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terça-feira, 4 de setembro de 2007

Cinema Mudo. Dinamarca_1927.






O martírio de Joana D’Arc
(La passion de Jeanne D’Arc, 1927).

Pérola do cinema mudo, filmado na França em 1927, desaparecido em sucessivas destruições e proibições, finalmente encontrado numa instituição psiquiátrica na Noruega, mostram os letreiros iniciais do histórico filme de Carl T.Dreyer (1889-1968) recuperado em 1981, numa cópia dinamarquesa do original.

Os autos do processo consultados na Biblioteca de La Chambre, Paris, servirão de testemunho do julgamento de Joana D’Arc por uma corte de juízes da Igreja, registrando o seu penoso e conflitante embate diante de representantes da Igreja, dispostos a arrancarem seu pedido de arrependimento e negação do que consideram um insulto à fé cristã. Seu pecado: Joana D’Arc acredita ser uma serva enviada e filha de Deus. Seu castigo: pelo sacrilégio será queimada viva na fogueira.

O filme mudo, composto pela técnica de closes de rosto, grande maioria das cenas, representava um método para atender ao misticismo e realismo segundo André Bazin, consistindo em tomar o rosto como um documento de expressão. Neste caso, o rosto de Renée Maria Falconetti (1892-1946), atriz de teatro convidada por Dreyer, simboliza o calvário a que está submetida a personagem diante de uma confraria disposta a arrancar-lhe sem piedade uma confissão de arrependimento e culpa pelos pecados que a julgam ter cometido. Seu rosto está dilacerado pela dor, a comunicação dos sentimentos faz-se pelos grandes olhos da personagem, num rosto com traços masculinos, cabelos cortados bem rentes, lágrimas que de vez em quando denotam sua aflição.

Joana D’Arc responde aos seus algozes, jura dizer a verdade, não mais do que a verdade. Querem saber se ela veio para salvar a França, se Deus odeia os ingleses, se o anjo tem asas, se estão vestidos ou nus, se é Deus que a ordena vestir-se como homem, que recompensa espera receber de Deus. O inquérito longo passa pelo escárnio e fúria dos seus algozes. Joana D’Arc tem apenas 19 anos, não sabe ler, está amedrontada diante de tantas acusações.
Em processos inquisitoriais há sempre os personagens maus e os bonzinhos, na realidade e na ficção. Um padre bonzinho tenta conquistar sua atenção, dizer-lhe da sua simpatia. Tenta convencê-la a confessar, não ir para a prisão. Há também os estrategistas, falsificam a assinatura do rei para tentar obter seu arrependimento. Mas a filha de Deus quer apenas a ajuda do Pai. Quer assistir uma missa e professar sua fé cristã. Sem a sua confissão, resta-lhe apenas a câmara de tortura.

A tortura não apenas se faz pelo interrogatório, mas acompanhada pelo escárnio, pela ameaça do fogo do inferno, pela calúnia e acusação de ser representante do diabo, de ter visões do Satã, de ser abandonada sozinha e rejeitada. E a crença firme da acusada: Sozinha, sim, mas com Deus. Resiste às acusações, não se entrega.

O processo demorado leva-a a exaustão. Fraca e abalada Joana D’Arc submete-se à sangria e aceita os sacramentos oferecidos. Como absolvição, não mais será queimada viva, apenas destinada à prisão perpétua. Antes, se não assinar sua declaração de culpa, não será absolvida. Resiste novamente, não assinará. Arrepende-se de ter se submetido às ameaças dos seus algozes. Teve medo de morrer na fogueira, continuará afirmando que é uma enviada de Deus, sua filha. Aceita o martírio.
O processo de preparação para a morte mostra a firmeza de Joana D’Arc para o encontro com Deus no paraíso, acredita que seu martírio levará à sua libertação. Libertação da agonia a que se encontra submetida. Seus algozes exultam. O povo que assiste contesta: Queimaram uma santa!
O filme mudo, em película preto/ branca, fala pelas imagens. Nesta cópia restaurada a trilha musical envolve o espectador no mundo renascentista do século XV, traz dignidade e sobriedade às cenas. A Escola dos Annales vai-se beneficiar, posteriormente, nos seus estudos historiográficos, da atenção à linguagem cinematográfica como um documento valioso para reconstrução da memória e das conjunturas, seguramente será Marc Ferro um dos mais entusiasta defensor desta idéia.

O filme além de reconstruir um documento histórico pelas atas e minutas de um processo de julgamento renascentista, por si só de um valor historiográfico exemplar, denuncia a violência cometida pela Igreja nos atos inquisitoriais. Prática que nos acompanha por milênios. A cópia do filme consultada nos oferece ainda dois depoimentos encantadores: uma entrevista da filha de Renée Falconetti (Joana D’Arc) e um texto de André Bazin comentando o filme.

domingo, 26 de agosto de 2007

Cinema Mudo Alemão.





O Seminário On Line 2, adverte Parodi, não pretendeu montar uma história do cinema mudo alemão, mas perguntar-se sobre as particularidades estéticas e formais desta cinematografia, considerada uma das mais ricas e heterogêneas da história do cinema. Toma-se 1912 como marco e localiza-se o filme A traidora, pressupondo-se, hipoteticamente, que a fascinação pelo uniforme, junto com a irrupção do corpo de Asta Nielsen, a primeira diva da história do cinema, apresentam-se como duas temáticas que não cessarão de reaparecer em todo o cinema mudo alemão.
Lotte Eisner, em seu livro A Tela Diabólica diz : Em comparação com a história cinematográfica de outros países, a do cinema alemão começa tarde. Qualquer juízo a respeito dessa iniciação, que se remonta a 1913-1914, reduz-se a comprovações negativas. As opacas e insignificantes imagens animadas de Max Skladanowsky, célebre precursor do cinema alemão, nada têm em comum com os filmes de atualidades já cheios de vida que nesse então realizava Louis Lumiére. Nada encontramos na produção de Oskar Messter que permita recordar, sequer de longe, o animado impulso, tão “commedia dell’arte”, dos velhos filmes cômicos de Pathé ou Gaumont, nem a perfeição dos “films d’art” franceses, nem a poesia fantástica de George Melliés. Já Siegfried Kracauer assinala, num livro tomado como texto canônico sobre o cinema mudo alemão: Foi somente depois da Primeira Guerra Mundial que o cinema alemão ganhou realmente existência. Até então sua história foi pre-história, período arcaico, insignificante em si mesmo.

A restauração recente de alguns filmes desse período que se consideravam praticamente perdida, permite em grande medida, pelo menos relativizar a posição de Eisner, inclinada a aceitar a versão historiográfica oficial que faz da escola primitiva francesa praticamente a única digna de ser destacada e a de um Kracauer muito parcialmente orientado a formas de pensamento racionalistas, considera Parodi.Controvérsias à parte, Max e Emil Skladanowsky, entretanto, podem ser considerados os pais alemães, uma vez que: O cinema nasce no momento exato. Nasce na época do máximo apogeu europeu, da revolução industrial e do pensamento positivista. É seu filho predileto. Entretanto, não possui um único pai. Tudo depende do historiador ou da corrente ideológica que se consulte, afirma Parodi.

Para os norte-americanos, a suposta paternidade do dispositivo se atribui a Thomas Alba Edison, com o seu Kinetoscopio, em 14 de abri de 1894. Na escala temporal, a seguir virá o Cinematógrafo, e por sua vez, caberá aos irmãos Lumiére, donos de uma empresa exitosa de produção de película fotográfica, levar a câmara à rua para fotografar o mundo em movimento. Os irmãos Max e Emil Skladanowsky, alemãs de origem polonesa, haviam inventado o Bioscópio, um aparelho de projeção dupla que apresentaram publicamente em 1º de novembro de 1895. Há diferenças, entretanto, os primeiros filmes dos Lumiére são filmes familiares, voltados para a memória do gesto cotidiano, enquanto os filmes dos Skladanowsky tentaram captar a ordem da realidade pública, nas conhecidas imagens da Alexanderplatz ou da troca de guarda em Unter den Linden. É, porém, Oskar Messter (1866-1943), considerado o grande pioneiro, já com o estatuto de pequeno produtor industrial do cinema alemão primitivo, que desenvolve seu próprio projetor e além das questões técnicas tem o mérito de pensar a questão das imagens móveis no terreno da produção comercial.

O propósito do seminário on line 02 , como afirmamos, foi apresentar elementos para se discutir as particularidades estéticas e formais do cinema mudo alemão. Procurei nestas breves notas, exclusivamente demarcar a caminhada do cinema mudo alemão, apenas sinalizando seus pioneiros. Dados sobre os primeiros a incursionar no mundo do cinema mudo alemão e suas particularidades, devem ser complementados na consulta aos seis textos e links oferecidos no seminário (1). Para aprofundamento, sugere-se, também, consultar o site e links das aulas do seminário on line apresentados, com inúmeras possibilidades de pesquisa. Coube aos pioneiros, através de dispositivos ainda a serem aperfeiçoados e a incorporarem os avanços da sofisticada tecnologia, trazer formas e estilos de fazer cinema, passos que irão revolucionar, posteriormente, o mundo da imagem e dos sentimentos da humanidade.

[1] Aulas: 1. O óbvio e o obtuso : origens do cinema alemão até a Primeira Guerra Mundial; 2. Depois da tempestade: desenvolvimento e evolução até 1920; 3. Berlim era uma Festa: vanguarda e experimentação no cinema alemão da década de vinte; 4. Mais luz=Mais movimento: comunicação da escola alemã de montagem; 5. Povo, Ideologia e representação; 6. Aquilo era outra coisa: os filmes realistas do período.
Acima, Pola Negri, considerada a segunda diva do cinema mudo depois de Asta Nielsen. ( Flower of Night, 1925).