terça-feira, 28 de agosto de 2007

O cinema alemão contemporâneo.




Seminário On Line 04

Procurarei manter o estilo descritivo da narrativa dos seminários anteriores. Por vários motivos. Um dos mais fortes é que me sinto iniciante e não iniciada na temática. De modo que procurarei reproduzir o evento, claro que sob a minha ótica, nesta última etapa, em pequenas doses, para atender a natureza do blog.

Como iniciante, ouvi os conferencistas, consultei as referências indicadas e assisti quase que toda a programação fílmica. Nesta modalidade presencial o seminário contou com convidados palestrantes e com uma platéia, aproximadamente, de cinqüenta ou mais atentos inscritos. De hábito, a partir das minhas anotações pessoais, tentarei destacar o que na minha maneira de perceber, foram pontos de destaque nas falas dos expositores e que estimularam, posteriormente, pontos para o debate. Estas notas dão conta de uma interpretação estritamente pessoal, a serem retomadas para possíveis aproximações, desde que haja interessados no assunto.


Novíssimo cinema alemão: Removendo os escombros do muro.
Palestrante: J.C.Sampaio.
Sinopse: Mais do que uma representação simbólica da derrota na Segunda Guerra Mundial, o muro que dividiu Berlim ao meio por 28 anos, alimentou o fantasma do nazismo, na forma de um trauma nacional, com repercussão na sociedade e nas expressões culturais. A geração de cineastas do movimento batizado de Novo Cinema Alemão, surgida nos anos 60, cresceu órfã de influências artísticas diretas, tendo como espelho a antiga cinematografia da Era Silenciosa. O mesmo não acontece com os jovens realizadores de hoje, que já têm nomes respeitáveis como Win Wenders, Werner Herzog e Rainer Fassbinder como referência. No entanto, ainda estão em busca de uma identidade coletiva e de representação da Alemanha contemporânea, reunificada desde 1989.

Anotações da palestra:

Ouvi uma palestra panorâmica sobre o novíssimo cinema alemão.

Dentre outros recursos, o palestrante selecionou trechos de filmes para ilustrar.
Em Asas do Desejo (Win Wenders, 1987) destacou a interpretação do que chamou o Céu de Berlim, antes da Queda do Muro. Mostrou que a geração 60 (Win Wenders, Herzog, entre outros) representou uma geração órfã de imagem, padecendo da ausência dos avós. Win Wenders refugia-se nos EUA, dá-se a ascensão do nazismo e a imposição de formas de ver o mundo pela propaganda, destaca-se a forte censura do período. Enfatiza o florescimento do cinema expressionista alemão, fenômeno hegemônico no cinema.

Refere-se à Nosferatu( 1922); Metrópolis (Fritz Lang,1926), O vampiro de Düsseldorf( 1931) ; uma alegoria ao nazismo ao apresentar um assassino serial que mata crianças. Espelha-se o medo que tomava conta do país. Período da II Guerra Mundial, forte censura na era nazista.

Destaca a utilização do áudio-visual como propaganda e a saída dos cineastas, atores e técnicos que migram para os EUA. No período 30-50 há um hiato na produção, diz. Evidencia-se uma geração órfã, dá-se uma revolução na linguagem com as novas vanguardas mundiais. As revoluções culturais dos anos 60, Fassbinder, Herzog, Win Wenders e outros e a influência dos avós. Destaca Meu melhor inimigo (Werner Herzog, 1999).

Menciona os diretores dos anos 60, o fantasma da guerra e a derrota na guerra. Traz as imagens dos filmes: O casamento de Maria Braun (1979) chama atenção de que este é o dedo na ferida; Asas do Desejo (1987); Adeus Lênin (2003) ou o que chama, ironicamente, de meu mundo caiu.

Assinala o que ficou de fora: Edukators (Heinz Weingartner, 2004); A queda do muro (2005) que, parece mostrar um Hitler dissecado. As temáticas centram-se na guerra e no terror. Na queda das torres gêmeas predomina o sentimento de terror.
Win Wenders vai mostrar o uso da câmera como uma arma contra a miséria. Por que filmes? Num exílio obrigatório nos EUA, na ausência de perspectiva de futuro, Nenhum lugar para ir, (Oskar Roehler, 2000). O capitalismo determina a imposição da imagem, morte da tradição e das culturas; aparecimento de um mercado para os migrantes; há uma corrupção dos valores.

Mostra que o filme Adeus, Lênin (2003) não é um filme militante, se resolve na ironia, mas coloca uma realidade chocante, as fronteiras, a determinação de marcas de grife e a expansão dos excluídos; a mídia como verdade só é verdade se a TV mostrar; Lênin pairando sobre o céu, abençoando o céu de Berlim. As contradições: o peso e a leveza.
As crianças vêem os anjos porque são inocentes O Tambor (Volker Schlöndorff, 1978). Alegoria ao surgimento do nazismo (anos 70) é um filme político embora não fale, diretamente, em política. Da narrativa naturalista para o realismo fantástico. Mostra a história do sistema mundial de produção de mercadorias.


Para mim, além do convite à retomada da filmografia alemã de antes e depois da queda do muro, a palestra levou-me a pensar sobre o caráter doutrinário e ideológico do cinema enquanto instrumento de propaganda e formação de consciências, amplamente utilizada pelo Reich. Quanto à caracterização do Novo Cinema Alemão (anos 60) e os Novos Realizadores de Hoje (anos 90) mereceria um tempo maior para reflexão, valeria outra exposição que articulasse mais as diferentes conjunturas e os diferentes ecos que tiveram na produção de uma filmografia alemã anterior e posterior à II Guerra Mundial. Sobre a busca de uma identidade coletiva, o conceito não foi sequer localizado nas múltiplas abordagens da literatura recorrente, de modo que haveria de ser retomado, para uma utilização mais apropriada. Enviei, posteriormente, estas anotações para o palestrante. Não sei ainda se foram recebidas ou se não devia fazer parte de agenda. Passo a segunda palestrante, na próxima.


Acima, cena do filme O Tambor( Die Blechtrommel, 1978).

domingo, 26 de agosto de 2007

Cinema Mudo Alemão.





O Seminário On Line 2, adverte Parodi, não pretendeu montar uma história do cinema mudo alemão, mas perguntar-se sobre as particularidades estéticas e formais desta cinematografia, considerada uma das mais ricas e heterogêneas da história do cinema. Toma-se 1912 como marco e localiza-se o filme A traidora, pressupondo-se, hipoteticamente, que a fascinação pelo uniforme, junto com a irrupção do corpo de Asta Nielsen, a primeira diva da história do cinema, apresentam-se como duas temáticas que não cessarão de reaparecer em todo o cinema mudo alemão.
Lotte Eisner, em seu livro A Tela Diabólica diz : Em comparação com a história cinematográfica de outros países, a do cinema alemão começa tarde. Qualquer juízo a respeito dessa iniciação, que se remonta a 1913-1914, reduz-se a comprovações negativas. As opacas e insignificantes imagens animadas de Max Skladanowsky, célebre precursor do cinema alemão, nada têm em comum com os filmes de atualidades já cheios de vida que nesse então realizava Louis Lumiére. Nada encontramos na produção de Oskar Messter que permita recordar, sequer de longe, o animado impulso, tão “commedia dell’arte”, dos velhos filmes cômicos de Pathé ou Gaumont, nem a perfeição dos “films d’art” franceses, nem a poesia fantástica de George Melliés. Já Siegfried Kracauer assinala, num livro tomado como texto canônico sobre o cinema mudo alemão: Foi somente depois da Primeira Guerra Mundial que o cinema alemão ganhou realmente existência. Até então sua história foi pre-história, período arcaico, insignificante em si mesmo.

A restauração recente de alguns filmes desse período que se consideravam praticamente perdida, permite em grande medida, pelo menos relativizar a posição de Eisner, inclinada a aceitar a versão historiográfica oficial que faz da escola primitiva francesa praticamente a única digna de ser destacada e a de um Kracauer muito parcialmente orientado a formas de pensamento racionalistas, considera Parodi.Controvérsias à parte, Max e Emil Skladanowsky, entretanto, podem ser considerados os pais alemães, uma vez que: O cinema nasce no momento exato. Nasce na época do máximo apogeu europeu, da revolução industrial e do pensamento positivista. É seu filho predileto. Entretanto, não possui um único pai. Tudo depende do historiador ou da corrente ideológica que se consulte, afirma Parodi.

Para os norte-americanos, a suposta paternidade do dispositivo se atribui a Thomas Alba Edison, com o seu Kinetoscopio, em 14 de abri de 1894. Na escala temporal, a seguir virá o Cinematógrafo, e por sua vez, caberá aos irmãos Lumiére, donos de uma empresa exitosa de produção de película fotográfica, levar a câmara à rua para fotografar o mundo em movimento. Os irmãos Max e Emil Skladanowsky, alemãs de origem polonesa, haviam inventado o Bioscópio, um aparelho de projeção dupla que apresentaram publicamente em 1º de novembro de 1895. Há diferenças, entretanto, os primeiros filmes dos Lumiére são filmes familiares, voltados para a memória do gesto cotidiano, enquanto os filmes dos Skladanowsky tentaram captar a ordem da realidade pública, nas conhecidas imagens da Alexanderplatz ou da troca de guarda em Unter den Linden. É, porém, Oskar Messter (1866-1943), considerado o grande pioneiro, já com o estatuto de pequeno produtor industrial do cinema alemão primitivo, que desenvolve seu próprio projetor e além das questões técnicas tem o mérito de pensar a questão das imagens móveis no terreno da produção comercial.

O propósito do seminário on line 02 , como afirmamos, foi apresentar elementos para se discutir as particularidades estéticas e formais do cinema mudo alemão. Procurei nestas breves notas, exclusivamente demarcar a caminhada do cinema mudo alemão, apenas sinalizando seus pioneiros. Dados sobre os primeiros a incursionar no mundo do cinema mudo alemão e suas particularidades, devem ser complementados na consulta aos seis textos e links oferecidos no seminário (1). Para aprofundamento, sugere-se, também, consultar o site e links das aulas do seminário on line apresentados, com inúmeras possibilidades de pesquisa. Coube aos pioneiros, através de dispositivos ainda a serem aperfeiçoados e a incorporarem os avanços da sofisticada tecnologia, trazer formas e estilos de fazer cinema, passos que irão revolucionar, posteriormente, o mundo da imagem e dos sentimentos da humanidade.

[1] Aulas: 1. O óbvio e o obtuso : origens do cinema alemão até a Primeira Guerra Mundial; 2. Depois da tempestade: desenvolvimento e evolução até 1920; 3. Berlim era uma Festa: vanguarda e experimentação no cinema alemão da década de vinte; 4. Mais luz=Mais movimento: comunicação da escola alemã de montagem; 5. Povo, Ideologia e representação; 6. Aquilo era outra coisa: os filmes realistas do período.
Acima, Pola Negri, considerada a segunda diva do cinema mudo depois de Asta Nielsen. ( Flower of Night, 1925).

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Seminários Online


Cinema, Educação e Política.

Setembro de 2005, Pátio do Goethe-Institut.
Dentre projetos de trabalho e estudos, a decisão de participar dos Seminários On-Line, voltado para a História e Teoria do Cinema Alemão. Os Seminários On-Line promoviam condições para os cinéfilos amadores, no meu caso, possibilidades de participação numa agenda a construir, demarcado, também, pela qualidade das informações disponíveis para consulta no site e na biblioteca da instituição. Uma experiência de utilização da web como instrumento de conhecimento e de debate, disponibilizando aulas virtuais para reflexões, formulação de conceitos e análises sobre os mais destacados representantes do cinema alemão sugerindo condições de intercâmbio e debate entre os participantes e divulgação de textos e idéias na web. As formas de trabalho adequavam-se às características dos trabalhadores independentes que realizam suas pesquisas, sistematicamente, como uma vocação de ofício, o ritmo também se adequava aos meus projetos em curso, aos inscritos era facultado acesso integral às aulas divulgadas num ritmo quinzenal, acompanhadas de projeções do material fílmico, recomendando-se a presença nas projeções. Enquanto não marcava passagem para fora do país por um período, decidi acompanhar o ritmo e formas de trabalho do ICBa. Um convite a ser considerado.

Alexander Kluge e a Desconstrução da Narrativa Clássica: Seminário Online 01.

O primeiro seminário on line [2]desdobrou-se em seis aulas fundamentadas de modo a permitir aos participantes debater e trocar dúvidas e esclarecimentos. [3] Kluge foi-nos apresentado como um cineasta às vezes repulsivo, outras vezes deliciosamente humorístico, sempre inquietante, com um elevado grau de coerência interna, permitindo uma análise teórica, como nos diz Parodi. Esclarece o comentarista que entende a Teoria no sentido que lhe confere Castoriadis, como processo de construção conceitual que tem como intenção elucidar fenômenos diversos. Elucidação entendida como o trabalho pelo qual os homens tratam de pensar o que fazem, como pensam e quais os processos de pensar. Portanto, uma atitude política.
A obra de Kluge foi-nos mostrada como sustentada por um profundo humanismo, pela defesa apaixonada de certos valores éticos, considerada vinculada à reflexão e indagação crítica das distintas formas que adquirem a política e o pensamento na cultura contemporânea. Kluge, segundo Parodi, é um filósofo enquanto produtor de conceito, um amigo de um Saber, como aquele que renuncia à impostura de pretender possuir um Saber, sempre esquivo, sempre em fuga, como aquele que volta ao país dos mortos, das ruínas, dos dejetos do humano para trazer uma boa nova da esperança que ainda é possível. Kluge foi-nos trazido, também, como um cineasta, um teórico, como aquele que se pergunta sobre as possibilidades e limites da representação cinematográfica, como capaz de produzir pensamento e afeto a partir da imagem.
Alexander Kluge, nasceu em Halberstand, Alemanha, em 14 de fevereiro de 1932, estudou direito e história na Universidade de Freiburg, Marbug e arte na Johann-Wolgang Goethe Universität de Frankfurt, formando-se em direito em 1953. Enquanto se dedicava a escrever novelas policiais, quase por acaso, estréia no cinema como assistente de Fritz Lang em uma de suas ultimas incursões no cinema alemão. Autor de vários textos de sociologia, filosofia contemporânea e teoria social, passam a ser mais conhecido a partir da apresentação no Festival de Oberhausen, 1962, co-dirigido por Peter Schamoni e outros jovens realizadores. Tem lugar a assinatura do Manifesto de Oberhausen batizado pela imprensa de Novo Cinema Alemão. Kluge, diz Parodi, é um teórico como aquele que se pergunta sobre as possibilidades e limites da representação cinematográfica, como o que reflete acerca do olhar e do compromisso do diretor de filmes, como cineasta que indaga da possibilidade de produzir pensamento e afeto a partir da Imagem.

Para entender as características formais do cinema de Kluge e de todo o cinema representacional do cinema moderno, diz Parodi, parece necessário distinguir o que denominamos de narrativa, relato e regime orgânico das representações. [4] Trata-se de um sistema onde todos e cada um dos elementos que aparecem no filme, os personagens, cenários, objetos, etc., se entrelaçam configurando o que podemos denominar um regime orgânico das representações. É uma tomada, cada imagem, está em função e obedece a uma razão preestabelecida, dirige-se para uma criação de sentido, pré-determinada. Boa parte do cinema moderno, segundo Parodi, foi sustentado nesse esquema de representação. Há toda uma série de regras formais, que no momento da filmagem tratam de assegurar a unidade espacial. Para Parodi, não é possível pensar o cinema de Kluge se não se entende que assiste nele a progressiva substituição da Narrativa Clássica para fazer emergir um regime de relato que não mais se baseia na unidade entre seqüência e seqüência, mas sim no reencadeamento orgânico entre cenas. Parodi apresenta um esquema analítico de como se constrói a unidade orgânica narrativa mostrando em diagrama a seqüência das tomadas para a composição das unidades (cf. texto).
Pensar o cinema de Kluge e suas representações provoca-nos um desafiante convite para aguçarmos a imaginação e tentar assistir seus últimos filmes: O Poder dos Sentimentos, O Ataque do Presente ao Resto dos Tempos, Brutalidade em Pedra_ A eternidade do Ontem, este último um curta apresentado no Festival de Oberhausen (1962) e irmos além, se pretendemos adentrarmos nas diferentes formas de organizar as representações. A análise detalhada dos filmes de Alexander Kluge exigirá tinta e espaço nas cinco aulas seguintes de Parodi. O trabalho com os conceitos, categorias e conexões das relações e diferenças entre narrativa e relato serão exaustivamente retomados, de modo a situar aproximações e diferenças do cinema clássico, cinema transicional e o cinema moderno.

Estávamos nos apropriando de uma abordagem estética e formal através da apreensão dos conceitos e categorias deleuziano, para desconstruir a filmografia de Alexander Kluge? Haveríamos de dispor de outras abordagens que reconstruíssem o cinema humanista e ético do Kluge dando conta da sua narrativa e relatos cinematográficos, das múltiplas relações entre a organização fílmica e a complexa conjuntura alemã anterior a I Guerra Mundial? O seminário estimulava o diálogo com o autor dos textos consultados, de modo que formulei perguntas para Ricardo Parodi, revelando estas inquietações. Registro suas respostas sem pedir licença, por exclusiva impossibilidade de manter comunicação com o autor das aulas, uma vez que o seminário manteve-se dirigido por moderadores.

From: marcela antelo
To: stelaborges@uol.com.br; Sergio Santana
Sent: Wednesday, October 12,005 8:15P
Cara Stela,
Aqui vão os comentários de Ricardo Parodi as suas questões.
Grata,
Marcela Antelo

Prezada Stela,
Os quadros que se apresentam no seminário 1 (que nos seminários posteriores foram desaparecendo) somente têm por objetivo ajudar o aluno na compreensão de alguns dos conceitos vertidos. Como se diz ao longo de todo o seminário, as categorias utilizadas são uma tentativa de escapar dos enquadramentos estruturalistas. Nesse sentido, poucas taxonomias são tão distantes do espírito estruturalista como a de Deleuze. Pelo contrário, nos tratamos de pensar alguns (reitero: alguns) dos modos de dar-se a representação do cinema de Kluge e no chamado Cinema Moderno em geral. De modo algum se pretende abarcar a totalidade da obra senão que, pelo contrário, se assinalam simplesmente alguns vínculos, algumas conexões possíveis.
O que fazemos é simplesmente montar um dispositivo de análise. Todo dispositivo ilumina partes de seu objeto enquanto deixam outros na sombra. O importante é não crer que se pode chegar à essência, à Totalidade ou à Verdade absoluta da Coisa. Sempre se trata de conexões, de relações. O que ocorre com boa parte do cine moderno. Nos preferimos por em evidência o dispositivo, “mostrá-lo”, para estar em concordância com a definição de “Teoria”, tomada de Castoriadis, que se da al principio do seminário. Esta posta em evidência do dispositivo teórico para nada quer dizer que, para compreender a obra de Kluge seja imprescindível conhecer a taxonomia deleuziana. Os quadros e as definições que damos, ao menos isso espero, fazem o seminário o suficiente autônomo. Simplesmente tratamos de ver que operações são possíveis, que coisas encontramos, ao utilizar dita classificação dos signos e imagens cinematográficas e ver como elas se dão no cinema de Kluge (autor que, dito seja de passo, Deleuze apenas si nomeia). No há uma verdade “histórica única, justa”, há de ser “revelada” no cinema de Kluge (nem em nenhum outro). Há múltiplos, diversas e divergentes maneiras de estabelecer relações. O seminário 1 pretende mostrar algumas. Um abraço, Ricardo Parodi

Continuava a merecer discussão os modelos teóricos privilegiados por Parodi. No caso, o modelo para desconstrução da cinematografia do Alexander Kluge. Procurando uma abordagem que mais se aproximasse das relações sociedade e cultura, pensei em retomar a obra de Walter Benjamin, especialmente o projeto inacabado dos anos maturidade, o Passagen-Werk, O Livro das Passagens.[5] Quem sabe apresentasse uma melhor solução. Embora, os quadros explicativos do Ricardo Parodi, na perspectiva de análise das condições formais e estética da filmografia alemã, do início do século XX, fosse uma primeira aproximação disponível, não me parecia satisfatório as categorias deleuziana. Por outro lado, não encontrei, em curto prazo, referenciais que estabelecessem com mais propriedade as relações entre a obra cinematográfica e a conjuntura alemã contemporânea.

Paro por aqui, mesmo porque o seminário trouxe-me tantas questões não respondidas que me motivou continuar buscando entender a linguagem cinematográfica, ampliando um velho e antigo enamoramento com o cinema, projeto que agora se expandia e encontrava assentamento. Continuarei a comentar no próximo texto os demais seminários online.
Notas:

[1] Pesquisadora Independente, Professora Aposentada (UFBA/BA). Publicou livros sobre o estudo dos intelectuais, das instituições educacionais e da memória da educação brasileira e diversos artigos em revistas nacionais. Atualmente estuda as relações Educação, Cultura e Política, com ênfase em Cinema, atividade que vem se dedicando até que os últimos neurônios lhe permitam.

[2] O primeiro seminário ocorreu em 2004. Os textos foram disponibilizados aos participantes que se inscreveram posteriormente, desde que obtivessem uma chave de acesso no link do site do Seminário On Line. http://www.goethe.de/ins/br/sab/ptindex.htm As unidades temáticas apresentadas: um. Alexander Kluge e a desconstrução da Narrativa; 2. Do indivíduo ao sujeito; 3. As formas do Poder, as formas do Absurdo; 4. A questão afetiva; 5. O cinema no tempo; 6. Questões de ética e esperança vieram acompanhadas de intensa referência para consulta.

[3] Os textos apresentados, de autoria de Ricardo Parodi, pretendiam montar um dispositivo de análise com o objetivo de ajudar a compreensão dos conceitos e categorias utilizadas. A temática Alexander Kluge e a Desconstrução da Narrativa Clássica apresentaram-se desdobrada em seis aulas estruturadas e com referências detalhadas em links de modo a permitir uma extensa consulta bibliográfica para os cinéfilos e amantes da sétima arte dispostos à investigação.

[4] A narrativa cinematográfica orgânica é entendida como um processo que se sustenta na relação entre uma seqüência e outra para tratar de produzir um sentido único. Por Relato, entende-se a ausência de unidade, ausência de condensação das significações tratando de conseguir um Sentido único. As diferenças entre narrativa e relato são encontradas na concepção filosófica de Gilles Deleuze.

[5] Cf. Dialética do Olhar: Walter Benjamin e o projeto das Passagens. Susan Buck_Morss; tradução de Ana Luiza de Andrade; revisão técnica de David Lopes da Silva. Belo Horizonte: Editora UFMG; Chapecó/SC: Editora Universitária Argos, 2002.
Acima, cartaz do filme Adeus ao Ontem ( Abschied von Gestern, 1965/66).

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Mostra de Filmes Africanos e da Diáspora.





Ouvinte inscrita na II Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora (II CIAD) realizada em Salvador, 12 a 15 de julho de 2006, chamou-me atenção a fala do Presidente da Fundação Cultural Palmares, órgão do Ministério da Cultura (MinC), avaliando os resultados do evento: a conferência produziu resultados políticos entre os chefes de Estado que participaram, para a própria União Africana, para organismos internacionais, sem falar na qualidade dos debates que foram produzidos durante três dias de discussões que integram a IICiad. Além disso, acho eu, gerou polêmica discussão os temas relacionados aos projetos de Lei das Cotas e do Estatuto da Igualdade Racial, pauta que se destaca nos pleitos da juventude negra brasileira em seus movimentos sociais. A programação de mesas redondas sobre Religião e Herança Cultural e a Mostra de Cinema da África e da Diáspora, esta particularmente, me interessou de perto. Foram selecionados oito filmes, a maioria co-produção de países africanos e europeus (França / Portugal) e dois filmes recentes produzidos no Brasil. A seguir, apresento descritivamente o enredo dos filmes assistidos, procurarei noutro momento oportuno, interpretá-los na perspectiva da linguagem cinematográfica.

O Herói (2003) filme em co-produção Angola, França e Portugal, com direção de Zezé Gamboa, mostra os dramas de um angolano, Vitório, mutilado na Guerra de Independência Angolana que se encontra sem emprego e submetido às discriminações da sociedade local. Perdeu sua perna direita. O filme convida à reflexão sobre os valores da luta nas guerras de independência e a sangrenta luta pela sobrevivência.
Primeiro plano, Vitório recebe uma prótese num posto de saúde de um povoado em Angola. Ele é herói de guerra medalhado e condecorado, porém mutilado. Próximo ao posto médico encontra-se uma gangue de meninos jogando bola e fazendo pequenos furtos pelas imediações. O posto de saúde de extrema precariedade mostra um médico que precisa também de assistência, sugerido por uma câmara que denuncia a apatia e imobilidade do local.
Noutro plano, uma professora primária avisa que a escola entrará num período de suspensão de aulas pela greve e os alunos acatam a notícia com muito contentamento. Repreendidos, ouvem o discurso da professora que comenta, didaticamente, sobre os objetivos de uma greve e recomenda que os alunos estudem, como formas de saída da situação de pobreza.
Manu, o aluno preferido, mora com a avó (Rute de Souza, se não me engano) e a professora visita sua casa demonstrando atenção ao seu comportamento e avanços na escola. Recordam, a professora e avó do menino, a perda do pai de Manu na guerra de independência angolana.
Freqüentando um pequeno bordel do povoado, Vitório conhece uma prostituta, Bárbara, que também perdeu um filho. A prostituta precisa sentir-se consolada pela ausência do filho, Vitório precisa namorar. Mantém os dois uma relação de companheirismo e trocas. Num desses encontros, Bárbara desespera-se por ter sido espancada por um dos seus clientes, Vitório decide apresentá-la à sua família. A gangue de meninos rouba a prótese de Vitório que passa a encontrar mais dificuldades em locomover-se. A professora primária encontra um ex-namorado que saiu de Angola para estudos internacionais e tem um tio que ocupa cargo político, pede-lhe que interfira no sentido de reaver a prótese de Vitório. O tio, por interesses políticos, pretende candidatar-se, decide fazer um apelo numa rádio local para que devolvam a prótese. A gangue de meninos devolve para Manu com receio das reprimendas. O filme tem o mérito de denunciar estigmas e discriminações e provocar reflexões sobre os heróis de guerra. As lutas pela libertação do povo angolano resultaram em vários Vitórios. A sociedade angolana precisa encontrar respostas para acolher seus mártires, heróis e meninos angolanos que vivem agudizados e vitimados pelas mazelas e sofrimentos da vida de pobreza.

As Ruas de Casablanca (Ali Zaoua, 2000) Poderia ser qualquer rua de Salvador, tamanha a semelhança dos personagens com os meninos e meninas caminhantes que encontramos diariamente. O filme, uma co-produção Marrocos e França, acompanha a história de Ali, Kwita, Omar e Boubken, com idades aproximadamente entre dez e doze anos, que percorrem as ruas de Casablanca e sofrem os embates com grupos e gangues rivais na luta pela sobrevivência. Num desses episódios, Ali morre. Os três amigos resolvem dar-lhe um enterro digno, realizando os seus sonhos de marinheiro. A narrativa do filme mostra a busca dos amigos para concretizar o propósito, auxiliados pela mãe de Ali, uma prostituta que mantém o quarto do filho com seus desenhos e objetos. O enterro de Ali vestido de marinheiro deslizando numa embarcação pelo cais mostra o empenho dos amigos que vivem cheirando cola e estigmatizados pela sociedade, submetidos à violência de toda ordem, em resgatá-lo do fosso onde que havia caído no porto onde atracam as embarcações. Os personagens movimentam-se com desenvoltura, merece destaque a participação do menino franzino, Kwita, pela espontaneidade dos gestos e diálogos, representa sem dificuldades os embates com as gangues rivais e mantém conversas com os demais meninos com marcas de realismo.

À espera da felicidade (2002), co-produção Mauritânia-França, traz uma narrativa de inspiração simbólica, planos longos e enfáticos nas cores, nos traços e gestos dos habitantes de uma pequena aldeia na costa da Mauritânia, África. É um filme plasticamente bonito. Mostram poucos diálogos, a câmara vai apresentando os movimentos, as intensas cores das indumentárias, os silêncios entre seus personagens. Abdallah, oriundo de Noandhobov, Mauritânia, visita sua mãe antes de emigrar para a Europa e sente-se um estranho em sua própria terra. Desaprendeu a língua, a sua língua materna. Os movimentos externos aparecem através de uma janela que lembram uma tela de TV, insinua que a comunicação com o exterior se faz por este canal. Noutro plano, um velho da aldeia ensina a um garoto a consertar e instalar fios para acender lâmpadas, o garoto pede-lhe que lhe conte histórias, pede que o velho lhe fale sobre a morte. As cenas da morte do velho com uma lâmpada acesa na mão e a do garoto observando o movimento das ondas do mar afastando-se sugerem um debate sobre o tempo e suas relações com as distâncias. Em contraste, surgem imagens de cidade européia, as diferenças dos ritmos, dos movimentos, contrastam com os silêncios e vazios encontrados no povoado. As embarcações ao longe insinuam que há possibilidades de comunicação, há um futuro. Outro plano mostra um trem que passa e o garoto tenta escapar da aldeia escondendo-se no trem, descoberto é obrigado a voltar. Alguns, entretanto, conseguem sair. A música sugere que os mais velhos ensinam aos mais novos o poder de cantar e tocar, as mulheres fazem chá e se divertem enquanto Abdallah não reconhece mais o som da sua linguagem sente-se estrangeiro em sua própria casa. As imagens do filme são de simplicidade, leveza, cercados de silêncios e vazios do povoado nas costas da Mauritânia, distante e próximo do mundo moderno.

Samba Troré (1992) co-produção Burkina Faso-França, com direção de Idrissa Quédraogo. Troré, o personagem central, após um assalto a um posto de gasolina em que seu amigo morre no tiroteio, foge para sua aldeia levando a mala de dinheiro. Os hábitos, costumes, rituais da aldeia são alterados diante do fato, informando os valores e traços predominantes de uma cultura voltada predominantemente para a agricultura de subsistência. Samba entusiasma-se por Saratou, uma negra africana bonita que tem um filho de outra relação, o Ali. Um casal de amigos, Salif e sua mulher Binta, convivem com as aventuras de Samba para conquistar Saratou e divertidas cenas vão permitir mostrar Binta impondo sua força de matriarca dominando seu companheiro e ridicularizando-o. A vida da aldeia vai-se modificando, Samba utiliza o dinheiro para aumentar a criação de animais e os habitantes da aldeia começam a inquietar-se, principalmente o pai de Saratou, por não saber da procedência do dinheiro. Grávida, Saratou com dificuldades de parto precisa de ajuda médica, a família inicia o transporte em carroça, até encontrar um veículo que possa levá-la em busca de ajuda médica. Samba não a acompanha até a cidade mais próxima, sabe que será preso. A família não entende a atitude dele e decide levar Saratou para outra aldeia, sem que ele possa conhecer o novo filho. O ex-marido de Saratou denuncia-o. As últimas cenas mostram a tentativa de fuga de Samba, avisado por seu amigo Salif que é atingido por uma bala na perna pela milícia ao seu encalço. Samba é preso e Salif, num tom doutrinal, reafirma os pecados do roubo. O filme além de um drama de fundo moral pregando uma mensagem de punição para os que transgridem as regras dos considerados bons costumes, mostra as relações de amizade e companheirismo entre os habitantes do povoado e as trocas solidárias numa aldeia pobre de Burkina-Faso.


Conhecemos pouco do cinema africano. Essa sumária mostra na verdade espelhando nossas diferenças e igualdades, provocaram-me reflexões, sentimentos e atitudes de indignação e estranhamento. A temática social e o cinema político como instrumento de denúncia e aproximação entre os povos,pareceu-me outro resultado importante que Ubiratã Castro talvez quisesse se referir na sua fala de abertura da conferência.

Programação e apresentação da mostra:

O Herói (2003) Angola-França-Portugal.
Direção: Zezé Gamboa.

Samba Troré (1992) Burkina Faso-França.
Direção: Idrissa Quédraogo.

As ruas de Casablanca (2000) Marrocos-França.
Direção: Nabil Ayouch.

Á espera da felicidade (2002) Mauritânia-França.
Direção: Abderrahmane Sissako.

Nha Fala (2002) Guiné-Bissau- Portugal- França.
Direção: Flora Gomes.

Cafundó (2006) Brasil.
Direção: Clóvis Bueno e Paulo Betti.

Roble de Olor (2003) Cuba.
Direção: Rigoberto López;

O dia em que o Brasil esteve aqui (2006) Brasil.
Direção: Caito Ortiz e João Dornelas.

Salvador, julho de 2006.

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Alma Mediterrânea.

Comunicação simples, falas de quem quer conhecer o outro, transpor pontes e remover fronteiras. Aviso do correio sobre um pacote, neste um singelo presente: um CD gravado com centenas de arabesques musics e uma inusitada mensagem de quem quer brincar com os mistérios da alma humana, uma rosa sépia.El Aman Aman de Azer Bulbul inicia a faixa, o rítmo evoca instrumentos de corda, palavras e melodia desconhecidas o que não impede saber que se trata de um lamento de amor apaixonado, um mantra lento e meloso. Sigo as faixas, Azer Bulbul, Yatamiyorum. Means? Consigo saber da letra que diz i can’t sleep. Sem dúvida parece uma navegação no terreno do amor. Piegas? Meloso? Aventureiro? Solidário? Percorrendo as faixas percebendo que a baglama domina os sons melodiosos e misteriosos. Sim, há um mistério neste rítmo do mar negro.Burhan Cacan, segunda faixa, Ipek Mendil Ben Yarime Neler, Yaradana Kurban, duas músicas. A tradução indica uma fala de criação de vítimas de um sofrimento de amor, são lamentos causados pela entrega, os sons de corda movimentam-se provocando leveza e suavidade ao estilo de música romântica, nas falas do coração. Cengiz Kortoglu avança mantendo a suavidade melódica, o som da baglama definindo a composição melódica. Canções que dizem das mazelas dos amores desfeitos, das paixões avassaladoras, dos desencontros constantes_Buyumeyen Bebek, Daha Yoklugunum Ilk Aksami, Demek Gidiyorsun, Duvardaki Resim, Elimde Degil, Gece Olunca, Gelin Olmus, Hain Geceler, Liselim, Resmini, Unutulam, Yillarim_ To be forgotten. Quem já não sofreu deste mal que atire a primeira pedra.Bir Tanem. Bir Tanem. Milhares e milhões gostam de ouvir essa expressão. Coskun Sabah, Emrah, Hakan Tasiyan, Ibrahim Erkal, Ibrahim Tatlises dizem-na aos borbotões, não sei se convencendo quem as ouve de que o mundo dos sonhos aliviam os roncos dos bombardeios e das fatricidas guerras dos mares de sangue.Sirilsiklam. Sirilsiklam. A voz de Ibrahim Erkal dizendo a sua amada que está encharcado de lágrimas da cabeça aos pés, palavras de quem está afogado nas dores do amor. Para os mortais ouvintes libertos dos massacres, livres das destruições de suas memórias, talvez não se sinta sensibilizado da suposta pieguice do amor, mas para os que vivem submetidos aos constantes massacres e selvagerias globais, as veias de sangue jorrando pelos mares da dor_ Deli, mundo DELI_a arebesque music revela as tradições mediterrâneas e nos leva a participar do singelo e afetuoso gesto da rosa sépia. Salvador, julho de 2007.