quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Cinema Silencioso





















Participo virtualmente todo ano da Jornada Brasileira de Cinema Silencioso acompanhando a programação e consultando o Catálogo deste evento (1). Quando da chegada de Adolfo Gomes vindo da metrópole, mais uma chance de se observar uma vertente deste cinema de dedicados à sétima arte. O evento merece destaque. Enquanto aguardamos a publicação no blog http://bressonianas.zip.net/ com balizadas informações sobre a quarta edição desta mostra que se destaca pela proposta estética original e criativa, encaminho alguns dados que podem interessar aos amantes de cinema.

Imagem de capa do catálogo: A Carne e o Diabo (Flesh and the devil, Estados Unidos, 1926, 35 mm, preto e branco, 113 min, 20qps). Síntese do filme:
Leo von Harden e Ulrich von Eltz são ligados desde crianças por uma profunda amizade. Serve num colégio militar alemão e, em uma licença, Leo fica apaixonado por Felicitas, esposa de um poderoso conde. Num duelo, Leo mata o conde e, antes de partir para a África, pede a Ulrich que cuide de Felicitas. Ulrich, ignorante do amor de Leo por Felicitas, apaixona-se e se casa com ela. Com a volta de Leo, Ulrich divide-se entre a amizade e o amor de Felicitas- que estimula a paixão de Leo. Acusado pelo pastor Voss de manter um caso amoroso com Felicitas, Leo perde o controle de suas emoções, tenta matá-la e duela com o amigo de toda sua vida.

Comentários transcritos do Catálogo:
O filme marcou um momento decisivo da carreira e da vida pessoal de Greta Garbo. A princípio, ela não queria tomar parte do filme. Ela havia concluído The Tempress/ Terra de todos, estava cansada, e seu contrato com a Metro-Goldwyn-Mayer não lhe permitia fazer a longa viagem a Suécia que desejava. Uma carta dura da MGM a alertou sobre as sérias conseqüências que provocariam sua recusa em voltar ao trabalho. Na verdade, isso foi o ensaio da batalha que, após A Carne e o diabo, ela travou com os chefes do estúdio e que terminaram por fazer com que fosse uma das estrelas mais bem pagas de Hollywood na época. A química romântica entre Greta Garbo e John Gilbert foi o sonho de qualquer diretor, porque não era apenas interpretação. Segundo a lenda, Gilbert propôs casamento a Garbo durante a produção; ela aceitou, mas escapou no último minuto. O filme marcou o início de um dos mais famosos romances hollywoodianos de sua idade do ouro. Apesar do romance tórrido, Garbo e Gilbert não se casaram, mas continuaram a fazer filmes juntos até depois da chegada do cinema sonoro (embora a carreira de Gilbert tenha sofrido um sério abalo quando sua voz foi ouvida pela primeira vez). Garbo ficou muito impressionada com o trabalho de direção de Clarence Brown e com a fotografia de William Daniels, e exigiu continuar trabalhando com eles nos filmes seguintes na MGM. Acima de tudo, ela elegeu Daniels como seu fotógrafo ideal.

NOTA: Com esta postagem despeço-me deste espaço virtual por um período. Motivos justificados. O mais forte é que estarei viajando para participar de eventos no campo dos Estudos Culturais. No retorno buscarei os contatos dos sempre receptivos e críticos que alimentaram este blog com comentários, sugestões e reflexões.

Agradeço de coração a André Setaro, Adolfo Gomes, Guido Araújo, Jonga Olivieri, José Menezes, Mary Garcia Castro e Pedro Castro (em ordem alfabética) que estiveram lendo e comentando as postagens ou criticando duramente pontos a serem mais desenvolvidos. Não posso esquecer-me de Kátia Barreto, Flávia e Chad Riggle, Luis Duran, Roberta Ferracuti, Ana Lúcia Magalhães, Adélia Portela, Zuleide e Marlene Cardoso, cúmplices em diversos momentos desta escrita em drops.
Até a volta.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Sobre Kieslowski




















Em continuidade ao itinerário Krzystof Kieslowski, procurei aproximar-me o mais perto possível das inquietações do sagrado. Desta vez simularei uma entrevista com uma das estudiosas da sua obra. Nesta proposta parcial busquei e consegui através do Programa Comut da UFBA, localizar um trabalho de quem quis dedicar-se a pesquisar com maestria o inquieto e perseverante realizador que deixou um legado para a sétima arte (1). Segue uma breve conversa.

BLOG_ Professora qual a problemática da obra de Kieslowski, existe uma questão chave?

Andréa Martins_ Krzystof Kieslowski é um cineasta de longa tradição documentária. Entre as décadas de 60 e 70, ele realizou uma média de trinta documentários para a televisão polonesa e alguns vídeos. Com L’Amateur, seu primeiro longa metragem de ficção (1979), dá início a uma nova fase na sua carreira que culmina com a realização da trilogia: Trois couleurs: Bleu, Trois couleurs: Blac e Trois couleurs: Rouge. Todos os seus filmes ficcionais, do mais antigo aos mais recentes, se articulam em torno da mesma questão perturbadora: Como “dar a ver”, como se utilizar da imagem sem impor ao espectador o lugar de um juiz, o lugar de um voyeur? Como se utilizar da imagem sem que ela imponha uma verdade?

BLOG_ Sabendo que sua origem inicial se realiza no campo do documentário como se constrói este processo de criação?

Andréa Martins_ Kieslowski se vê constantemente tomado por questões perturbadoras e assim se expressa: “(...) quando filmo um longa metragem, sempre sei como ele terminará. Quando filmo um documentário, eu ignoro. E isto é apaixonante: Ignorar como terminará o plano que estamos filmando e, ainda, o filme inteiro. Para mim, o documentário é uma forma de arte superior à forma ficcional, pois a vida é bem mais inteligente que eu. Ela cria situações bem mais interessantes do que as que eu possa inventar...” Não é àtoa que nosso cineasta nunca se contenta com um determinado final para os seus filmes de ficção: roda geralmente vários términos.

BLOG_ As possibilidades ilimitados de términos (nos documentários e filmes de ficção), em sua obra, podem ser consideradas um recurso estilístico?

Andréa Martins_ Não se trata de um recurso estilístico, apenas. O que está em questão no conjunto da obra está para além destes artifícios de construção. Somente para o filme La Double Vie de Veronique, ele afirma ter pensado em, pelo menos, quinze finais diferentes e só não os rodou por falta de tempo. Para Kieslowski, “é só na montagem que se sabe qual é a alma do filme, e não antes, na filmagem”.

BLOG_ Gostaria de insistir nesse ponto, o da criação das imagens. Existiria uma melhor imagem para expressar um ponto de vista para este realizador?

Andréa Martins_ O problema da escolha dos finais em Kieslowski é o problema da imposição de um sentido, de escolha de um significado que uma imagem pode implicar. Nosso cineasta se recusa a organizar a imagem em torno de uma unidade significativa qualquer. Sua imagem diz pouco, quase nada. É necessário que imaginemos que façamos nossas hipóteses e nossos próprios finais. Esta recusa em seguir uma lógica narrativa determinada não se reflete apenas na possibilidade de vários finais. As trajetórias de cada personagem também estão sempre expostas a uma eventualidade qualquer, a um encontro qualquer que subverte a retidão de seus percursos e faz oscilar suas certezas mais arraigadas.

BLOG_ Alguns apressados comentaristas costumam confundir esta abertura para diferentes percursos com algo tipo “go to pelo acaso” sem perceber que há uma recusa ao fechamento dentro de um esquema lógico formal e até mesmo ideológico e moral.

Andréa Martins_ É. Na verdade não se trata de captar acasos, mas, antes, de um olhar que está absolutamente atento aos fios invisíveis, aos sinais que se tecem no decorrer de cada trajetória, no movimento de cada percurso narrativo.

BLOG_Em 1989 Kieslowski realizou dez médias-metragens para a televisão polonesa, a série O Decálogo. Pouco divulgado no Brasil, embora já distribuído em DVD, parece mostrar a recusa sistemática em relacionar cada mandamento a um filme particular. Apresenta-se, também nesta série, a escolha pela problematização, instância fundamental no movimento de sua obra.

Andréa Martins_Ao invés de ilustrar em imagens os mandamentos, Kieslowski transforma estas dez injuções em dez problemas dez vezes formulados. Não há uma única imagem a sugerir o bem e o mal, o justo ou o injusto, a submissão ou a transgressão à lei. Nosso cineasta não pensa estes dualismos fáceis. As condutas a escolher se esboçam à medida que cada personagem se vê confrontado com situações perturbadoras, inquietantes, terríveis e, a partir daí que começam os problemas... Como respeitar os princípios morais? Como respeitar as leis, os mandamentos?

BLOG_Professora, em Três Proposições para uma Imagem: A Trilogia de Kieslowski, a senhora diz que Kieslowski põe em relevo as idéias de liberdade, igualdade e fraternidade oriundas do século XVIII para pensá-las hoje, dentro de uma Europa “sem fronteiras”. Gostaria de continuar na próxima postagem esta temática na tentativa de detalhar mais o significado desses valores na obra de Kieslowski e seu entendimento de um novo mapeamento da Europa (2).

Andréa Martins_Aguardando seu contato via e-mail para avançar, mesmo porque a questão da representação cinematográfica na perspectiva do tempo e não da estrutura, através do estudo específico da trilogia de Kieslowski, sequer foi, ainda, mencionada (2).

Notas:
1.O título do trabalho consultado, a seguir, Três Proposições para Uma Imagem: A Trilogia de Kieslowski apresentado em 1995 à Universidade Federal do Rio de Janeiro por Andréa França Martins, na qualidade de Dissertação de Mestrado, foi publicada, posteriormente, pela Editora Sete Letras, RJ.

2.ATENÇÃO: esta entrevista é pura ficção, qualquer semelhança com dados da realidade devem ser recusados. O contato com a autora do trabalho, logo que possível, transformará o desconhecimento da obra de Kieslowski “na construção de um pensamento onde as certezas mais arraigadas e incorrigíveis desfalecem”.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

KIESLOWSKI






















Estou a rever o Decálogo I buscando, desta vez, dialogar com o texto de S. Zizek sobre o tema (1).
O belo filme de imagens singulares sugere uma reflexão sobre a vida, ainda que comoventes imagens da morte de Pawel, o garoto que pergunta sempre ao pai “o que é a morte” e “o que permanece depois da morte” pareça ser o fio condutor da narrativa fílmica. O filme tem inicio com imagens que antecipam a tragédia do seu desaparecimento no lago.

Transcrevo os comentários de Zizek:
“Não farás para ti imagem esculpida [...]porque eu, Iahweh teu Deus, sou um homem ciumento, que puno a iniqüidade dos pais sobre os filhos” [...] a “imagem esculpida” é materializada no computador como o deus ex-machina falso que gera ícones e assim representa a maior violação da proibição de fazer imagens. Por conseqüência, Deus pune o pai, fazendo “castigar o erro do pai no filho”, que se afoga quando patina no gelo. A “verdade” desse mandamento é a subversão dialética da própria oposição entre palavra e imagem: a proscrição das imagens leva à proibição de pronunciar o próprio nome de Deus."

A versão dos mandamentos extraídos de livros sagrados, entre eles, a Bíblia de Jerusalém, apresentando na versão cristã o primeiro mandamento, declina “Amarás a Deus sobre todas as coisas e não jurarás teu nome em vão”. Zizek chama atenção que a “verdade” do primeiro mandamento está na proibição de imagens, pois só o Deus judeu não tem imagem, todos os outros estão presentes na forma de imagens, de ídolos.

A narrativa se constrói com imagens dos espaços externos, paisagens de um vilarejo coberto de neve, imagens de uma fogueira que arde em chamas, pombos que perambulam pelas janelas. No ambiente interno, diálogos entre o garoto que interroga seu pai e sua tia Irena sobre questões da fé e da existência humana. As respostas são diferentes. Para o pai, professor universitário voltado para discussões sobre a linguagem literária, a morte deixa apenas as memórias e as lembranças dos entes queridos. Acredita e baseia-se em programas cibernéticos para medições das temperaturas e previsões do tempo, prever os degelos dos lagos, informações prestadas pela máquina que utilizadas por eles mostram mensagem significativas, “I am ready”. A máquina responde os prognósticos de descongelamento do lago e prescreve as condições metereológicas, consulta-se para guiar-se sobre seus prognósticos. Parece não saber dizer nada sobre a previsão dos sonhos. A tia Irnena, voltada para a religiosidade e os rituais da fé ao ser interrogada por Pawel sobre a vida, responde “viver significa ajudar os outros, a vida é um presente, uma dádiva”, aponta para a necessidade de aulas de religião para o pequeno. Para ela, Deus existe.

Há sinais e avisos. Um tinteiro quebra e mancha os papéis que o pai de Pawel trabalhava, a professora de inglês não deu aulas, houve descongelamento no lago. Há inquietação e o som de uma sirene aponta busca pelos arredores. Uma criança aparece, Pawel não. As últimas cenas revelam a impotência do pai frente à tragédia, sua ira contra as imagens religiosas dispostas no altar, sua agonia frente aos desígnos da tragédia.

Voltemos a Zizek, que diz: O Dacálogo 1 e o Decálogo 10 sobressaem da série: o primeiro é a história de grau zero de uma intrusão traumática do Real contingente e absurdo, sem a tensão intersubjetiva dos outros episódios, enquanto o último é uma peça satírica que introduz o cômico numa série em todo o resto sombria. A trágica morte de um garoto no descongelamento imprevisível do lago denuncia os limites da previsibilidade das máquinas do tempo. Como assinala certos planos do filme ao mostrar que as máquinas, ainda que se queira, não podem prever os sonhos.

Nota: Krzysztof Kieslowski (1941-1996) cineasta polonês, realizou uma série de filmes para a TVpolonesa baseado nos Dez Mandamentos, com o título Decálogo ( 1988). Há algumas indicações bibliográficas de análise desta série, todas de difícil localização a curto prazo. Enquanto não encontro material de análise mais denso, partilho as primeiras inquietações da consulta até então.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Da interpretação

As anotações a seguir, despretensiosas, são rascunhos para uma agenda de estudo, não apresentam soluções, encaminham perguntas. A nota de rodapé transcrita abaixo tem o objetivo de dialogar com o Decálogo, série de filmes realizados por Krzysztof Kieslowski. Qual o sentido de proceder mediante deslocamentos, próximo do que Hegel realiza em Fenomenologia do Espírito, tornar visível sua "verdade" e suas consequências inesperadas que minam suas premissas, no modo hegeliano restrito? Procede Kieslóvski no Decálogo segundo sua teologia materialista? O relacionamento do Decálogo com os Dez Mandamentos se realiza em que dimensão?

"Entre outras conjecturas sobre a relação entre a série dos Dez Mandamentos e os episódios do Decálogo de Kieslowski, a mais convincente é a afirmação de que Kiéslowski saltou o segundo mandamento, que proibe as imagens ( talvez numa concordância espontânea com o fato de o próprio Decálogo ser composto de imagens em movimento) e dividiu o último mandamento em dois:"Não cobiçaras a mulher do próximo" ( Decálogo 9), nem seus bens materiais ( "Não cobiçaras os selos do teu vizinho, no Decálogo 10). Nessa interpretação ( desenvolvida em Véronique Campan, Dix bréves histoires d'image:Le Decálogue de Krzystof Kieslowski,Paris, Presses de la Sorbonne Nouvelle, 1993), o Decálogo 7 encena o primeiro mandamento. "Não terás outros deuses diante de mim": o pai é punido porque celebra o falso deus da ciência e da tecnologia. O que se perde nessa interpretação é o paradoxal "juízo infinito", que surge se lermos o Decálogo 10 como a encenação do primeiro mandamento: a equiparaçao de Deus) o ser mais alto) com os selos, o objeto material arbitrário elevado à dignidade da Coisa."

(...) O que este faz está muito próximo do que Hegel realiza em sua Fenomenologia do espírito: seleciona um mandamento e "encena-o", consubstancia-o numa situação de vida exemplar, tornando visível assim sua "verdade" e sua conseqûencia inesperada, que minam suas premissas. Quase se é tentado a afirmar que, no modo hegeliano estrito, esse deslocamento de cada mandamento gera o mandamento seguinte.

Estas notas iniciais, são provocações e motivações para agenda de estudos e leituras, não tem caráter definitivo nem de verdade, revelam intenções. Posso mudar o percurso se entender que a navegação aponta para mar revolto...

sexta-feira, 9 de julho de 2010