francês envolvido em atentado contra o Presidente Charles De Gaulle e contra a independência da Argélia. Bidault foi aqui acolhido por razões humanitárias pelo Presidente JK. Não vejo porquê um jovem revolucionário que converteu-se em escritor não possa ser salvo pelo Sr., com um gesto de grandeza.
Quantos brasileiros foram, um dia, acolhidos no exterior, salvos das garras de uma ditadura sanguinária que os alcunhava de "terroristas"?
Lembre-se de Olga, Elize Ewert, o casal Rosemberg e de tantas injustiças cometidas em nome das leis. Lembre-se dos dez de Hollywood.
Lembre-se do Caso Dreyfuss e seja Emile Zola. Repudie Felinto Muller, exerça seu Ministério com grandeza e permita que o escritor Cesare Battisti permaneça entre nós.
Atenciosamente,
Silvio Tendler
Cineasta
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4 comentários:

Stela Borges de Almeida disse...

Stela,
essa carta e mais outras devem ser enviadas ao Ministro Gilmar Mendes. Aliás, aos ministros do Supremo.
Um abraço,
Georgeocohama.

Jonga Olivieri disse...

Tendler lembra com precisão do caso Cacciolla... mas evoca (com razão) antecedentes como o de Olga Benário, que passou para a história.
É controvertida e polêmica a situação de Battisti. Li ontem que as autoridades italianas estão até a envolver a União Européia na questão. É muita "pressão"...
Fizeram do caso um "cavalo de batalha" no tocante à posição assumida pelo governo brasileiro.
Como você disse apropriadamente, este é um caso em discussão, e, a cada dia que passa, estamos sabendo de alguma coisa mais sobre ele. Resta saber no que vai dar esta verdadeira 'novela' ao vivo e a cores.

André Setaro disse...

Como é público e notório, a Itália, ainda que um país democrático, tem a infelicidade de estar, atualmente, com um governo fascista presidido pelo Senhor Silvio Berlusconi. Concordo com o parecer do eminente jurista Dalmo de Abreu Dallari, vítima de espancamento durante a ditadura militar, professor emérito da Faculdade de Direito da USP. Peço licença para transcrevê-lo aqui, neste tão prestigiado blog:

"UMA DECISÃO recente do ministro da Justiça do Brasil, concedendo o estatuto de refugiado ao cidadão italiano Cesare Battisti, merece especial atenção por sua importância dos pontos de vista ético, jurídico e político.
É oportuno lembrar que toda a história brasileira, desde 1500, é uma constante de concessão de abrigo e proteção a pessoas perseguidas por intolerância política, discriminação racial ou social e outros motivos injustos, como o uso arbitrário da força.
Assim, na segunda metade do século 20, pessoas perseguidas por se oporem aos regimes comunistas estabelecidos na Europa oriental, assim como outras que sofriam perseguição em países vizinhos do Brasil, por se oporem a governos fortes de extrema direita, procuraram e obtiveram no Brasil a condição de refugiados.
Deixando de lado as conveniências políticas e dando a devida prioridade aos valores do humanismo, o Brasil decidiu soberanamente, com independência, e concedeu aos perseguidos a proteção de sua ordem jurídica. No caso de Cesare Battisti estão presentes os requisitos fundamentais para a concessão do estatuto de refugiado, como fica evidente pela análise dos antecedentes do caso e pelo exame sereno dos dados do processo, minuciosamente expostos pelo ministro da Justiça.
Há pouco mais de 30 anos, Battisti foi militante de um grupo político armado, de orientação esquerdista. O governo italiano da época, de extrema direita, estabeleceu o sistema de delação premiada, pelo qual os militantes que desistissem da luta armada e delatassem seus companheiros ficariam livres de punição. Com base numa delação premiada, Battisti foi acusado da prática de quatro homicídios, sendo condenado à prisão perpétua.
Além de só haver como prova as palavras do delator, dois desses crimes foram cometidos no mesmo dia, em horários muito próximos e em lugares muito distantes um do outro, de tal modo que seria impossível que Battisti tivesse participado efetivamente de ambos os crimes.
Dispõe expressamente a lei nº 9.474, de 1997, que trata do Estatuto dos Refugiados no Brasil, que será reconhecido como refugiado o indivíduo que, devido a fundados temores de perseguição por motivo de opinião política, encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não queira acolher-se à proteção de tal país.
Além daquela contradição no julgamento de Battisti, outro dado revelador é a enxurrada de ofensas e agressões de ministros do governo italiano ao governo e ao povo do Brasil pela decisão do ministro Tarso Genro.
Reagindo com extrema violência, o ministro do Exterior convocou o embaixador brasileiro na Itália para exigir a mudança da decisão, ao mesmo tempo em que outros ministros fizeram ameaças de represália, inclusive de boicote da participação do Brasil em reuniões internacionais.
Entretanto, muito recentemente o governo da França negou atendimento a pedido italiano de extradição de Marina Petrella, que, como Battisti e na mesma época, foi militante de um movimento político armado, as Brigadas Vermelhas. O governo italiano acatou civilizadamente a decisão francesa, reconhecendo tratar-se de um ato de soberania. Qual o motivo da diferença de reações? O governo e o povo do Brasil não merecem o mesmo respeito que os franceses?
Essa diferença de comportamento dos ministros italianos deixa mais do que evidente que é plenamente justificado o temor de Battisti de sofrer perseguição por motivo político. A reação raivosa dos ministros italianos não dignifica a Itália e elimina qualquer dúvida.
Por tudo quanto foi exposto, a decisão de Tarso Genro merece todo o acatamento. Expressa em linguagem clara e objetiva, deixando evidente sua inspiração humanista, livre de preconceitos ou parcialidade de qualquer espécie, a decisão tem sólido fundamento em dados concretos e faz aplicação correta e precisa dos preceitos jurídicos que regem a matéria.
A concessão do estatuto de refugiado a Cesare Battisti é um ato de soberania do Estado brasileiro e não ofende nenhum direito do Estado italiano nem implica desrespeito ao governo daquele país, não tendo cabimento pretender que as autoridades brasileiras decidam coagidas pelas ofensas e ameaças de autoridades italianas ou façam concessões que configurem uma indigna subserviência do Estado brasileiro."

DALMO DE ABREU DALLARI , 76, é professor emérito da Faculdade de Direito da USP. Foi secretário de Negócios Jurídicos do município de São Paulo (gestão Erundina).

Stela Borges de Almeida disse...

O parecer do jurista Dalmo Dallari traz balizada exposição de motivos sobre os fatos que envolvem o caso Cesare Battisti.
Uma peça fundamental para formação de opinião e esclarecimento necessário, não só deste caso, mas dos que envolvem a concessão de abrigo e proteção às pessoas perseguidas por intolerância política, conforme dispõe o Estatuto dos Refugiados no Brasil.