domingo, 22 de abril de 2012

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PONTO FINAL DA JORNADA INTERNACIONAL DE CINEMA DA BAHIA


Por Guido Araújo


Atendendo ao convite de Jorge Alfredo para escrever uma matéria para o primeiro número da revista Caderno de Cinema, achei que era oportuno e o melhor espaço para explicar porque estamos chegando ao fim da Jornada Internacional de Cinema da Bahia, após praticamente quatro décadas de existência.

Acredito que a Jornada na sua longa trajetória cumpriu o seu papel como espaço independente de promoção de um cinema cultural, que tinha como destaque principal os valores positivos do ser humano. Apesar de continuar acreditando nos mesmos ideais de chegar um dia, através da luta e trabalho, a um mundo mais humano, mais justo e democrático para todos, acho que cabe agora aos mais jovens prosseguir a caminhada, observando os atuais anseios da sociedade baiana.

Surgida em 1972, num momento difícil da realidade brasileira com o Governo Médici à frente da Ditadura, a Jornada, ainda denominada Baiana de Curta Metragem, chegou despretensiosa, mas já com o espírito de luta como espaço de resistência e promoção do cinema baiano e brasileiro.

Cumprindo o seu primeiro papel ao tirar o meio cinematográfico baiano de estado de letargia de então, um ano depois a Jornada já voltava nordestina, mas com dimensão nacional, para dar início a uma trajetória histórica do cinema brasileiro, com a criação da Associação Brasileira de Documentaristas-ABD, que surgia como primeira entidade cinematográfica brasileira de âmbito nacional. Também tinha início a retomada do movimento cineclubista brasileiro, esmagado pela Ditadura, desde o ano de 1969.

A partir daí, a Jornada foi num crescimento constante, fortalecendo o seu ideário de luta, resistência e promoção do cinema independente internacional, sobretudo da América Latina e das cinematografias dos países que lutavam pela sua afirmação e independência e que, normalmente, não chegavam até o público brasileiro por causa da censura ditatorial.


Finalmente, em 1985, por ocasião da 14ª edição, a Jornada passa a se chamar Internacional de Cinema da Bahia, tendo sido inaugurada no dia 09 de setembro pelo primeiro Ministro da Cultural do Brasil, Prof. Aluísio Pimenta. Naquele momento a Jornada ganhava também o reconhecimento oficial pela sua identidade, o que levaria o cineasta Tuna Espinheira a declarar: “A Jornada é o único festival de cinema do Brasil onde a vedete no ‘set’ de debates é a perspectiva de saída do filme cultural. A Jornada de Cinema da Bahia, hoje transformada em evento internacional do Terceiro Mundo, permanece fiel ao seu lema de sempre POR UM MUNDO MAIS HUMANO.”


Ao longo de todos estes anos, a Jornada trouxe à Bahia grandes mestres do cinema brasileiro e internacional e contou com a expressiva participação dos cineastas baianos. Por ocasião do evento foram no decorrer dos anos mostrados ao público participante novas produções baianas e brasileiras, assim como inúmeros filmes emblemáticos da cinematografia mundial, além de exibir, pela primeira vez no país, algumas produções marcantes de várias partes do mundo. As Jornadas ofereceram também a todos os interessados várias mostras informativas, seminários internacionais, debates e exposições. A partir da 6ª Jornada (1977) começou a ser editado o Jornal da Jornada, uma rica fonte de informações e comentários sobre o evento e sobre a produção independente cinematográfica. Cada Jornada teve o seu Catálogo, informando a programação do Concurso que, na primeira edição foi para os filmes produzidos na Bahia, na segunda os filmes feitos no Nordeste ou sobre o Nordeste, na terceira a produção brasileira que se estendeu a toda a América Latina, ampliando depois o leque das inscrições para o concurso também para os países lusófonos e para os países da língua espanhola, resultando no concurso Afro-ibero-latino-americano. A evolução das tecnologias de comunicação trouxe novos suportes digitais e, ao lado do tradicional concurso de filme, foi criado o concurso de vídeo. O material publicado desde 1972 até 2011 (Jornal da Jornada, Catálogos da programação, Publicações dos seminários em forma de livros ou anais, Catálogos das exposições e registros cinematográficos e digitais) está aí esperando para ser analisado e avaliado pelos pesquisadores interessados em resguardar a memória de um evento que faz parte da história cultural da Bahia e do Brasil.


Do ponto de vista de recursos, a Jornada sempre enfrentou grande dificuldade financeira, em virtude da sua característica de evento independente e eminentemente cultural, mostrando-se avessa aos aspectos comerciais, badalativos e característicos da mediocridade mediática. No período trágico do Governo Collor, o festival esteve seriamente ameaçado, como de resto todo o cinema brasileiro. Nos anos de 1989 e 1990, a falta de recursos levou durante dois anos consecutivos à suspensão da Jornada, o mais antigo evento cinematográfico nas regiões Norte e Nordeste. A organização da Jornada decidiu nesses dois anos substituir o festival por um acontecimento mais simples, mas curto e mais barato: O Simpósio Internacional do Cinema na Defesa do Meio Ambiente. Os filmes exibidos, as palestras e os debates (a grande estrela foi o cacique Raoni, acompanhado do seu sobrinho Megaron) destas duas “pequenas jornadas” mostraram claramente que o cinema é um forte meio de comunicação para denunciar e também para conscientizar a população de todas as faixas etárias dos efeitos danosos que a devastação da natureza pode causar ao nosso planeta.

Contudo, foi dada a volta por cima e desde o início da década 90 do século passado, a Jornada voltou, focalizando assuntos de grande atualidade, como diversas questões ligadas ao meio ambiente (a destruição da camada de ozônio, ameaça da falta de água, o perigo dos agrotóxicos, etc), a problemática dos índios brasileiros, Nordeste e Euclides da Cunha, o caos das cidades, direitos humanos e cidadania. Todos estes temas bastante interessantes para os alunos de vários níveis, desde o primário até o superior. Neste contexto, a Jornada inclusive fez várias programações e exibições acompanhadas de debates em escolas públicas da capital baiana e do interior, assim como nas comunidades de bairro. Houve também apresentação das mostras dos filmes premiados da Jornada tanto na Bahia como em outros estados brasileiros e mesmo no exterior.

Não cabe aqui fazer todo um histórico destes 40 anos da Jornada com suas conquistas, dificuldades, acertos e erros. Manter a Jornada por tanto tempo foi possível graças a algumas instituições e, sobretudo, a várias pessoas, cineastas, críticos, artistas plásticos, pesquisadores, estudantes, professores e componentes da equipe da organização do festival. É o momento de agradecer a esta legião de amigos da Jornada que apoiaram o evento e expressar a profunda saudade pelos inúmeros companheiros que já partiram, mas que estarão sempre presentes na memória de um evento que começou modestamente como baiano e terminou internacional, com forte repercussão sobretudo na América Latina e nos países africanos de fala portuguesa.

Vale a pena ressaltar que em junho próximo o espírito da Jornada será levado ao RIO + 20, apresentando a mostra dos filmes sobre o perigo dos venenos que o Brasil consome através dos agrotóxicos (“O Veneno está na Mesa” de Sílvio Tendler, “Our Daily Poison” de Marie-Monique Robin e “Em busca da Terra sem Veneno” de Noilton Nunes). Estes filmes foram exibidos no ano passado durante a 38ª Jornada, acompanhados de palestras e animadíssimos debates, tendo incentivado o movimento contra o uso exagerado de defensivos agrícolas. O modesto festival baiano poderá mais uma vez contribuir nas ações ligadas às tentativas de garantir a continuidade da existência do nosso Planeta Azul e a humanidade em geral.

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