segunda-feira, 31 de maio de 2010

CLUBE DE CINEMA DA BAHIA


SESSENTA ANOS DO CLUBE DE CINEMA DA BAHIA

Fundado em 30 de maio de 1950, o Clube de Cinema da Bahia teve a sua exibição inaugural e posse da primeira diretoria na noite do dia 26 de junho no auditório da Secretaria de Educação e Saúde, no Corredor da Vitória, hoje Museu de Arte da Bahia, contando na ocasião com a presença do Titular da pasta, o Secretário Anísio Teixeira.

O Clube de Cinema da Bahia deu início a sua atividade cinematográfica com o clássico do cinema francês “Os Visitantes da Noite”, de Marcel Carné.

Para comemorar o acontecimento histórico de 60 anos passados o Clube de Cinema da Bahia em colaboração com a DIMAS está trazendo de volta o filme “Os Visitantes da Noite”, para exibição às 19 horas no próximo dia 19 de junho na Sala Walter da Silveira.

No mesmo espaço Walter da Silveira, que personifica a própria história do Clube, haverá a partir de 25 de junho, durante 10 dias sempre às 19 horas, exibição de uma retrospectiva de clássicos que marcaram duas fases do Clube de Cinema da Bahia.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Tarkovski: o corpo contra o tempo (1)

Para o cineasta russo Andrei Tarkovski, em seu livro Esculpir o tempo , há uma diferença fundamental entre o cinema e a literatura: o primeiro trabalha "diretamente" com a vida, criando através de imagens reais vivenciadas pelo espectador. Por isso, para ele, o cinema não é um "sistema de signos", pois a imagem não "representa" nem "simboliza" nada. É sua própria presença na tela, com um ritmo de tempo, o que causa uma impressão em nós: "a imagem cinematográfica é essencialmente a observação de um fenômeno que se desenvolve no tempo".

Embora essa afirmação possa parecer demasiado óbvia, Tarkovski esclarece que esse "fenômeno" observado, no caso, é o resultado de uma construção do olhar do diretor e, portanto, difere dos outros fenômenos da vida. Chama a atenção ainda para o fato de que "as observações são seletivas: só deixamos que permaneça no filme aquilo que se justifica como essencial à imagem". E o olhar do diretor será o responsável por montar os fotogramas dentro desse ritmo, ou melhor: em cada fotograma, já está o ritmo do filme, de maneira que todo o material "observável" é uma construção.

No entanto, essa organização do material filmado, para Tarkovski, não se orienta por uma "simbolização" que exige uma decodificação por parte do espectador. Ao contrário, trata-se de um material de certa forma "bruto", no qual o trabalho de construção do cineasta se esconde por trás da "espontaneidade" das imagens. Acontece que, para Tarkovski, o tempo no filme se constrói "em forma de evento real", ou seja: "na forma de um evento concreto". E qual o trabalho do diretor em relação às imagens dispersas por uma quantidade de filme, de tempo filmado? Diz Tarkovski:
Qual é a essência do trabalho de um diretor? Poderíamos defini-la como "esculpir o tempo". Assim como o escultor toma um bloco de mármore e, guiado pela visão interior de sua futura obra, elimina tudo que não faz parte dela — do mesmo modo o cineasta, a partir de um "bloco de tempo" constituído por uma enorme e sólida quantidade de fatos vivos, corta e rejeita tudo aquilo que não necessita, deixando apenas o que deverá ser um elemento do futuro filme, o que mostrará ser um componente essencial da imagem cinematográfica.

Nesse trabalho artesanal, o diretor, então, rejeitaria a tentação de construir imagens que "signifiquem" algo específico ou simbolizem alguma coisa que o espectador deverá decifrar, para compor uma espécie de música com as imagens.
Tarkovski afasta-se, portanto, da tentativa de controlar o sentido e desvia-se de uma perspectiva racionalista ao não pretender dirigir os significados do filme. Trata-se, então, de uma perspectiva poética, em certo sentido, se entendermos o poético como uma forma de construção em que a racionalidade está subordinada uma forma de composição que privilegia o risco e o acaso, ou seja, uma criação do corpo.
Assim, a imagem cinematográfica, para Tarkovski, é composta fora de uma racionalidade dominadora dos sentidos. Desfaz-se a aparente contradição entre o trabalho de construção do diretor e o caráter "espontâneo" , "vivo" das imagens.

Essa "espontaneidade" da imagem cinematográfica se refere à não direção do sentido, e não a uma montagem totalmente casual.Em relação à poesia do cinema, também se desfaz outra aparente contradição, quando lemos outras passagens do livro de Tarkovski. Para ele, o cinema deve ser poético nesse sentido de uma composição quase musical, na qual os sentidos se dão pela "escultura de um bloco de tempo", cujas imagens são "reais", "concretas", longe de uma "simbolização" racional, mas capazes de provocar diversos significados no espectador, significados estes que compõem o que o autor do filme tentou criar não isento do risco e do acaso. Mas quando Tarkovski reivindica um cinema "poético" — distante das formas industriais e comerciais do cinema contemporâneo — , não entende com isso o uso de "recursos poéticos" no cinema, como a metáfora, por exemplo.

Escreve o cineasta russo:
"Cinema poético" é uma expressão que já se tornou lugar-comum. Através dele pretende-se indicar o cinema que, em suas imagens, afasta-se corajosamente de tudo o que é efetivo e concreto, semelhante à vida real, ao mesmo tempo em que afirma a sua própria coerência estrutural. Há, porém, um perigo à espreita quando o cinema se afasta de si próprio. Via de regra, o "cinema poético" dá origem a símbolos, alegorias e outras figuras do gênero — isto é, a coisas que nada têm a ver com as imagens que lhe são inerentes.
Ou seja, Tarkovski aponta para o risco de o cinema tornar-se "literário".
No caso da literatura, a palavra já é um signo: refere-se a algo específico, cujo significado já é compartilhado pelo grupo social que usa aquele código. Se digo "livro", todos os membros do grupo lingüístico que dominam esse código imediatamente formará uma imagem mental do objeto "livro". Mas para defini-lo melhor, tenho que apresentar mais especificações, para dizer se o livro é grande, ou tem capa amarela, ou é velho, ou de é ficção científica, ou é de um autor brasileiro, etc. Para Tarkovski, a imagem do livro é muito mais forte do que a palavra "livro". Ele busca não a intelectualidade da alusão, mas a emotividade da presença. Nesse sentido, aproxima-se do hai-kai, no qual a "observação direta" da vida se coloca como matéria da poesia.

Portanto, Tarkovski não busca o enredo, a descrição, mas uma atmosfera feita pela concentração de meios expressivos — não pela simbologia ou por referências culturais explícitas. O artista não deve desenvolver uma idéia explicada ao espectador, mas criar uma matéria viva, a da imagem cinematográfica. O problema para a literatura é que não há como mostrar essa "imagem" diretamente, a não ser através da palavra. Como trabalhar naquela "emotividade da presença" se a linguagem literária é alusiva, se refere a algo fora dela?
Por isso, essa outra aparente contradição de Tarkovski, a de considerar um gênero literário — o hai-kai — um exemplo para um cinema que se afasta da literatura. É que, para ele, o hai-kai é uma "observação em estado puro", sem alusões, sem símbolos além do essencial que é visto e sentido pelo poeta. Daí sua semelhança com a pintura. Tarkovski não quer empurrar para o espectador uma idéia, um caminho, mas apresentar uma situação, uma imagem capaz de provocar sua sensibilidade. Para ele, o cinema só pode ser poético. Isso não significa que a literatura deva ser "espontânea". Pelo contrário: para chegar a essa "simplicidade", a essa "pureza", o autor deve percorrer um caminho árduo, que é o de sua própria fidelidade, sua própria descoberta, sem render-se ao comércio ou às ideologias da moda. Se o autor for fiel a si mesmo, encontrará um público que, ainda que pequeno, compreenderá sua obra e partilhará suas reflexões.
Essa postura de Andrei Tarkovski me leva a pensar em duas questões em discussão na arte contemporânea: por um lado, a questão da subjetividade na criação; por outro, a idéia de vanguarda.

Em relação à subjetividade, houve períodos na arte em que ela foi supervalorizada, como no Romantismo, por exemplo. Por outro lado, na arte contemporânea muitas vezes o que foi visto como "inspiração" ou "espontaneidade" foi criticado como uma leviandade do artista, que estaria fugindo do trabalho com a linguagem, sobre a linguagem.
A partir de Tarkovski, podemos pensar que a subjetividade é parte fundamental do trabalho criador. Diz ele:
A inspiração do artista forma-se em algum lugar no mais profundo recôndito de seu "eu". Não pode ser ditada por considerações práticas exteriores; não pode deixar de se relacionar com sua psique e sua consciência; ela nasce da totalidade da sua visão do mundo.

Essa visão do mundo, portanto, não se reduz à subjetividade, mas a engloba na criação. Isso também é apontado por outros diretores. Por exemplo, numa entrevista com Robert Bresson realizada por Michel Delahaye e Jean-Luc Godard, este último se pergunta por que cortar ou não cortar o filme em determinado momento da montagem, ou seja, se pergunta pelo acaso. Bresson concorda com Godard, dizendo: "Acho, como você, que é uma coisa que deve tornar-se puramente intuitiva. Se não é intuitiva, é má". Essa intuição, no entanto, não está desligada de um trabalho. Como afirma Bresson na mesma entrevista, "eu acredito muito no trabalho intuitivo. Mas naquele que foi precedido por uma longa reflexão. E especialmente uma reflexão sobre a composição". Na mesma entrevista, Bresson afirma: "Sou pintor".

Tarkovski não acredita numa suposta racionalidade que dirigisse a criação ou controlasse seus significados. Em relação a seus filmes, ele declara:
Nos últimos tempos, tenho participado de muitos debates com os espectadores, e tenho notado que, ao afirmar que não existem símbolos ou metáforas em meus filmes, eles mostram uma incredulidade patente. Continuam a perguntar, repetidamente, qual é, por exemplo, o significado da chuva em meus filmes; por que a chuva figura em um filme após o outro, e, também, por que as reiteradas imagens de vento, fogo, água? Na verdade, não sei como lidar com perguntas desse tipo.

O contrário dessa idéia é, por exemplo, a noção de João Cabral de Melo Neto de que sua poesia "não se faz com emoção", mas é um objeto construído. Essa idéia de construção e de trabalho sobre a linguagem é cara às vanguardas em geral. Para os poetas concretistas, por exemplo, a literatura de qualidade é aquela cuja reflexão em torno da linguagem e seu trabalho de invenção seriam fatores primordiais, sendo secundária qualquer marca subjetiva no texto. Essa "consciência da linguagem" ou da "forma" marcou o trabalho de criação das vanguardas, de modo que muitas delas quiseram realizar uma operação metalingüística. Além dessa crença na racionalidade, a idéia de vanguarda também está associada ao "avanço" das formas artísticas, no sentido de dotá-las de um sentido transgressor das maneiras de criar e consumir a arte. Neste sentido, a vanguarda é duplamente utópica: porque acredita no futuro — e daí a intervenção no público, daí uma arte que provoque a reação do público -, e porque crê que o manuseio da forma se baseia numa racionalidade teórica ou de princípios. Além disso, a vanguarda sempre esteve associada a um exercício de poder, o de conquistar espaço através de uma nova estética — como se propôs a Poesia Concreta — e de lutar pela hegemonia dessas linguagens.

Nada mais longe da vanguarda do que Tarkovski. Além de afirmar explicitamente que "toda idéia de vanguarda em arte é destituída de sentido", o cineasta russo também escreve em certo momento do livro Esculpir o Tempo:
[...] cabe ao artista elaborar princípios e romper com eles. É impossível que existam muitas obras de arte que encarnem com precisão a doutrina pregada pelo artista. Em regra, uma obra de arte desenvolve-se numa complexa interação com as idéias teóricas do artista, que não podem abrangê-la na sua totalidade; a estrutura artística é sempre mais rica do que algo que possa ser encaixado em um esquema teórico.

Isto me faz pensar na questão da subjetividade no texto. Já se tentou expulsá-la (os poetas concretistas, por exemplo). Mas encarar a subjetividade não é se entregar a uma "espontaneidade" qualquer, mas sim dar importância à criação artística que não passa somente pela racionalidade, e que pode ser um caminho valioso para a "fidelidade" e a "autenticidade" buscadas por Tarkovski.
Se a literatura é uma instituição que cobra dos autores uma coerência, um sentido e, sobretudo, uma consciência do que está propondo em cada texto, se exige dos autores muitas vezes uma "explicação" da obra e uma engenharia do texto dominada racionalmente, então, voltando a Tarkovski, trata-se de abandonar a literatura.

Se a indústria cinematográfica calcada no lucro exige uma história, um enredo, uma coerência explicável pelos críticos, uma produção que seduza o espectador, Tarkovski reivindica para o cinema o trabalho com a subjetividade, com suas imagens da infância, suas marcas pessoais, sua recusa em utilizar "símbolos" a serem "decifrados" pelo espectador. Em meio à massificação e à homogeneização produzidas pela mídia, o cineasta russo procura uma singularidade capaz de entregar ao espectador o fruto de uma busca pessoal, mas que compartilha com seu público as mesmas preocupações sobre a condição humana no mundo atual.

Essa idéia de singularidade foi apontada por Félix Guattari como uma das marcas de resistência possíveis ao processo global de homogeneização da cultura pelos discursos veiculados principalmente pela mídia, no qual o trabalho artístico poderia ir contra a corrente, no sentido de ampliar a experiência do ser humano fora da mídia e do que Roland Barthes denominou de Doxa (o discurso da naturalização das coisas).

Ser escritor, nesse sentido tarkovskiano, passa, então, pela busca de uma linguagem que fuja às determinações da crítica, da moda, da mídia e dos discursos hegemônicos. Trata-se de uma linguagem singular, não porque se pretenda "original" ou "nova", mas sim porque não se adapta aos esquemas do que é considerado "literatura". Um texto assim não pode ser enviado a concursos literários, pois estes insistem na divisão em gêneros: "poesia", "conto", "romance", etc. Um texto assim não fala o que se quer ouvir de novo, mas fala o silêncio que está abafado pelo acúmulo de ruídos lançados diariamente pela mídia.

Essa busca pela singularidade pretende o afastamento do comum pela margem, fora da literatura, fora da "vanguarda", assim como o cinema de Tarkovski foge da indústria cinematográfica. Neste sentido, uma poesia "tarkovskiana" teria que se afirmar como fora da tradição, fora da intertextualidade, ou melhor: o poeta já não se definiria pelo lugar na instituição (na Literatura), mas por sua obscenidade.
Esse lugar, portanto, é de tensão. Orson Welles, em uma entrevista a André Bazin, Charles Bitsch e Jean Domarchi, afirma que trabalhava em meio a uma ambigüidade insolúvel, entre a descrença nos sistemas de pensamento (religiosos, políticos, etc.) e o impulso por acreditar em algo maior do que o ser humano, em relação ao qual teríamos que trabalhar.

Diz Orson Welles sobre a generosidade:
Para mim, é a virtude essencial. Odeio todas as opiniões que privam a humanidade do menor dos seus privilégios; se uma crença qualquer exige que se renuncie a algo de humano, detesto-a . Sou, pois, contra todos os fanatismos, odeio os slogans políticos ou religiosos. Detesto todo aquele que quer suprimir uma nota da escala humana: deve-se em qualquer altura poder fazer vibrar todos os seus acordes.
Dessa posição de uma certa marginalidade, Orson Welles trabalha num espaço de tensão pelo incômodo, afirmando: "O maior perigo para um artista é encontrar-se numa posição confortável: é seu dever encontrar-se no ponto máximo de desconforto, procurar esse ponto".

Essa mesma posição é compartilhada por Tarkovski, para quem a honestidade e a autenticidade em relação à sua própria criação supõem não fazer concessões ao público, ao mercado ou à indústria cinematográfica. Nesse sentido, podemos ler a obra de Tarkovski como uma afirmação de um certo cinema — que, na falta de uma palavra mais precisa, ele chamou de "poético"- singular, que busca a especificidade da linguagem cinematográfica. Mas, de um certo modo, poderíamos ler sua postura como uma defesa da obra de arte contra tudo o que possa desviá-la de seu caráter artístico. À sua maneira, o cineasta russo está buscando uma definição de arte, uma pesquisa dentro do campo estético.
Se retomarmos algumas formulações do teórico russo Mikhail Bakhtin, veremos que elas parecem balizar, de certo modo, o pensamento de Tarkovski, embora o cineasta não faça referência ao teórico.

Na obra Questões de literatura e de estética , Bakhtin está preocupado em definir a especificidade da obra literária como obra de arte e, portanto, em repensar a metodologia de análise das obras. Uma das questões levantadas por Bakhtin é exatamente a da forma da obra e a excessiva preocupação teórica em definir a obra de arte a partir de um formalismo extremo, o que Bakhtin chamou de "supervalorização do aspecto material". Para ele, a "estética material", na esteira de uma visão que pensa a obra como algo puramente "estético" a partir de sua estrutura formal, não dá conta de explicar a complexidade do trabalho artístico.

Escreve Bakhtin:
A estética material não é capaz de fundamentar a forma artística.
A posição fundamental da estética material, no que concerne à forma, suscita uma série de dúvidas e, no conjunto, parece inconvincente.
A forma, compreendida como forma do material somente na sua definição científica, matemática ou lingüística, transforma-se de um certo modo na sua ordenação exterior, isenta de momento axiológico. O que permanece totalmente incompreensível é a tensão emocional e volitiva da forma, a sua capacidade inerente de exprimir uma relação axiológica qualquer, do autor e do espectador, com algo além do material, pois esta relação emocional e volitiva, expressa pelo tamanho — pelo ritmo, pela harmonia, pela simetria e por outros elementos formais — tem um caráter por demais tenso, por demais ativo para que se possa interpretá-lo como restrita ao material.

Se a obra de arte se apresenta como algo material — e parte de sua constituição e inclusive de sua relação estética com o espectador passa necessariamente por esse material -, não se restringe a ele. Toda a realidade em seus aspectos cognitivos, emotivos, históricos, ideológicos, etc., perpassa o material da obra e é mais amplo do que ele. Como escreve Bakhtin: "A obra de arte compreendida como material organizado, como coisa, só pode ter significado como estimulador físico dos estados fisiológicos e psíquicos, ou então deve receber uma designação prática e utilitária qualquer". O que Bakhtin valoriza, para além da materialidade da arte e da racionalidade intencional, é a presença do corpo.

Não só o autor da obra emprega o corpo — entendido aqui como o conjunto de sensações, intuições e razões que o vinculam à realidade e aos aspectos cognitivos em relação a ela -, como também o espectador ao relacionar-se com a obra. De forma que a "fruição estética", se pensarmos a obra como realmente artística, só ocorre verdadeiramente se essa relação com a realidade passa através do material, mas não se esgota nele. Nada mais longe, portanto, do pensamento de Bakhtin, do que a idéia da "arte pela arte" ou da "arte pura". O que o teórico russo torna mais complexo e problemático é o estatuto mesmo da arte. Aí entra a questão do conteúdo. Para Bakhtin, "é o conteúdo da atividade estética (contemplação) orientada sobre a obra que constitui o objeto da análise estética".

Assim como não se pode, portanto, dissociar a forma do conteúdo, tampouco se podem separar a razão da emoção, o corpo do intelecto, a vida da obra. Neste sentido, podemos ler o pensamento de Tarkovski como uma tentativa de recuperação do corpo sobre o excessivo formalismo no cinema, seja por razões teóricas, seja por razões puramente comerciais (ou utilitárias, como aponta Bakhtin).
A crítica de Tarkovski à racionalização da "mensagem" cinematográfica — como quando impugna a idéia de montagem de Eisenstein por seu caráter simbólico — vai ao encontro da crítica bakhtiniana do formalismo da crítica. Assim como Tarkovski critica a transposição da literatura para o cinema, Bakhtin critica a "literatura" como obra cujo conteúdo não é intrínseco à forma, mas sim um dado "acrescentado", moldado numa forma de maneira artificial com base numa racionalidade do autor.

Escreve Bakhtin:
Existem obras que realmente não têm nada a ver com o mundo, mas somente com a palavra "mundo" num contexto literário, obras que nascem, vivem e morrem nas folhas das revistas, sem ultrapassar as páginas das edições periódicas contemporâneas e sem nos conduzir a nada que se encontre além dos seus limites. O elemento ético-cognitivo do conteúdo, que apesar de tudo lhes é indispensável como elemento constitutivo da obra de arte, não é haurido diretamente por elas do mundo do conhecimento e da realidade ética do ato, mas das outras obras de arte, ou é construído por analogia com elas.

Esse mundo real, que faz parte da obra de arte como outra realidade, mas que mantém com o real as relações forjadas pelo autor da obra de arte — através de uma materialidade, sim, mas que a ultrapassa para estabelecer vínculos cognitivos, afetivos, etc. -, em suma, um mundo que passa pelo corpo, esse real não se determina na obra nem em sua experiência estética como dado material planejado e controlado intelectualmente pelo autor; senão, seria uma obra vazia, formalista. Neste sentido é que podemos ler o pensamento de Tarkovski como uma problematização do fazer cinematográfico, como uma busca dessa obra de arte que não se afasta do corpo, que não quer se impor ao espectador como uma verdade — formalista ou não -, mas que pretende problematizar a própria linguagem como meio de estabelecer uma relação, um diálogo com o espectador fora das razões comerciais. Portanto, quando Tarkovski fala em "observação direta" do real — referindo-se ao hai-kai -, não está defendendo um cinema "documental", mas sim a liberdade de se contar com o acaso da ação do corpo.
Cinema de autor, sim, mas não de autoridade (baseada no currículo do diretor, em suas idéias teóricas ou num formalismo), cinema artístico no sentido de integrar os diversos elementos da vida e da linguagem para construir um objeto que pode ser equívoco, mas verdadeiro — não no sentido ideológico, mas no sentido de um fazer artístico aberto às indefinições do ser humano-; cinema, enfim, que se afasta de um discurso intelectual que pretende exercer o poder. Neste sentido, creio que o cinema proposto por Tarkovski se aproxima mais do feminino, em oposição à masculinidade do poder.

Como disse Orson Welles:
Os únicos bons artistas são femininos. Não admito a existência de um artista cuja personalidade dominante seja masculina. Isto não tem nada a ver com a homossexualidade; mas, intelectualmente, um artista deve ser um homem com aptidões femininas. Como também apontou Ernesto Sábato ao referir-se ao trabalho de criação artística como profundamente feminino em seu caráter de não-dominação, não-exercício do poder ou da conquista, mas de problematização da existência humana. É nesse sentido que vislumbro o cinema e o pensamento de Andrei Tarkovski, que parece estar dizendo uma frase de Clarice Lispector: "Eu não sou intelectual, eu escrevo com o corpo" .
(1) Texto disponível em http://renatotapado.com/artigos/tarkovski-o-corpo-contra-o-tempo/.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Esculpir o Tempo























Retrato de uma Jovem, provavelmente de Leonardo da Vinci, no filme O Espelho.

"Amo muito o cinema. Eu mesmo ainda não sei muita coisa: se, por exemplo, meu trabalho correspoderá exatamente à concepção que tenho, ao sistema de hipóteses com que me defronto atualmente. Além do mais, as tentações são muitas: a tentação de lugares-comuns, das idéias artísticas dos outros. Em geral, na verdade é tão fácil rodar uma cena de modo requintado, de efeito para arrancar aplausos...
Mas basta voltar-se nessa direção e você está perdido. Por meio do cinema, é necessário situar os problemas que, ao longo dos séculos, foram objetos da literatura, da música e da pintura. É preciso buscar, buscar sempre de novo, o caminho, o veio ao longe do qual deve mover-se a arte do cinema"
Trecho da contra-capa de Esculpir o Tempo, Andrei Tarkovski ( 1932- 1986).

terça-feira, 18 de maio de 2010

Nostalghia_Andrei Tarkovski























Continuando a revisitar a obra de Tarkovski encontrei uma leitura interpretativa de Nostalghia (1983), realizada por Slavoj Zizek que nos pareceu uma abordagem inédita. Slavo Zizek refere-se ao papel da figura feminina representada por este realizador ao qual considera marcado pela oposição mulher-mãe. Detendo-se na representação da figura da mulher nesta filmografia, chama atenção para questões emblemáticas na obra tarkovskiana. Seguramente que a presença da mulher neste filme é marcado por metáforas , além disso Tarkovski dedica-o à sua mãe. Entre várias cenas onde prevalece o diálogo mulher-mãe, há uma de especial beleza, que me chamou atenção. Passa-se no interior de uma catedral no norte da Itália, em que a tradutora que acompanha o escritor russo, Eugênia, diz ao sacerdote que não sabe rezar nem sequer sabe ajoelhar-se, seguem-se imagens que apresentam uma iconografia religiosa com a presença de Nossa Senhora das Dores, envolvida por um manto que se abre na altura do ventre de onde saem revoadas de pássaros tornando o ambiente repleto de luzes e gorjeios. A câmara realiza um longuíssimo plano, com velas acesas e trinado de pássaros, cena de inspiração espiritual e mística (não consegui ainda localizá-la no youtube). Eugênia, diz Zizek, é não-mãe, a mulher que apenas materializa uma fantasia masculina. Zizek está trabalhando, como sabemos, com uma perspectiva psicanalítica e como toda interpretação, revela um ângulo de análise que não exclui outras abordagens, até mesmo novas leituras com perspectivas essencialmente de caráter estético e/ou teológicas, por exemplo (1). A seguir, trechos de Zizek.

“(...) o universo de Tarkovski encontra sua expressão mais clara em Nostalgia, cujo herói, o escritor russo que deambula pelo norte da Itália em busca de manuscritos de um compositor russo do século XIX que ali vivera, está dividido entre Eugênia, a mulher estérica, um ser carente que tenta desesperadamente seduzi-lo para obter satisfação sexual, e sua memória da figura maternal da mulher russa que abandonara. O universo de Tarkovski é fortemente centrado no homem e marcado pela oposição mulher-mãe. A mulher provocante e sexualmente ativa (cuja atração se manifesta numa série de códigos, como os cabelos longos e despenteados de Eugênia em Nostalgia) é rejeitada como uma criatura histérica e falsa, e posta em contraste com a figura maternal, com seu cabelo preso e penteado. Para Tarkovski, quando uma mulher aceita o papel de ser sexualmente desejável, está sacrificando o que tem de mais precioso, a essência espiritual de seu ser; ela desvaloriza a si própria e assume uma existência estéril. O universo de Tarkovski está impregnado de uma repugnância mal dissimulada pela mulher provocante; e esse figura, inclinada a incertezas histéricas, ele prefere a presença tranqüilizadora e estável da mãe. Essa repugnância é claramente visível na atitude do herói (e do realizador) perante a longa e histérica avalanche de acusações contra ela proferida por Eugênia antes de abandoná-lo.

É dentro desse contexto que devemos explicar o recurso de Tarkovski a planos longos e estéticos (ou planos que permitem apenas uma panorâmica lenta ou um travelling). Esses planos podem funcionar de dois modos opostos, ambos presentes em Nostalgia: ou se baseiam numa relação harmoniosa com seu conteúdo, marcando a reconciliação espiritual tão ansiada e encontrada, não na elevação gravitacional da Terra, mas na rendição completa a sua inércia (como no plano mais longo de toda a sua obra, em que o herói russo atravessa com lentidão extrema, levando uma vela acesa, a piscina vazia e gretada, a prova absurda que o defunto Domênico lhe ordena que realize para conseguir sua salvação; é significativo que, no final, quando o herói atinge o outro lado da piscina, após uma tentativa fracassada, ele caia morto, pelo de satisfação e sentindo-se reconciliado); ou, o que ainda é mais interessante, assentem-se num contraste entre forma e conteúdo, como o longo plano da explosão histérica de Eugênia contra o herói, uma mistura de gestos sedutores sexualmente provocantes e observações de desprezo. Nesse plano, parece que Eugênia protesta não só contra a indiferença fatigada do herói, mas, de certo modo, também contra a indiferença tranqüila do longo plano estático, que se mostra imperturbável perante sua explosão (...)

O problema com Tarkovski é sua opção evidente pela interpretação jungiana, segundo a qual a viagem exterior é apenas a exteriorização e/ou projeção da viagem iniciática interior para as profundezas da psique.

Nota:

(1) A obra de referência de Zizek, Jacques Lacan em A ética da psicanálise, é ampliada pelas leituras de Judith Butler, Jacques-Alain Miller, entre outras, voltados para a temática feminina.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

O Sacrifício_Andrei Tarkovski



















A importância de revisitar a obra de Andrei Tarkovski.


Em tempos de velocidade acelerada em busca do consumo e dos prazeres do aqui e agora parece estranho estar-se a deter atenção aos significados e sentidos da obra de um realizador russo que traz em seu background, entre outras contribuições, informações sobre a Rússia do século XV. Diz-se que o muro foi derrubado e que não há interesse em se voltar ao passado, hão de perguntar, então, os mais apressados, da validade de se tecer considerações sobre um cineasta que dedicou sua filmografia a um tempo esquecido.

Não fosse a recente presença de estudos sobre a renovação do pensamento da esquerda e o aparecimento no mercado editorial de produções que contemplam o surgimento de idéias que se contrapõem ao imediatismo do aqui e do agora, além do aparecimento de um conjunto de ações na área cultural voltadas para a reflexão do tempo da memória e reconstrução de contextos históricos e estaríamos a sucumbir frente à liquidez, tudo que é sólido desmancha-se no ar (1).

Refiro-me às inquietantes mensagens de pensadores recentes que tem se destacado pela importância dos seus questionamentos quanto à necessidade de renovação do marxismo como paradigma de significado incomensurável no século vinte, porém, enfatizando a necessidade do reexame do conceito de classe levando em conta outras categorias como gênero, sexo, cor, etnias e valorizando aspectos de uma teoria da subjetividade considerada subsumida ao conceito de produção.

Este é, sabemos, um ponto de extrema polêmica entre os marxistas ortodoxos e os estudiosos culturalistas, enquanto campos em que se confrontam posições e estratégias de intervenção política distintas. Curioso, porém, que um dos representantes da primeira corrente, traga em suas produções recentes, condições de diálogos entre as categorias fundantes do marxismo ortodoxo e de campos mais voltados ao entendimento da cultura. Refiro-me aos ensaios sobre o cinema moderno, tal como apresentado por Slavoj Zizek, no qual a obra de Andrei Tarkovski tem um lugar especial e nos convida a pensar o cinema do passado como uma projeção do futuro, tal como o anjo em Paul Klee (2).

Inspirando-me nesta leitura e nesta tomada, busquei rever a obra de Tarkovski que havia visitado nos anos 70/80 ainda estudante de graduação em Ciências Sociais. Noviça na primeira turma de graduação em 1969, ano em que passei no vestibular da Ufba, assim como o aparecimento do computador para efetivação das primeiras matrículas, tivemos de conviver daí em diante com a tecnologia da “rapidez e velocidade” sem nos dar conta que não mais voltaríamos aos manuscritos que aparecerão tão luminosos no silêncio tarkovskiano (3).

Andrei Tarkovski (1932-1986) nasceu na Rússia. De seu pai encontramos vários poemas que são transmitidos em off em vários dos seus filmes e de sua mãe encontramos metáforas às personagens maternas que são espelhos de histórias repletas de significados e significantes, em sua filmografia. Ainda está por se fazer uma biografia completa de Andrei Tarkovski. Encontramos apenas trechos lacunares rápidos e referências esparsas à sua formação de cineasta em escola de cinema, na Rússia, nos anos 60 e um dossiê sobre o Cinema Revolucionário Soviético, com um conjunto de depoimentos da equipe que participou de alguns dos seus filmes. Estas informações e impressões permitem perceber aspectos da sua biografia com destaque para seus interesses temáticos e escolhas pessoais e de investigações ligadas, predominantemente, ao campo espiritual (4).

Esboço um quadro provisório, mais do que provisório bastante simples, em ordem cronológica, de modo a revisitar sua produção, advertida que as obras estéticas requerem contemplação em profundidade de reflexão, ou seja, a visão da obra tarkovskiana não se esgota na leitura de suas narrativas, requer um trabalho de proximidade da arte poética e filosófica com forte inspiração e questionamentos da existência humana (Cf. em anexo o quadro da filmografia).

Iniciemos pelo fim, o último filme. Em Sua última obra, O Sacrifício (Offret, 1986) nas palavras de Zizek:

O herói de O Sacrifício, Alexander, vive com sua grande família numa cabana remota no campo, na Suécia (outra versão da datcha russa que obceca os heróis de Tarkovski). A celebração de seu aniversário é estragada pela noticia terrível da eclosão de uma guerra nuclear entre as superpotências, como parece indicar a passagem à baixa altitude de aviões a jato. Desesperado, Alexander dirige suas preces a Deus, oferecendo-lhe o que tem de mais precioso para que a guerra não tenha estourado. A guerra é “desfeita” e, no final do filme, Alexander, num gesto de sacrifício, queima sua adorada cabana e é levado ao asilo de loucos.

A temática de um ato puro e absurdo que volta a conferir significado a nossa vida terrena é a questão central do filme, realizado no estrangeiro. O ato de queimar sua casa, o seu bem mais precioso, aquilo que é “para ele mais do que ele próprio”, este gesto de sacrifico evitará que a catástrofe não ocorra, o fim do mundo numa guerra atômica.

Tarkovski tem plena consciência de que um sacrifício, para funcionar e ser eficaz tem de certo modo de ser “desprovido de sentido”, um gesto de entrega ou ritual “irracional” e inútil (como atravessar a piscina vazia com uma vela acesa ou queimar a própria casa). A idéia é que só um gesto espontâneo, um gesto não baseado em qualquer consideração racional, pode restaurar a fé imediata que nos libertará e curará da doença espiritual moderna. O sujeito tarkovskiano oferece aqui, literalmente, sua própria castração (a renúncia à razão e ao domínio, a redução voluntária à “idiotice” infantil, a submissão a um ritual sem sentido) como instrumento para libertar o grande Outro. É como se, só por meio da realização de um ato totalmente absurdo e “irracional”, o sujeito pudesse salvar o Significado global mais profundo do universal enquanto tal.


Para Zizek, a lógica tarkovskiana do sacrifício sem sentido, a questão crucial é que o objeto sacrificado, a casa, a datcha russa, uma casa de madeira que arde no final do filme, representa a segurança e as raízes rurais autênticas do Lar. O Sacrifício reveste-se de pleno significado espiritual de vida.

O que eleva Tarkovski acima de um obscurantismo religioso comum é o fato de ele despojar este ato de sacrifício de qualquer “grandeza” patética e solene, apresentando-o como um ato atrapalhado e ridículo (...) O Sacrifício termina com um bailado cômico de homens que saem correndo da enfermaria em perseguição do herói para levá-lo para o asilo_ a cena é filmada como se tratasse de crianças que estivessem brincando de pega-pega.

Os filmes de Tarkovski são totalmente desprovidos de humor, afirma Zizek. Nos depoimentos que encontramos, até então, descrevem-no como um cineasta excessivamente preocupado com a excelência dos planos e composições estéticas dos cenários, do extremo rigor em acompanhar os cenários e iluminação considerada mais adequada e a preferência pelos sons obtidos com a exploração dos ambientes naturais (5). Não são filmes divertidos, não atendem aos imperativos da velocidade hightech, não se encontram disponíveis nas prateleiras dos blockbusters.

Os filmes de Tarkovski são poemas, mas não apenas poemas, são inquietações que fazem refletir sobre o mundo moderno. Finalizo, por enquanto, com a palavra Zizek e sua curiosa provocação:

O sacrifício é, em última análise, o gesto por meio do qual procuramos compensar a culpa imposta pelo impossível imperativo do superego (...) Nesse contexto, podemos ver em que sentido preciso a problemática dos dois últimos filmes de Tarkovski centrados no sacrifício é falsa e enganadora: embora, sem dúvida nenhuma, o próprio Tarkovski rejeitasse veementemente tal designação, a compulsão sentida pelos últimos heróis tarkovskianos para consumar um gesto sacrificial absurdo é a do superego em seu estado mais puro. A prova definitiva disso reside no caráter “irracional” e absurdo desse gesto_ o superego é uma ordem para fruir e, como diz Lacan na primeira conferência de Mais, ainda (6), a jouissance é, em última análise, aquilo que não serve para nada.

Deixo assim inconcluso o itinerário, para dar lugar no próximo post, ao penúltimo dos seus filmes, Nostalgia.

Notas:
(1) Ver referências em Marshall Berman. Tudo que é sólido desmancha no ar: aventuras da modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. Refiro-me, também, ao último filme do Sílvio Tendler, lançado em abril de 2010, Utopia e Barbárie, que traz um mosaico (ou bricolagem, ou caleidoscópio, se preferem) dos acontecimentos pós-guerra que conformaram uma geração da qual ele representa um testemunho peculiar.

(2) A referência completa do livro do Zizek encontra-se na postagem anterior. Conferir em: http://www.stelalmeida.blogspot.com/

(3) Em 1964, estudante em colégio interno religioso feminino, em Salvador, destinado às famílias de classes médias, tomamos conhecimento do Golpe Militar de 1964 noticiado pelas religiosas, em sala de aula, com o inusitado convite para que as alunas se dirigissem à capela do Sagrado Coração de Jesus para as orações de rotina, havia um clima de temeridade e de falta de informações precisas, não sabíamos que o chumbo grosso estava, ainda, por vir.

(4) O Dossiê Cinema Revolucionário Soviético compõe-se de quatro DVD’s da Continental Home Vídeo, sendo que o número quatro contém o remake do último filme de Tarkovski, O Sacrifício, filmado na Suécia. Os demais apresentam entrevistas e depoimentos de atores e membros da equipe, roteirista, fotógrafo, músico e compositor, enfim, amigos do cineasta que partilharam das dificuldades e êxitos nos processos de filmagens.

(5) No dossiê mencionado, a entrevista com o responsável pela composição musical dos filmes tarkovskianos revela que o cineasta preferia trabalhar mais com o silêncio e os ruídos obtidos nos ambientes da natureza, chegando muitas vezes a descartar trilhas sonoras que haviam custado intensas experimentações, para seu desconserto.

(6) Jacques Lacan. O Seminário, livro 20: Mais ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.