sexta-feira, 23 de janeiro de 2009
















Hoje tenho apenas perguntas.
Começarei expondo-as, quem sabe um ponto de partida para movimentar alguns dos complicados paradoxos.

O que é a beleza em uma obra de arte? Arte é um qualificativo que deve ser atribuído a uns poucos filmes ou todos os filmes são obras de arte? Os filmes tem uma vocação natural para o realismo ou para o artifício e a estilização? Há um estilo ideal? Há uma maneira certa de contar uma história? As noçoes de beleza são eternamente verdadeiras ou conformadas pelos valores sociais vigentes? Em que medida a estética é ligada a questões éticas e socias mais amplas? Um travelling, como afirma Godard, é uma questão de moralidade? Filmes fascistas ou racistas como O triunfo da vontade ou Nascimento de uma nação podem ser "obras-primas" em termos artísticos e ao mesmo tempo ser repugnantes em termos éticos-políticos? A arte foi irrevogavelmente modificada por Auschwitz, como sugeriu Adorno?
Há uma Estética com maiúscula, com raízes no pensamento germânico racista, e uma "estética" com minúscula, uma preocupação comum a todas as culturas, com a construção formal de representação do mundo sensível?

Essencias questões estão reunidas nos debates encontrados nos antecedentes da teoria do cinema, discussões que tem aporte na filosofia, na estética, na ética, na lógica, as chamadas ciências normativas dedicadas a estabelecer regras sobre o Belo, o Bom e o Verdadeiro.
Remontar à Poética de Aristóteles, muitas vêzes, vale como um recuo necessário para se compreender os critérios hoje considerados como os piores e/ou melhores e os filmes bola preta, por um constelação de aficcionados à determinada estética do melhor. Ou não?(1).

Nota:
1. Perguntas formuladas tendo como referência o trabalho de Stam,Robert. Introdução à teoria do cinema. Campinas,SP:Papirus, 2003. Coleção Campo Imagético.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

A TROCA















Repetindo um antigo costume, transcrevo o balizado texto publicado em PONTO DE FUGA sobre o filme A TROCA.
(Folha de São Paulo, 18.01.2009).
Em exibição no Espaço Unibanco Glauber Rocha, Salvador-Bahia, além de um lugar para observar a Baía de Todos os Santos, contamos com a análise do Jorge Coli que indica as chaves centrais desta película, uma convicção ética que exclui maniqueísmos. Irei hoje para conferir.


A presença do passado
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O filme "A Troca" expõe a mesma luta individual contra interesses sujos que outros personagens de Eastwood encarnaram, criando afinidades além das convenções
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JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA


A história é clara, mas o pensamento tão complexo. Nada de conceito teórico, mas uma reflexão intrincada brotando, intuitiva, dentro do filme. A expressão perfeitamente controlada engendra uma força que não se refreia. "A Troca" retoma obsessões que se tecem a partir de tudo que Clint Eastwood filmou.
Alguns críticos tentaram, sem sucesso, enquadrá-lo em um único gênero: film noir, melodrama, policial, filme social, filme político. Ele contém tudo isso para formar outra coisa: uma convicção ética que exclui o maniqueísmo.
Nos anos de 1970, Eastwood fazia vingadores se levantarem contra a ordem social, comandada por poderosos sempre corrompidos até o cerne. O vingador vingava, não para restabelecer uma ordem justa, mas para destruí-la naquilo que estava ao seu alcance. Encontrava refúgio em comunidades de "outsiders", em meio à gente desprezada, mas leal, sincera, verdadeira: basta ver "O Estranho Sem Nome" ou "Josey Wales - O Fora da Lei".
"A Troca" expõe, ela também, a luta individual capaz de enfrentar o complô dos interesses sujos e das mentiras infames. O sonho da comunidade permanece, embora mais tênue e transformado, não mais na antiga utopia comunitária, mas em certas afinidades, algumas éticas, outras mais difíceis de explicar.
A palavra afinidade é uma chave no cinema de Clint Eastwood: significa laços invisíveis, muito poderosos, e para além das convenções. Quem viu não se esquece da cena unindo dois mortos que se amaram e se odiaram, em "Meia-noite no Jardim do Bem e do Mal". Há esse estranho filme, "Dívida de Sangue", em que dois personagens se ligam por razões nada racionais. O assassino abjeto de "A Troca" descobre uma surpreendente sintonia com a heroína, Angelina Jolie.

Carrascos
Os desmandos policiais expostos em "A Troca" são terríveis. O momento no qual, verdadeiro filme dentro do filme, surgem expostas as cumplicidades entre polícia e psiquiatria para abaterem-se com crueldade abjeta sobre as mulheres, é digno do mais alto Foucault. Dirty Harry, personagem do tira durão, machista, matador, que Eastwood interpretou em vários filmes, o primeiro deles dirigido por Don Siegel, ficou bem longe.
"A Troca" mostra suspeitos sendo baleados como num fuzilamento por razões torvas. A cena, que lembra os abates nos campos de concentração nazistas, remete para realidades como os esquadrões da morte, o Bope, e discursos delirantes do atual governador de Mato Grosso do Sul, que manda a polícia esquecer os direitos humanos.

Sinistro
Em "A Troca", Eastwood acusa, mas avança, e ultrapassa a denúncia militante graças ao personagem do serial killer. Ele encarnaria o mal absoluto, se o diretor não lhe tivesse concedido dimensão humana.
Uma cena de execução judicial por enforcamento, descritiva, detalhada, expõe a barbárie da pena de morte como mais um crime cruel e perverso. O prisioneiro, cantando "Noite Feliz", mostra-se, ele próprio, habitado por uma inconsciência infantil. É um formidável momento de cinema. "A Troca" faz pensar no Kieslowski de "Não Matarás", no Chabrol de "O Açougueiro" e, sobretudo, em "M, o Vampiro de Düsseldorf", de Fritz Lang.
Como neste último, a justiça é incapaz de compreender e, sobretudo, de resolver a questão do mal.

Luz
"Sobre Meninos e Lobos", o filme mais pessimista de Eastwood, centra-se, como "A Troca", na violência sobre crianças. Agora, porém, a última palavra é esperança.

jorgecoli@uol.com.br

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Almodóvar e a feminilidade.






















Em 1960, a teoria e a história do cinema tem um assento preponderante nas universidades americanas e uma nova geração de professores de literatura e filosofia, muitos deles cinéfilos, organizaram-se em cursos sobre o ideário humanístico de diretores de cinema, com destaques para Ingmar Bergman, Satyyajit Ray, Akira Kurosawa, entre outros, em que duas escolas de pensamento ganham maior importância: a teoria da subjetividade e a teoria do culturalismo. Em 1970 vai prevalecer na teoria do cinema a influência de áreas do conhecimento que se inspiram nos campos da semiótica, da psicanálise, da análise textual/análise do discurso e estudos do feminismo. É neste campo, mas não só, que o trabalho de Ana Lucilia Rodrigues encontra um ponto de partida para abordar a feminilidade no cinema de Pedro Almodóvar (1).

Pedro Almodóvar e seu cinema vêm se constituíndo um objeto de estudo atual e permanente, desde os circuitos despretensiosos em conversas de bar aos círculos acadêmicos mais sofisticados e dedicados aos estudos de cinema, sua obra vem merecendo aplausos e interesse.

O estudo da Ana Lucilia Rodrigues mostra numa obra selecionada, KIKA, a forma peculiar de Pedro Almodóvar representar a feminilidade e as diferentes estratégias de figuração do feminino tomando como objeto de análise um filme produzido em 1993, e além da analise desta personagem almodovariana oferecer ao leitor um método de abordagem de análise fílmica, tendo o cuidado de advertir dos limites da universalidade metodológica(2). As figuras femininas de Almodóvar diferem dos modelos de representação da feminilidade nos primórdios do cinema em que os estereótipos de pureza e luxúria, anjo e demônio, beleza virginal e beleza destruidora, formavam bipolaridades dos tipos femininos na maioria das filmografias comumente encontradas. Kika é uma composição híbrida, dentro da iconografia feminina.

A filmografia de Almodóvar não reproduz os clichês usualmente encontrados num tipo de cinema que privilegia figuras representadas por personagens passivas ou patéticas, tipos femininos vitimadas pelos estereótipos da autonegação. Talvez por isso, o cinema almodovariano passe a ser percebido como atravessado por uma galeria de personagens femininas “reais”.

O conceito de máscara e semblante será recolocado, a partir dos estudos de Judith Butler, numa leitura de Jacques Lacan e a vida e a obra de Pedro Almodóvar serão revistas através de uma bibliografia extensa e substanciosa. Nesta, o estilo do cineasta indica a diversidade de gêneros discursivos baseados na colagem (collage) e na combinação enigmática (puzzle) que se destacam pela originalidade das marginais e provocativas mulheres modernas. Este modo de observar, algo como o voyeur, adquiriu dimensões até então desconhecidas no cinema.

Para maior detalhamento, consultar e ver (rever) o filme e o livro. Nas próximas postagens buscarei trazer mais detalhes, por hora finalizo uma vez que depois de ter digitado o texto tive que refazê-lo inteirinho, apagou-se sem que pudesse descobrir onde foi parar. Cruzes!



Notas:
1. Cf. David Bordwell. Apud. Rodrigues, Ana Lucilia. Pedro Almodóvar e a Feminilidade. São Paulo: Editora Escuta 2008.
2. Casetti, Francesco; Di Chio, Frederico. Cómo analizar um film. Barcelona: Paidós Ibérica, 1991.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

KIKA: o cinema de Almodóvar







A postagem de hoje incursiona por um terreno não conhecido.
Resulta da tentativa de ler um livro, recebido de presente, que traz do cinema de Almodóvar, especialmente no filme Kika (1993) possibilidades para examinar a noção de semblante, conforme referência na obra de Jacques Lacan, para entendimento da especificidade de representação da feminilidade (1).

Trata-se de uma missão exigente que requer uma aproximação com uma área do conhecimento na qual realizei pouquíssimos diálogos, mas que sei da potencialidade. Nunca li Lacan, conheço Freud apenas de citações breves e sem a menor intenção de aprofundamento e de conhecimento. Entretanto, tenho-me dedicado a rever os filmes de Almodóvar. Realmente as personagens femininas criadas pelo cineasta realizam um trabalho de reconstrução de sexualidades, explora os limites da sexualidade humana, lhe conferindo a realização de uma obra cinematográfica que escapa da trivialidade e da banalização.

Ainda no primeiro capítulo da dissertação que se intitula Almodóvar e a construção do feminino no cinema, das referências citadas pela pesquisadora, além do núcleo específico de estudos sobre sexualidade e feminilidade, uma incursão pela teoria e base empírica do cinema. Por enquanto, paro por aqui. Como os (as) interlocutores (as) deste blog são raros e sensíveis, espero que se interessem também pelo desafio que se mostra nas articulações entre cinema e psicanálise (2).

Notas:

1.Kika, filme de Pedro Almodóvar, produção franco-espanhola de 1993.

2.Ana Lucia Rodrigues. Pedro Almodóvar e a Feminilidade. São Paulo: Escuta, 2008.