sexta-feira, 14 de outubro de 2011



























Pesquisa sobre a Jornada Internacional de Cinema da Bahia(1).

Numa manhã de trabalho na Biblioteca Central da Universidade Federal da Bahia, motivadas pelo ofício de pesquisadoras, trocamos dados sobre pesquisas e estudos que buscam tecer considerações sobre a 38 Jornada Internacional de Cinema da Bahia, suas dimensões de estudo e reflexões sobre um cinema de resistência e por um mundo mais humano.

A jovem professora e pesquisadora, Izabel de Fátima Cruz Melo, apresenta aqui seu olhar sobre o mais antigo evento de cinema do Nordeste e o resistente espaço de debates e reflexões sobre a cinematografia internacional, nacional e local nos últimos decênios, promovidos pela Jornada Internacional de Cinema da Bahia(2).

A seguir:

Blog(3): Conhecemos seu trabalho No meio do caminho tinha uma Jornada, ou era ela o caminho? Jornada de Cinema da Bahia (1972-1978), publicado em 2009 pela Edufba. Por que a escolha da Jornada como objeto de estudo e qual o cenário político-social no qual ela emerge?

Izabel de Fátima Cruz Melo: A minha aproximação com as Jornadas foi oriunda de uma aproximação via estágio de pesquisa na graduação e minha escolha se deu por conta de perceber ali um universo de vivências, histórias que a minha geração sequer sabia existir. O cenário político e social é o da ditadura militar, com todas as restrições de manifestações públicas, cerceadas na base da violência explícita ou simbólica, o que fez da Jornada um dos centros nacionais de resistência cultural e também política à ditadura. Notei na trajetória das Jornadas a emergência e persistência de temas que ainda hoje compõem a pauta das questões relacionadas ao que hoje chamamos de audiovisual, e a sua importância naquele momento como um dos centros de discussão sobre cinema, política e comportamento em suas diversas dimensões.

Blog: Sabemos que há várias dimensões na estrutura do evento. Por sua natureza diversificada e abrangente, apresenta um conjunto de debates, encontros, palestras, promoção de oficinas, sessões especiais, mostras e retrospectivas com renomados realizadores, artistas e admiradores do cinema, entre outras.
Poderia nos oferecer uma análise das principais atividades que se destacaram na Jornada, tomando o período que você elege como baliza para sua pesquisa?

Izabel de Fátima Cruz Melo: Mesmo partindo do recorte dado pela baliza temporal, não é exatamente fácil delimitar quais seriam as principais atividades da Jornada, isso via de regra, depende do olhar, do interesse do pesquisador ao se relacionar com o tema. No meu caso, ao tentar delinear a Jornada, analisando os regulamentos, boletins informativos, jornais da jornada e entrevistas concedidas por participantes do evento, elenquei como principais atividades os Simpósios sobre o curta-metragem que em 1973 derivaram na fundação da ABD (Associação Brasileira de Documentaristas) e na reestruturação do movimento cineclubista; as exibições, que proporcionavam tanto nas mostras competitivas quanto nas informativas e de homenagens, a apresentação de filmes que dificilmente seriam vistos em outros espaços, seja por conta da censura ou por uma distribuição precária que sempre privilegiou filmes de longa-metragens e de nacionalidade determinada e os debates pós- filmes que viabilizavam os momentos mais rememorados nas entrevistas, como espaço de exercício de liberdade de expressão política, cultural, comportamental, etc.

Blog: Vivemos hoje sob a condição da fragilidade dos laços humanos, nos diz Bauman. Observamos que a Jornada trouxe desde sua origem o importante slogan: Por um mundo mais humano. Você poderia situar as principais polêmicas e tensões que a Jornada precisou enfrentar e quais as possíveis respostas encontradas?

Izabel de Fátima Cruz Melo: No período no qual a minha pesquisa está situada, a principal tensão colocada pelo momento histórico era a ditadura militar e os seus desdobramentos, sobretudo, no nosso caso, a censura. As respostas, como coloquei rapidamente na mesa redonda, passaram por estratégias de burla, omitindo informações nos formulários enviados ao Departamento de Censura, formulando documentos públicos com posicionamentos contrários a existência da censura prévia, abrigando filmes com temáticas polêmicas para o período como greve de trabalhadores, tortura, libertação de países africanos do jugo do neocolonialismo, por exemplo.


Blog: Você menciona em seu artigo, resultante de Dissertação de Mestrado, que os relatos obtidos sobre a Jornada, ajudaram a sentir o clima em que eram exibidos os filmes nos espaços culturais de Salvador, na década de 70. Estes momentos memoráveis da Jornada mostram que os enfrentamentos com a censura e as estratégias de burla eram constantes. Poderia comentar a participação dos jovens nestas atividades, quais os registros destas participações?

Izabel de Fátima Cruz Melo: a presença dos jovens é bastante perceptível em todos os espaços e atividades das Jornadas. O trânsito dessas pessoas catalizava o desejo manifestado no regulamento da I Jornada Baiana “incentivar entre a juventude baiana a comunicação artística através da imagem cinematográfica e contribuir para que se abram melhores perspectivas para o curta-metragem na Bahia e no Brasil” . Assim, os encontramos na organização da Jornada, na qual muitas vezes havia a participação de estudantes do curso de Comunicação da UFBA, ou de jovens cineclubistas e interessados em cinema; nos filmes inscritos, sobretudo, mas não exclusivamente, na produção superoitista, responsável por algumas polêmicas temáticas e estéticas nos próprios filmes e também nos debates que resultaram em algumas mudanças nos regulamentos e na inserção de cursos como o dado por Eduardo Escorel sobre o suporte Super -8.

Blog: Os estudiosos e pesquisadores no ofício do seu trabalho, em sua maioria, têm recorrido aos registros em arquivos e mantidos por instituições de guarda dos documentos significativos para a investigação dos seus objetos de pesquisa. Quer dirigindo-se às bibliotecas, às instituições de pesquisa, centros de memória, entre outros, sabemos das dificuldades na preservação e manutenção destes documentos, sobretudo com o advento da nova era tecnológica. Quais seus itinerários na coleta dos dados com o acervo da Jornada e que mecanismos são utilizados para a manutenção e preservação desta memória?

Izabel de Fátima Cruz Melo: Boa parte da minha pesquisa documental no que tange ao que eu chamo dos “documentos oficiais” ocorreu no Setor de Cinema da FACOM/UFBA e no Escritório da Jornada. No período da pesquisa para o mestrado, a documentação estava ainda desorganizada, embora existissem as indicações das caixas, mas dentro dela havia documentos de natureza diferentes e nem sempre alinhados com as datas indicadas. Fiz uso da hemeroteca da Biblioteca Central do Estado da Bahia para a pesquisa dos jornais, que estão em condições preocupantes em termos de conservação. Fui também ao Centro de Documentação e Biblioteca da Cinemateca Brasileira em São Paulo, em busca de alguns programas, jornais e informações que não foram encontradas aqui em Salvador, onde fui gentilmente recebida num acervo altamente organizado e disponível. Entrevistei sete pessoas envolvidas nas Jornadas, na organização, participantes/ cineastas.
Sobre a preservação da memória da Jornada, penso que há a necessidade urgente da criação de um arquivo das Jornadas,que ao meu ver pode estar alocado no próprio Setor de Cinema. Um arquivo que preserve, conserve e disponibilize, não só a documentação escrita, mas também os filmes, coberturas sobre as Jornadas, gravação dos debates, para evitar que mais material se perca.

Blog: A curadoria de um evento da dimensão da Jornada requer uma teia de relações e, na linguagem moderna, uma rede social de interlocutores, participantes e colaboradores. Segundo sua visão, qual o papel exercido pelo curador da Jornada, Guido Araújo?

Izabel de Fátima Cruz Melo: O papel de Guido é de extrema centralidade, e essencial para que a Jornada aconteça. Durante esses quase quarenta anos de Jornada é possível perceber que muitos dos filmes, debatedores e inclusive espaços para que o evento acontecesse dependeram muito das redes mobilizadas por Guido. Podemos elencar como exemplo Cosme Alves Neto e a Cinemateca do MAM/RJ e Roland Schaffner e o ICBA.

Blog: No dia 12 de setembro de 2011, no auditório do Salão Ilha de Maré, Três Olhares Acadêmicos sobre a Jornada, produziram uma fala de prenúncio de vida longa à Jornada. Mesa que reafirmou o valor do evento que presenciamos e participamos. Se os poderes-poderosos continuarem insensíveis ao apoio à próxima Jornada em 2012, os estudiosos, pesquisadores, colaboradores e amigos e amigas da Jornada talvez devessem dizer, como o fez Tuna Espinheira: É de lascar! Triste Bahia! Você concorda?

Izabel de Fátima Cruz Melo: Em torno da continuidade da Jornada há algum tempo uma série de polêmicas que podem ser acompanhadas pela imprensa soteropolitana, inclusive. Penso que é necessário se organizar uma espécie de “força-tarefa” para garantir a continuidade de uns dos eventos de cinema mais antigos em atividade no Brasil.

Blog: Este blog vem mantendo, com certa assiduidade, um diálogo com pesquisadores, estudiosos e interessados na sétima arte ( ver arquivo). Por razões de disposição desta ferramenta de trabalho as postagens permitem apenas uma breve exposição de idéias sobre temas que requerem mais desdobramentos. Quero agradecer a Izabel por ter aceito este diálogo propiciando-nos um conhecimento do seu olhar sobre a Jornada(4).

NOTAS

(1) O banner que ilustra esta postagem foi construído em parceria com João Olivieri e refere-se a Oficina de Cinema da qual participamos, ainda a ser comentada. Por não dispor das imagens fotográficas do evento específico que motivou esta entrevista, decidimos manter o gadget que encontrava-se nos arquivos deste blog.

(2) Izabel de Fátima Cruz Melo _ Licenciada em História pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL); Especialista em História da Bahia pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFES); Mestre em História Social pela Universidade Federal da Bahia (UFBA); Professora da Universidade do Estado da Bahia.

(3) Stela Borges de Almeida_Formou-se em Ciências Socias (UFBA). Professora Adjunta em Sociologia da Educação_Aposentada/Ufba. Doutora em Educação (Ufba/Uff). Blog: Cultura, Política e Cinema http://www.stelalmeida.blogspot.com/


(4) Para este diálogo consultamos dois documentos de referência: o artigo publicado no livro: Ditadura militar na Bahia: novos olhares, novos objetos, novos horizontes/Grimaldo Carneiro Zachariadhes (org). Salvador: EDUFBA, 2009 e as matérias publicadas no Jornal da Jornada. Por um mundo mais humano. Ano 33. N.33_Setembro de 2011. Estas duas publicações oferecem um conjunto de dados para os pesquisadores e estudiosos da cultura e do cinema.

2 comentários:

Jonga Olivieri disse...

A Jornada Internacional de Cinema da Bahia comprova a sua importância, até pelo tempo que existe.
E obrigado pelo crédito ao 'banner'.

Stela Borges de Almeida disse...

A pesquisadora Izabel está de parabéns pela criteriosa análise da documentação a que teve acesso. E os amigos(as) da Jornada vem contribuindo e colaborando para um evento bacana. O banner ficou lindo!