quarta-feira, 14 de julho de 2010

Da interpretação

As anotações a seguir, despretensiosas, são rascunhos para uma agenda de estudo, não apresentam soluções, encaminham perguntas. A nota de rodapé transcrita abaixo tem o objetivo de dialogar com o Decálogo, série de filmes realizados por Krzysztof Kieslowski. Qual o sentido de proceder mediante deslocamentos, próximo do que Hegel realiza em Fenomenologia do Espírito, tornar visível sua "verdade" e suas consequências inesperadas que minam suas premissas, no modo hegeliano restrito? Procede Kieslóvski no Decálogo segundo sua teologia materialista? O relacionamento do Decálogo com os Dez Mandamentos se realiza em que dimensão?

"Entre outras conjecturas sobre a relação entre a série dos Dez Mandamentos e os episódios do Decálogo de Kieslowski, a mais convincente é a afirmação de que Kiéslowski saltou o segundo mandamento, que proibe as imagens ( talvez numa concordância espontânea com o fato de o próprio Decálogo ser composto de imagens em movimento) e dividiu o último mandamento em dois:"Não cobiçaras a mulher do próximo" ( Decálogo 9), nem seus bens materiais ( "Não cobiçaras os selos do teu vizinho, no Decálogo 10). Nessa interpretação ( desenvolvida em Véronique Campan, Dix bréves histoires d'image:Le Decálogue de Krzystof Kieslowski,Paris, Presses de la Sorbonne Nouvelle, 1993), o Decálogo 7 encena o primeiro mandamento. "Não terás outros deuses diante de mim": o pai é punido porque celebra o falso deus da ciência e da tecnologia. O que se perde nessa interpretação é o paradoxal "juízo infinito", que surge se lermos o Decálogo 10 como a encenação do primeiro mandamento: a equiparaçao de Deus) o ser mais alto) com os selos, o objeto material arbitrário elevado à dignidade da Coisa."

(...) O que este faz está muito próximo do que Hegel realiza em sua Fenomenologia do espírito: seleciona um mandamento e "encena-o", consubstancia-o numa situação de vida exemplar, tornando visível assim sua "verdade" e sua conseqûencia inesperada, que minam suas premissas. Quase se é tentado a afirmar que, no modo hegeliano estrito, esse deslocamento de cada mandamento gera o mandamento seguinte.

Estas notas iniciais, são provocações e motivações para agenda de estudos e leituras, não tem caráter definitivo nem de verdade, revelam intenções. Posso mudar o percurso se entender que a navegação aponta para mar revolto...

3 comentários:

Jonga Olivieri disse...

Quando pensamos em Hegel... Bem, a coisa segue para um plano acima das banalidades do dia a dia. E torna-se imperativo um estudo aprofundado da filosofia.
Até mesmo na Bíblia se encontra a afirmação de que o céu e a Terra precedem o homem na natureza.
No entanto o pensamento hegeliano era “Idealista” e sempre o foi.
Mas Feurbach afirmou que "A Natureza existe de forma independente de toda filosofia; é o solo sobre o qual nós, homens, produtos nós mesmos da natureza, brotamos e crescemos. Fora da natureza e dos homens nada existe, e os seres superiores, criados por nossa fantasia religiosa não são senão o reflexo fantástico de nosso próprio ser.” O que possibilitou uma virada no pensamento Materialista a partir daí.
E onde podemos incluir Krzysztof Kieslowski neste raciocínio?
Creio que você deixou esta pergunta no ar, mas acho muito difícil respondê-la...

Stela Borges de Almeida disse...

Parece, pelo que tenho escutado, que o Decálogo de Kieslowski está relacionado com os Dez Mandamentos. Mas não é uma relação linear, segundo Zizek, Kieslowski saltou o segundo mandamento e dividiu o ultimo mandamento em dois, procedendo por "mandamentos deslocados", desta forma, aproxima-se do que Hegel realiza em "Fenomenologia do espírito", diz êle. Esta leitura de O Decálogo ( série de filmes realizados para a TV polonesa) dialoga com a filosofia ( sem querer por antecipação chamá-la de "idealista" e/ou "materialista") mas querendo interpretar a filmografia nesse âmbito, aproximo-me do diálogo que se faz pela leitura dos seus críticos de arte e por seus comentadores analíticos.
Na internet encontrei vários artigos sobre a "Trilogia das Cores" e até mesmo cópias dos filmes em lojas comerciais. Sobre o Decálogo, não encontrei nem os dez filmes nem comentários críticos. Sintomas da banalidade? Dificuldade do diálogo com a filosofia? falta de conhecimento dos livros sagrados?
Como você pode perceber, estou formando itinerários de estudos. E muito obrigada pelos sempre bem vindo comentários aos questionamentos.

André Setaro disse...

Sua navegação sobre o Decálogo de Kieslowski não aponta para um mar revolto, mas, muito ao contrário, faz um mergulho na sua complexidade ao evocar a "Fenomenologia do espírito", de Hegel.

A ânsia de pesquisar, com profundidade, o sentido das coisas, assim como você procede, é uma dádiva para a compreensão da obra de arte, e, neste particular, a intertextualidade praticada vem muito no sentido de fazer emergir as valências ocultas do que se está a estudar.

Do Decálogo de Kieslowski, vi, apenas, "Não amarás" e "Não matarás".