sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

CINEMA LATINOAMERICANO













A postagem de hoje reflete algumas motivações de velhos tempos. O desejo de dialogar com a majestosa Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe no que diz respeito ao verbete sobre Cinema, de comentar do novo (re) encontro com Jorge Luis Borges na capital portenha e de tentar incursionar pelo cinema argentino. Desculpem a ousadia, mas estou sendo sincera.

Dada as gentilezas entre pesquisadores que sabem trocar suas produções, tenho em minha estante o trabalho de Afrânio Mendes Catani que examina a trajetória da Companhia Cinematográfica Maristela (1950-1958), onde estuda os principais problemas do cinema industrial paulista e explora o papel da burguesia industrial na impulsão do movimento cultural desencadeado na São Paulo do pós-guerra. Pois bem, Afrânio apresentou-me o verbete de cinema da enciclopédia, comentou sobre alguns trabalhos e, similar a uma enciclopédia, sabia de todos os filmes e roteiristas, domínio de um extenso mapa para incursionar pela cinematografia latino-americana, em especial, pela cinematografia que me interessava no momento, a produção argentina (1).

Conforme registros de consulta, o cinema chegou à América Latina em 1896, após sua primeira exibição pública em Paris, acompanhado de equipamentos de filmagem, projeção e profissionais da área, predominantemente os italianos. Na Argentina, no começo do século XX, as primeiras filmagens couberam a Eugenio Py, francês, Atílio Lipizzi, italiano que fundou a Companhia Cinematográfica Ítalo-Argentina e Max Glucksmann, austríaco, que estabeleceu o sistema de distribuição vital para o período sonoro. A estes pioneiros somaram-se, Mario Gallo, Edmundo Peruzzi e Federico Valle, italianos que apareceram com o surgimento das primeiras salas exibidoras.

Os primeiros estúdios com laboratórios chegaram com Julio Raúl Alsina, uruguaio ligado à distribuição e exibição das películas. No período do cinema mudo, entretanto, formaram o quadro de diretores, dentre os principais, Edmo Cominetti, Nelo Cosimi, José Agustín Ferreyra, Roberto Guidi, Julio Irigoyen e Leopoldo Torre Ríos.

De 1930 a 1950, a Argentina viveu sua pujante indústria cinematográfica. No início dos anos 30 foram inauguradas várias produtoras, entre elas, Argentina Sono Film, Lumiton e Estudios San Miguel, além de pequenas e médias empresas. Neste período, o cinema argentino, seguindo o modelo de Hollywood, apresentou variadas películas, entre elas: Viento Norte,1937 e Prisioneros de La Tierra, 1939, de Mario Soffici; La Guerra Gaúcha, 1942 de Lucas Demare; La Dama Duende, 1944, de Luis Saslavsk; Las Aguas Bajan Turbias, 1951, de Hugo Del Carril; mais de quarenta filmes de Fernando Ayala e mais de trinta produções de Leopoldo Torre Nilsson . Dentre as principais atrizes figurantes, destacaram-se: Libertad Lamarque, Tita Merello, Amelia Bence, Laura Hidalgo, Mecha Ortiz, Zully Moreno, Delia Garcés, Paulina Singerman e Mirtha Legrand.

Em meados da década de 50, com a formação de cineclubes, associação de classe, lançamento de revistas de cinemas e surgimento de uma geração de curta-metragem, vários nomes ligados ao cinema vão aparecer e, também, destacadas produções, entre elas, Tire Dié, 1958 e Los Inundados, 1961, de Fernando Birri que marcaram os tempos da Escuela de Santa Fé, coordenada por Birri e voltada para o cinema documental.
Nos anos 60, a cinematografia argentina revela-se em destacadas produções, entre elas, El crack, 1959, de José A. Martinez Suárez; Los de La Mesa Diez, 1960, de Simón Feldman; Tres Veces Ana, 1961, de David J. Kohon; Los Jóvens Viejos, 1962, de Rodolfo Kuhn; Intimidad de Los Parques, 1965, de Manuel Antin; Crónica de um Niño Solo, 1965, de Leonardo Flavio. Surge, também, o chamado cinema independente com o Grupo de Los Cinco e o Grupo Cine Liberción, caracterizado pela política de resistência. São produções deste período: Mosaico, La Vida de Una Modelo, 1968, de Néstor Paternostro; Tiro de Gracia, 1969, de Ricardo Becher; The players vs. Angeles Caídos, 1969 de Alberto Fischerman; Juan Lamaglia y Señora, 1970, de Raúl De La Torre; La Hora de Los Hornos, 1968, de Octavio Getino; El Camino Hacia La Muerte Del Viajo Reales, 1971, de Gerardo Vallejo.

Nos anos 70 continua a saga cinematográfica, sendo produzidos, entre outras películas: Güemes, La Tierra em Armas, 1971, de Leopoldo Nilsson; Juan Manuel, 1971, de Manuel Antin; Argentino Hasta La Muerte, 1971, de Fernando Ayla; Bajo El Signo de La Patria, 1971, de René Mugica; Crónica de Una Señora, 1971, Heroína, 1972, El Inferno Tan Temido, 1980, de Raul de La Torre. De La Torre, também, adaptou o romance de Manuel Puig, Publish angelical, 1982. Marcaram ainda as produções de Leonardo Favio com Juan Moreira, 1973, Nazareno Cruz e Lobo, 1975 e Soñar, Soñar, 1976. Leopoldo Nilsson conquistou o Urso de Prata no Festival de Berlim, com Los Siete Locos, 1973.

Meados dos anos 70 para os anos 80, uma das primeiras diretoras do moderno cinema argentino Eva Landeck, uruguaia, destaca-se com Gente em Buenos Aires, 1974; Maria Luisa Bemberg com Camilla, 1984; Luis Puenzo com La Historia Oficial premiado com o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, 1985; Carlos Sorin com La película Del Rey, 1986, premiado com o Leão de Prata no Festival de Veneza; Eliseo Subiela com Hombre Mirando al Sudeste, 1987.

Deste levantamento certamente incompleto, provavelmente, alguns filmes deixaram de ser mencionados, observa-se a crescente e expressiva produção, sendo alguns merecedores de prêmios. Trata-se de uma filmografia com predominância da direção masculina com temáticas que enfatizam aspectos histórico-culturais e sociais. Como assinala T.Chacón:
Em um cierto sentido general, y más aun em nuestro país, la actividad cinematográfica há sido ejercida históricamente por varones, y obviamente, el punto de vista masculino há predominado em las realizaciones. Así también tenemos que agregar la concepción patriarcal, hozo que los que se atrevieron hacer cine adoptaran, casi sin excepción, este enfoque, promoviendo um modelo de identificación de carácter sexista, prejuicioso y distorsionado(2).

Faço um parêntese agora para conversar, en un cierto sentido, com Jorge Luis Borges. Reencontro o escritor argentino nascido em Buenos Aires em 1899, no Ateneo Grand Splendid, na Santa Fe, 1850. Embora ele esteja por todas as largas avenidas e calles de Buenos Aires, encontro-o no Gran Café Tortoni acompanhado de Alfonsina Storn Y El Mar e Calos Gardel, sendo visitado por Susan Sontag (1933-2004), Susan Sarandon e outras figuras que vieram de longe conhecê-lo e apreciar sua obra. Entre elas, Discusión, Historia Universal de La Infamia, Ficciones (que ganhou o Permio Nacional de Literatura, 1956) Historia de La Eternidad, El Jardim de Senderos que se Bifurcan, El Aleph, Outras Inquisiciones, El Hacedor, Elogio de La Sombra, El Informe de Brodie, El Libro de Arena, El Oro de Los Tigres, La Rosa profunda, La Cifra, Los Conjurados e muito mais, suas poesias. Em sua homenagem andando pelos Bosques de Palermo, em La Recoleta, Corrientes e arredores, ouvimos, novamente, seus poemas.

AS RUAS
As ruas de Buenos Aires já são minhas entranhas. Não as ávidas ruas, incômodas de turba e de agitação, mas as ruas entediadas do bairro, quase invisíveis de tão habituais, enternecidas de penumbra e de ocaso e aquelas mais longínquas privadas de árvores piedosas onde austeras casinhas apenas se aventuram, abrumadas por imortais distâncias, a perder-se na profunda visão de céu e de planura. São para o solitário uma promessa porque milhares de almas singulares as povoam, únicas ante Deus e no tempo e sem dúvida preciosas. Para o Oeste, o Norte e o Sul se desfraldam_ e são também a pátria_as ruas; oxalá nos versos que traço estejam essas bandeiras( 3).


Nestas ruas, encontramos além do escritor, representantes do moderno cinema argentino. Em Solo Cine, Rodriguez Peña, 402, precisamente. Como já percebemos, o cinema argentino expressou uma certa visão de mundo onde há predomínio de um ponto de vista masculino e patriarcal, há uma certa hegemonia da técnica narrativa centrada nas histórias de época com conotações psicológicas, sentimentais e melodramáticas, com exceções.

Queremos, por supuesto, comentar outro encontro. Desta vez, com a obra de Maria Luisa Bemberg (1922-1995) e sua cinematografia. Diretora, produtora, escritora, ativista de movimentos feministas, fundadora da União Feminista Argentina, Maria Luisa Bemberg deixou um legado de mérito e reconhecimento do seu trabalho. Dentre suas principais realizações, destaca-se: Crónica de Una Señora, 1970 (Prêmio de Interpretação Feminina no Festival de San Sebastián); Triângulo de Cuatro, 1975 (Prêmio outorgado pela Sociedade Argentina de Escritores); Momentos, 1981 (Prêmio de Interpretação Feminina no Festival de Huelva e Chicago; Señora de Nadie, 1982 (Prêmio outorgado pela Sociedade Argentina de Escritores e pelo Festival de Taormina e Panamá; Camila, 1985 (Oscar de Melhor Película Estrangeira outorgado nos Festivais Karlovy Vary e La Habana); Miss Mary, 1986 ( Prêmio de Melhor Película, Atriz e Cenário pelo Festival de La Habana e Festival de Veneza); Yo, La peor de todas, 1990 ( Prêmio no Festival de Chicago, de Cartagena e Havana (4).

Assistimos Camila, Señora de Nadie e Momentos em cópia DVD. Sem dúvida, o trabalho de Maria Luisa Bemberg demonstra inventividade, criatividade e ruptura em direção a uma moderna cinematografia que retrata os conflitos sociais e coloca as vozes femininas em primeiro plano. Así, Bamberg, com su cámara y Poniatowska com su pluma, se propusieron dar luz a determinados rostros históricamente olvidados y dar voz a determinantes silêncios milenários (op.cit). Temos que terminar estas notas, já tão alongadas para este espaço, continuaremos, porém, nossa breve incursão ao cinema porteño, que tanto nos inspira para pensarmos sobre a linguagem cinematográfica, desta vez diretamente na tela mágica.


NOTAS:
1.Latinoamericana: Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe.Coordenador Geral Emir Sader. São Paulo: Boitempo; Rio de Janeiro: Laboratório de Políticas Públicas da UERJ, 2006.
2.Cineastas argentinos contemporâneos: identidad, estilo e lenguaje. Texto de Tristán Chacón, consultado na web in: tristan[ arroba]belgrano.unc.edu.ar.
3.Borges, Jorge Luis. Obras Completas
. Vol.1. São Paulo: Globo, 2000. A Companhia das Letras acaba de lançar a Coleção Biblioteca Borges sob a coordenação de Davi Arrigucci Jr e Jorge Schwartz, quase trinta volumes estarão disponíveis para os amantes da literatura mundial contemporânea.
4.Cineastas argentinos contemporâneos, op.cit.

7 comentários:

Jonga Olivieri disse...

Pouco difundido entre nós o cinema de los hermanos tem uma vigorosa história. Grande parte dos filme citados em sua excelente postagem dão-nos um apanhado geral de uma tragetória.
"La historia oficial" de Luis Puenzo (1984) talvez tenha sido uma das mais expressivas e badaladas realizações exibidas aqui. Lucrecia Martel ou Adrian Caetano são também nomes que nos chegam à memória numa retrospectiva do melhor que têm produzido por lá;
Gostaria mesmo de conhecer muito mais o que têm realizado por terras de Borges. Mas, infelizmente nos chega muito pouco de sua produção, fora de mostras especiais. Uma pena, pois um cinema consciente, preocupado com as questões socias, intimista em suas conotações existenciais, os portenhos têm um trajeto pela 7ª arte que merece ser apreciado.
Entre nós, temos também a presença de Carlos Hugo Christensen que vive e produz no Brasil há muitos anos, além de Hector Babenco que deixou uma obra sugestiva por terras tupiniquins.
Mas, têm outros países de América que nem sequer nos chegam filmes. Uma pena. Uma pena mesmo, ficarmos tão longe de nossos vizinhos. Não só no cinema, mas em toda a rica cultura que não nos chega.

Stela Borges de Almeida disse...

Stela,

A rotina de trabalho de final de ano-dissertaçoes, orientaçoes, trabalhos de final de curso, defesas-foi me afastando do prazer da leitura de seus textos, oasis da burocratice, das obrigaçoes, e mais uma obrigaçao.

Necesario e importante sua olhada ao lado, para o cinema latinoamericano, que ha muito descobri pelas andanças pelo continente e identidade com a mescolança e ao mesmo tempo agarrar-se a identidade dos latino americanos, em particular quando na America de lá. Ainda que me incomode um pouco o rotulo de "cinema latinoamericano", nao vejo muito de comum entre o cinema argentino e o cubano, por exemplo, e o brasileiro tambem distoa em ritmo, tematicas, diapasao. Nao seria um colonialismo reducionista tal termo? E como bem coloca o Jonga Olivieri, conhecemos um pouco do cine de alguns paises-mais de Cuba, Chile e Argenina, no meu caso, mas e dos outros? Mary

Stela Borges de Almeida disse...

Tanto os comentários do Jonga Olivieri quanto o da Mary Castro, reafirmam a importância da postagem ao reconhecerem das insuficientes informações que detemos da fundamental filmografia dos hermanos da América de cá. O título abrangente_cinema latinoamericano_já havia sido criticado pelo Pedro, nosso amigo querido e cuidadoso estudioso da Sociologia do Trabalho, mostrando que o texto não dá conta da totalidade do pretendido. Argumentei que era apenas um marcador para um projeto mais extensivo de estudo que pretendia explorar mais o universo do cinema na América do Sul. Neste sentido, a Mary tem razão, ao lembrar que o cinema cubano tem uma singularidade que não está refletida neste texto. Vale como provocação para a continuidade do trabalho de pesquisa incentivando a passagem pelo ICAIC, uma vez que aqui ficamos apenas no INCA.

Anônimo disse...

Queria deixar aqui um beijo de feliz ano novo, sei que 2008 será bem melhor que 2007. Espero que tenhamos um tempo juntas para irmos às salas de cinema!Ainda não assisti algumas produções nacionais recentes como Noel Rosa.

Anônimo disse...

Acabo de descobrir o seu blog e estou admirado pelo "conteúdo" e a fluidez narrativa com que constrói os seus textos. Nesta blogosfera inundada por pseudo-críticos que emitem opiniões a esmo, sem o menor aprofundamento teórico ou qualquer preocupação com a ética e o bom senso, o seu trabalho é louvável.
Parabéns

Carcará do Sertão disse...

Stela,
Gosto demais dos textos que você faz ( eu adoro escrever, pena ainda não saber como , de forma coerente, reta e didatica) Não conheço muitos as filmes aqui comentados, mas servem de orientação para novas buscas, afinal não temos muitas opções nas grandes locadoras....Adoro cinema. Vi um filme outro dia na sala Valter da Silveira de 1962 (acredito) sobre uma anologia de um Burro e uma menina... é meio doido, mas de grande produção.
Vou ler seus textos com mais calma, afinal eles precisam de tempo e concemtração e é o que vou fazer. depois comento ...
Beijos

Carcará do Sertão

Stela Borges de Almeida disse...

Nota: Em virtude de padecimentos com o SFH comunico que as postagens neste blog sofreram uma parada obrigatória. Voltarei assim que for possível. Agradeço as palavras de estímulo do Chico Pasolini e de Carcará do Sertão. Para Kátia Barreto mui gracias pelas dicas. Até breve.